Por Luciano Martins Costa
A Folha de S. Paulo foi o único dos jornais de circulação
nacional a reservar um espaço para a participação de representantes do
coletivo Mídia Ninja no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo,
exibido na segunda-feira (5/8). Ainda assim, o texto é apenas um relato
burocrático de parte das perguntas e respostas, com um título que
falseia o que foi o evento.
“Idealizadores do grupo Mídia Ninja negam vinculação partidária”, diz
o título da Folha na edição de terça-feira (6). No subtítulo, logo
abaixo, pode-se ler: “Ao Roda Viva, Pablo Capilé e Bruno Torturra
admitem captação de recursos públicos”.
Trata-se de um artifício primário de manipulação de informação, uma
vez que esses dois tópicos compuseram uma parte irrelevante do programa e
haviam sido extensivamente esclarecidos pelos dois entrevistados. A
afirmação negativa é uma maneira tosca de insinuar ser verdadeiro aquilo
que está sendo desmentido.
Seria o mesmo que publicar um texto com o título: “Jornais negam que
tenham feito operação ilegal com dólar na compra de equipamentos
gráficos”. Ora, se alguém quiser insinuar que a imprensa tradicional
deve favores a determinado grupo político, essa seria uma forma de dar
um ar de veracidade a essa especulação. O mesmo seria dizer que “tal
grupo de comunicação nega que defende fulano porque em seu governo
recebeu ajuda generosa do BNDES”.
No caso do Mídia Ninja,o texto da Folha demonstra ainda que o jornal
não entendeu ou não admite a possibilidade de se construir uma mídia sem
dono, horizontalizada, com uma diversida
Os dois jovens foram provocados por alguns dos experientes
entrevistadores, em sequências de perguntas que teriam desconcertado
qualquer um. Mas responderam com segurança e clareza, enfrentando
questões polêmicas como o financiamento público de ações culturais e
simpatias partidárias pessoais.
Uma das lições mais interessantes passadas aos telespectadores foi a
afirmação de que, mesmo composto por ativistas que simpatizam com esta
ou aquela corrente política, o movimento tem um caráter amplo e
democrático. Eles não omitem seu posicionamento político, que, na falta
de melhor expressão, é definido como “de esquerda”, mas dialogam com
qualquer grupo.
O mito da imparcialidade
Essa é provavelmente a diferença essencial entre a “mídia de massa”
que marca o jornalismo como indústria e a “massa de mídias”, que
identifica o jornalismo ativista das redes sociais.
O entrevistado Pablo Capilé foi muito claro ao se referir ao ambiente
hipermediado como uma “massa de mídias”, na qual o jornalista se engaja
em uma atividade que, segundo Bruno Torturra, pode ser definida como
“midiativismo”. Esse foi um dos pontos mais interessantes do programa,
porque permite ao telespectador, eventual leitor de jornais, raciocinar
sobre a natureza da mídia tradicional e o que pode vir a ser a “massa de
mídias”.
A imprensa clássica que conhecemos também é midiativista, mas seu
engajamento não está necessariamente a serviço da sociedade, ou, pelo
menos, não costuma contemplar a complexidade social e política do país.
Como dizia o falecido diretor responsável de O Estado de S. Paulo,
Ruy Mesquita, os jornais se dirigem prioritariamente, quando não
exclusivamente, a uma elite econômica, intelectual e política.
Ao afirmarem, sem constrangimento, que a Mídia Ninja está engajada em
um projeto progressista, inclusivo e “de esquerda”, os dois
entrevistados fazem desvanecer a fumaça da falsa imparcialidade da
imprensa. Mais especificamente, o que os jovens midiativistas deixaram
claro, como fonte de reflexão para os telespectadores da TV Cultura,foi
que o mito da imparcialidade pode ser superado pela prática da
multiparcialidade.
Ou seja, a imprensa tradicional finge uma isenção e uma objetividade
que supostamente justificam sua existência quando, na verdade, não
passam de uma farsa; enquanto o midiativismo em rede declara sua
condição de ação política e comunicacional afirmativa, apoiada em uma
visão de mundo progressista.
Essa diferença mostra, por exemplo, como os midiativistas dão voz até mesmo aos anarquistas agregados no grupo chamado Black Bloc,
durante as manifestações que ocupam as grandes cidades brasileiras,
tentando compreender suas razões, mesmo discordando do uso da violência e
do vandalismo nos protestos.
Essa e outras questões estão fora do alcance da mídia tradicional,
porque ela tem como objetivo interpretar o fenômeno, para justificar sua
crença numa determinada ordem social, e não compreendê-lo.
A polêmica se estende ao infinito, e só a inteligência complexa e
heterogênea das redes sociais pode permitir que ela avance pela
sociedade adentro.
A íntegra do programa Roda Viva com o Mídia Ninja:
Fonte: Observatório da Imprensa a partir do Pragmatismo Político.
Mas se você quizer ver apenas um dos golpes dos ninjas contra representantes da velha mídia (no caso Suzana Singer, ombudsman do jornal Folha de São Paulo), assista este:
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