quinta-feira, 28 de março de 2019

Como a cultura pode legitimar a violência do Estado

Por Raphael Castro*
jornalismoraphael@gmail.com




Desde o dia 25 de março de 2019, as tropas da Força Nacional estão atuando na Região Metropolitana de Belém e devem ficar por aqui por pelo menos três meses. Este é um fato que devemos acompanhar minunciosamente nas próximas semanas. Mas quero aqui neste texto propor uma reflexão sobre o significado contido na foto da Secretária de Cultura do Pará, Ursula Vidal, com militares que vão comandar a operação no estado.

Em 1988, o, então governador e pai do atual governador do Pará, Jader Barbalho, criava a Patrulha Tática Metropolitana, PATAM, um braço mais forte da Polícia Militar pra atuar na segurança pública do estado. Quem viveu aquela época sabe falar melhor do que ninguém como era o trabalho da PATAM que violentava, matava e até queimava pobres, trabalhadores, estudantes. O jornalista Carlos Mendes conta, no blog Ver-o-Fato, sobre sua experiência no extinto Folha do Norte. Com a machete "FOI PÁ, PÁ TAM", uma matéria daquele jornal denunciava um grupo de extermínio liderado por policiais da PATAM que haviam cometido uma chacina, cuja repercussão levaria ao fim da tropa de elite da Polícia Militar do Barbalho. "Cadáveres apareciam boiando no rio Guamá e Baía de Guajará, mas os jornais “A Província do Pará”, “Diário do Pará” e “O Liberal” davam os títulos convencionais, do tipo “corpo é em encontrado no rio”" relata Mendes.

No dia 11 de abril de 2018, enquanto o estado do Rio de Janeiro estava sob intervenção federal militar, a deputada federal e mãe do atual governador do Pará, Elcione Barbalho (MDB) e o deputado federal e pai do atual Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Pará, Éder Mauro (PSD), solicitaram formalmente ao então presidente Michel Temer intervenção federal na segurança pública do estado do Pará. No dia seguinte, o Diário do Pará, jornal que pertence à família do governador Helder Barbalho, estampava em sua capa a consigna “INTERVENÇÃO FEDERAL JÁ!”.

No dia 2 de janeiro de 2019, Helder Barbalho, em seu primeiro ato como governador, solicita ao Ministro Sérgio Moro apoio das tropas da Força Nacional no Pará. Acompanhado a isso, Helder também anunciou o aumento em 50% de viaturas da PM e quase 2 mil policiais a mais. O governador chegou ainda a cogitar a adoção do modelo de Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) que foi implantando no Rio de Janeiro.  Tudo isso para agradar os setores do governo que mais estão preocupados com a “segurança” pública, como o deputado Éder Mauro e seu filho Hugo Sarmanho Barra, presidente do PSL no Pará e Secretário de Justiça e Direitos Humanos.

No dia 25 de março de 2019, mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro orientou a comemoração do golpe militar de 1964, a Secretária de Cultura do Estado, Ursula Vidal, postou uma foto com as comandantes da operação da Força Nacional no Pará, saudando a chegada da tropa federal militar enviada pelo ministro Sérgio Moro, do Governo Bolsonaro.

Por que questionar a Força Nacional no Pará?

No mês passado, eu estava indo de moto-taxi acompanhar a apuração do desfile das escolas de samba de Belém, quando, no cruzamento da José Bonifácio com a Mundurucus, três policiais militares nos abordaram com armas em punho apontadas pra mim e para o mototaxista. Na teoria, aqueles policiais estavam ali só pra vistoriar e garantir a paz. Vale dizer que a abordagem que eu sofri naquela noite não é tão comum comigo, mas é corriqueira, e é muito mais violenta, com jovens da minha idade que têm a pele mais escura que a minha e estão excluídos dos ambientes políticos, acadêmicos e profissionais nos quais eu estou.

Em setembro do ano passado, com mais de 1.300 mandados de busca de apreensão, a operação Cristo Redentor invadiu as casas das mais de 1.300 famílias da ocupação urbana Pouso do Aracanga, em Ananindeua. É como se todas as famílias daquele lugar tivessem associação com o tráfico. Uma mega operação com Batalhão de Polícia de Choque, Batalhão de Polícia Tática, Regime de Polícia Montada, Companhia Independente de Operações Especiais e Companhia Independente de Policiamento com Cães e Grupamento de Pronto Emprego (GPE) tocou o terror desde a madrugada agredindo homens, mulheres, jovens, crianças e idosos. Poucos dias depois, eu fui àquela ocupação e era impressionante o número de pessoas com hematomas e com relatos macabros da ação da polícia.

É sobre esse modelo de segurança que estamos falando. Um modelo em que se seleciona um determinado perfil, baseado em estereótipos, que é considerado de potencial criminoso e, portanto, inimigo a ser aniquilado. É a polícia que primeiro atira, depois pergunta. E com todo esse enorme aparato de repressão militar que o estado do Pará já tem, por que recorrer a mais uma força e dessa vez federal? Se o estado não consegue resolver o problema com seu efetivo de polícias e guardas municipais, por que uma irrisória tropa de 200 militares iria resolver?

A Força Nacional foi convocada pra cá sem que o governo tenha dado as devidas explicações. Com base em que o Governo do Estado garante que isso vai ter um efeito positivo? Os especialistas em segurança pública, que se dedicam a estudar essa problemática, pensam o que a respeito? O que garante ao governo que essa medida não vai aumentar o ciclo < mata policial - mata favelados em série >  que vimos em escala assustadora por aqui no ano passado?

O relatório do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2017, ao apontar que, em 2015, o investimento de R$ 160 milhões na Força Nacional correspondeu a 43% do orçamento total do Fundo Nacional de Segurança Pública, questiona "qual a real efetividade dessa mobilização de recursos? Há alternativas mais efetivas e duradouras para o uso desses R$ 162 milhões?". Mesmo sem responder a essas questões, de lá pra cá, os governos Dilma, Temer e agora Bolsonaro seguem apostando na FN como principal estratégia de segurança pública como política nacional. E o atual Governo Federal, tão cedo já tão desgastado, precisa performar soluções para problemáticas latentes, como a segurança pública.

A operação da Força Nacional por aqui pretende implantar “territórios de pacificação” em áreas mais críticas da Região Metropolitana de Belém, nesta primeira experiência. Que pacificação é essa? A secretária de cultura do Pará, quando ainda estava no PSOL, participou do lançamento em Belém do livro “UPP a redução da favela a três letras” de Marielle Franco. Que pacificação é essa que vem inspirada no modelo de “pacificação” que Marielle tanto denunciou?

“Negro também é gente?” pergunta Bruna Silva, mãe de Marcus Vinicius, em entrevista à reportagem “A mãe de um sem direito à vida” do Projeto Colabora. A reportagem, que faz parte de uma série sobre brasileiros sem direitos básicos constitucionais, nos dá mais um panorama do modelo de segurança pública militarizado que ceifou a vida de um garoto que trajava uniforme escolar no Rio de Janeiro:

“Na cerimônia em que celebrou o encerramento da intervenção [federal], em 27 de dezembro do ano passado, o general interventor Walter Souza Braga Netto e o secretário de Segurança Pública fluminense, general Richard Fernandez Nunes, receberam uma medalha cada um e se cumprimentaram pelo trabalho bem feito. Braga Netto disse que a intervenção “atingiu todos os objetivos propostos” e se gabou: “cumprimos a missão”. Tanta comemoração dizia respeito à diminuição nas ocorrências de roubo de carga, que, com a intervenção, diminuíram 14% em relação ao mesmo período do ano anterior, conforme o Observatório da Intervenção, coordenado pela faculdade Cândido Mendes. No que dizia respeito ao direito à vida, não havia tanto para celebrar: um recuo de 5,5% nos homicídios, acompanhado de um aumento de 40% no número de mortos pela polícia.”

Se não temos evidências da eficácia desse tipo de operação e ainda temos péssimos exemplos dessa política de polícia “pacificadora”, se somos um país que ainda não acertou as as contas com o passado sangrento da ditadura militar e já elegeu “democraticamente” um presidente que venera o torturador Ustra, se estamos em um estado que ainda não respondeu pelas chacinas executadas por policiais militares de grupos de extermínio, por quê receber a Força Nacional com tanto entusiasmo?

E o que a pasta de cultura do goveno tem a ver com isso?

Em fevereiro deste ano, eu publiquei um texto que falava sobre como o espetáculo do Rancho,no carnaval 2019, escondia a alarmante realidade atual da população de Barcarena. É sobre isso que quero falar aqui. O papel da cultura para disfarçar e até legitimar uma realidade cruel.

Abdias do Nascimento, no clássico “O Genocídio do Negro Brasileiro”, fala de como a cultura foi usada estratégicamente para executar o plano de genocídio das populações indígenas e descendentes de africanos. Enquanto se perseguia as rodas de samba, de capoeira e os cultos de Candomblé, também se sustentava a tese de “assimilação de culturas”, “mistura de culturas”. É daí que sai a máxima de “democracia racial”.

O mito da democracia racial persiste, assim como o genocídio do povo preto, que inclusive avança. É com esse pano de fundo “democrático” que tentam nos empurrar goela abaixo a ideia de que a militarização da segurança pública vai nos trazer a paz. A paz que a Secretária de Cultura diz entusiasmada que a Força Nacional vai implantar no Pará.

A paz?

“A paz é muito falsa. A paz é uma senhora. Que nunca olhou na minha cara. Sabe a madame? A paz não mora no meu tanque. A paz é muito branca. A paz é pálida. A paz precisa de sangue.”
(Da Paz, Marcelino Freire)

A cultura pode e deve ser elemento de transformação e resistência, mas também pode ser usada para legitimar a violência e a carência de democracia. A cultura é um campo de disputa, onde quem exerce hegemonia é quem tem mais poder.

Por que a Secretária de Cultura faz questão de participar e divulgar um evento que não está ligado à sua pasta no governo? Isso diz muito sobre o papel estratégico que essa secretaria tem no Governo Helder. Enquanto o governo aplica com mão de ferro sua política de segurança pública militarizada, ele também está respaldado para dizer que está paralelamente aplicando políticas de cultura que amenizariam a violência inflamada pela operação.

No Instagram da secretária, fiz o seguinte comentário:

As tropas da Força Nacional chegam ao Pará seguindo uma agenda militarizada e genocida de segurança pública. Seguindo a mesma lógica de "pacificação"que sumiu com o Amarildo e matou o Marcus Vinicius. Política de um governo que condecora PM que mata em serviço, num país em que 76% das pessoas mortas em intervenções policiais são negras. É também a polícia que mais morre, tu sabes, e 56% desses mortos são negros,embora se tente florear representatividade nessa militarização. Do alto do teu prédio no centro da cidade, Ursula, e de dentro do condomínio de luxo do governador, pode parecer que essa militarização "pacificadora" tráz "políticas públicas de educação, cultura e geração de renda" pra ficar tudo bem. Aqui em baixo, a realidade é bem diferente, viu. Essa "paz" encomendada direto da força militar federal, neste momento do Brasil, que tu estás saudando, custa muito caro. Custa direitos e até vidas de gente preta, pobre, favelada e trabalhadora. A operação tá só começando, bora ver como serão os próximos dias. Será que a sra secretária de cultura, o secretário de segurança pública e o governador vão dormir tranquilos nas próximas noites? Será que as mães de meninos pretos das áreas da RMB que vão ser "territórios de pacificação" vão dormir tranquilas? Cuidado com as mãos que tu andas apertando, várias delas estão sujas de sangue de gente preta e pobre.

Eis que Ursula responde me convidando pra um concerto da Orquestra Sinfônica do Teatro da Paz. 


É um fato que ao assumir a secretaria de cultura, Ursula passa a ideia de renovação na gestão cultural do estado, que estava nas mãos do mesmo secretário há mais de 20 anos. Mas a questão é: enquanto se promovem bate-papo com a Secult, editais de ocupação de teatros, espetáculos populares, etc., quantas pessoas estão tendo direitos violados nas abordagens policiais sem que quase ninguém reflita sobre isso? Essa política “progressista” de cultura está chegando onde além dos grandes teatros? Porque as manifestações culturais do povo preto, os batuques, as batalhas de hip hop, continuam sendo criminalizados. Os jovens pixadores nas periferias continuam sendo violentados pela PM porque não se enquadram como "artistas grafiteiros" dignos de estamparem suas obras nos museus do estado. E ainda: em quem chega as políticas da Secult e em quem chega a violência policial? Quem são os paraenses que frequentam eventos como o que a secretária de cultura me convidou pra desviar o meu questionamento? Qual é, verdadeiramente, a diferença entre as gestões de políticas culturais nos governos tucanos e agora no Governo Barbalho? Não se trata de desmerecer a real importância da política cultural, mas sim de estar alerta para o quanto isso pode estar nos dividindo, nos iludindo, nos fragilizando e privilegiando alguns de nós.

O estado do Pará continua afundado numa crise social com altas taxas de homicídio que castiga a população mais pobre, com a saúde pública em frangalhos, com a educação abandonada, escolas públicas literalmente caindo aos pedaços, bioma amazônico paraense sendo destruído pelas multinacionais, populações tradicionais sendo castigadas por contaminação e pelo empobrecimento, lideranças de movimentos sociais sendo assassinadas. Como, no meio de todo esse caos, a solução que o governador Helder Barbalho apresenta é ensaiar a implantação de um modelo de segurança que já deu muito errado em outros lugares? E como a justificativa da Secretaria de Cultura, para defender a medida do governo, é apresentar sua agenda de eventos culturais?

Para acreditar que não tem problema mais militares nas periferias porque tem mais programação cultural promovida pelo governo, é preciso estar em um local muito privilegiado da sociedade. É não ter a menor noção de como é sentir na pele a ação da força militar nas periferias. Uma amiga (negra) me contava, ontem mesmo, que o irmão dela (negro), no bairro da Pedreira, foi revistado por homens da Força Nacional porque teria “olhado feio” para uma militar que estava na viatura. Se o gênero une Ursula àquelas mulheres da foto, a raça e a classe criam um enorme abismo entre a secretária e tantas policiais militares que morrem em serviço e também entre a secretária e as centenas de milhares de mães que enterram seus filhos assassinados pela PM; e as centenas de milhares de homens negros que morrem por conta dessa lógica de “segurança” pública. Esse abismo confere privilégio pra poder posar sorridente ao lado de duas policiais armadas pra guerra.

Ursula Vidal, que já foi de esquerda e empolgou boa parte da militância do PSOL – inclusive a mim – com sua candidatura ao Senado em 2018, agora usa o prestígio que conseguiu entre ativistas para dar um ar democrático e progressista a um governo comprometido com o genocídio do povo negro e pobre.

Quem acredita que a paz vem pelas mãos dos militares são os Bolsonaros, Witzel, Moro, Éder Mauro, Jader e Helder Barbalho. Quem comanda a pasta de Justiça e Direitos Humanos no Pará, que poderia assegurar a não violência da força policial militar, é do partido de Bolsonaro, partido de quem homenageia e emprega milicianos em seus gabinetes, do partido daquela figura desprezível que quebrou a placa de Marielle Franco. É no meio dessa gente que está, estrategicamente, a simpática secretária de cultura. Política de cultura não é benevolência, é obrigação do Estado! Nem pode servir pra “contrabalancear” a violência do braço militar desse Estado dito “democrático” e “de direito”. Não podemos nos enganar.

Do lado de cá, seguiremos lutando em defesa dos direitos humanos, denunciando o genocídio da juventude negra nas periferias e pautando a necessidade de uma verdadeira segurança pública que nos proteja e não nos ameace. E seguiremos levantando a bandeira da cultura, a cultura que nos liberta e não que nos anestesia. Vamos bater o pé sim! Não aceitaremos que a cultura sirva para legitimar uma agenda de morte.


*Raphael Castro é jornalista, midiativista e mestrando em Comunicação, Cultura e Amazônia.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Carnaval 2019: A Barcarena que o Rancho escondeu no seu desfile.


A Campeã 2018 do Carnaval de Belém poderia ter feito um grito de alerta pelas vidas de Barcarena, poderia ter lembrado e homenageado a memória de Paulo Sérgio Nascimento. Preferiu exaltar a indústria da mineração.

Por Raphael Castro* 
jornalismoraphael@gmail.com
 
3°Carro do Rancho: "Povo próspero x indústria próspera". Foto: Camila Lima/Portal Cultura/Reprodução. 2019.
No sábado, 23 de fevereiro, as nove escolas de samba do grupo especial de Belém desfilaram na Aldeia Cabana de Cultura Amazônica Davi Miguel, no bairro da Pedreira. O Grêmio Recreativo Jurunense Rancho Não Posso Me Amofiná, quinta escola a entrar na avenida, apresentou o samba-enredo “Made in Barcarena: Eu canto o encanto do teu universo” para contar uma história da cultura e do “futuro promissor” do município paraense de Barcarena, região do Baixo Tocantins.
Nada mais justo que a escola jurunense faça uma homenagem ao município que, segundo nos conta a antropóloga Carmen Izabel Rodrigues em seu artigo “O bairro do Jurunas, à beira do Rio Guamá”, é um dos lugares de origem dos migrantes que, chegando pelos rios à capital em busca de “progresso”, formaram social e culturalmente o que hoje é a população do bairro do Jurunas.
No entanto, a história que o Rancho contou na avenida mostrou exclusivamente uma Barcarena feliz e “desenvolvida” graças à bem sucedida indústria de mineração que se instalou no município no período dos governos militares. Escondeu que a mistura dos povos originários, do povo escravizado e dos catequizadores não se deu “num belo matiz”, mas sim em uma relação racista de colonização que promoveu genocídios e apagamento cultural. Escondeu a Barcarena de hoje: sofrida, envenenada e injustiçada justamente pelos megaempreendimentos industriais que exploram o município e penalizam a população mais pobre, os povos indígenas e os quilombolas.
É, no mínimo, curioso que o Rancho conte essa história “emoldurada em fantasia” na mesma ocasião em que se completa 1 ano do ultimo crime ambiental, provocado pelo vazamento de rejeitosde minério da Hydro Alunorte, que causou gravíssimos prejuízos para população e para toda biodiversidade de Barcarena. A quem interessa esconder essa história?
A primeira parte do desfile mostrou os povos indígenas Gibirié e Mortigura, originários do território onde hoje é Barcarena, homenageou a missão catequizadora dos jesuítas e falou da Cabanagem. Em seguida, o espetáculo falava da cultura popular de Barcarena, homenageando o barcarenense Mestre Vieira e fazendo referência ao tradicional Festival do Abacaxi e às praias, uma das belezas naturais do município.
O pomposo espetáculo bem coreografado, ao som da Furiosa bateria bem afinada, era tão bonito que podia nos induzir a uma fantasiosa realidade. Nem parecia que nos ultimos anos as belas praias de Barcarena foram alvo de contaminação por caulim dos rejeitos da Imerys e por carcaças de bois mortos no naufrágio do navio Haidar no porto de Vila do Conde; que os rios da região foram contaminados por chumbo e outros elementos pesados de resíduos de minério da Hydro.
Praia de Vila do Conde/Barcarena após o naufrágio do navio Haidar, em 2015, que transportaria milhares de cabeças de boi. Foto: Tarso Sarraf/G1 Pará/Reprodução.
Não se trata aqui de uma obsessão por crítica social em tudo - ainda que, de fato, o Samba tenha em suas origens um caráter de contestação social e este momento histórico do Brasil inteiro exija mesmo críticas -, mas falar de Barcarena neste momento, sem dar visibilidade à grave crise social e ambiental que castiga sua população é ser conivente com todos os crimes que as multinacionais têm cometido, com a subserviência do Estado, naquela região.
Há pelo menos 14 anos o Laboratório de Química Analítica e Ambiental da Universidade Federal do Pará já apresenta pesquisas que comprovam a presença de metais pesados nos rios e igarapés da região provocados pela contaminação de rejeitos de minério de empresas multimilionárias como Imerys e Hydro. O Instituto Evandro Chagas (IEC) também já apresentou laudos que comprovam a contaminação por chumbo e outros elementos cancerígenos nas águas, no solo, até nos fios de cabelos do povo  de Barcarena
Igarapé de Barcarena contaminado por vazamento de caulim da Imerys, em 2014. Foto: Viviane Franco / Blog da Franssinete Florenzano / Reprodução.
O deputado estadual Renato Ogawa (PR), que é do município de Barcarena, desfilava na avenida orgulhoso em mostrar as "riquezas desse chão", mas deveria ter vergonha de ser um dos deputados que está, junto com o governador Helder Barbalho (MDB) e o vice-governador Lúcio Vale (PR), de mãos dadas com a norueguesa Hydro. A Hydro, no mês passado, ganhou de presente do Governo do Estado do Pará a licença para voltar a operar em 100% de sua capacidade, mesmo sem ter resolvido a maior parte do problema causado pelo ultimo vazamento, sem sequer ter reconhecido que contamina água, solo, bicho e gente. Algumas das comunidades afetadas por essa contaminação receberam até agora nada mais que galões de água e um vale-alimentação temporário de R$ 670,00, verdadeiras migalhas comparadas ao prejuízo de vida que têm sofrido.
As lideranças comunitárias que denunciam os crimes ambientais e violações de direitos humanos em Barcarena estão sob constantes ameaças de morte ou já foram fatalmente silenciadas, como foi o quilombola Paulo Sérgio Almeida Nascimento, assassinado no dia 12 de março de 2018. Paulo Sérgio denunciou as ameaças, pediu proteção ao Governo do Estado, mas foi ignorado.
Qualquer penalização às empresas, os patrões empurram a conta para ser paga pelos trabalhadores que são ameaçados pelo desemprego e, não por acaso, são induzidos a reconhecer como seu inimigo os ativistas que lutam contra a impunidade das empresas. Sem falar que esses trabalhadores também são potenciais vítimas das catástrofes provocadas pela negligência das mineradoras, como assistimos há pouco mais de um mês no caso de Brumadinho.
Tudo isso é abafado, é silenciado, com a ajuda das autoridades e da mídia, para não sair das bandas de lá de Barcarena.  Ainda assim, o Rancho preferiu se amofiná e bajular "as caravelas da cobiça" do Distrito Industrial de Barcarena.
A TV Cultura do Pará, que voltou a transmitir o desfile das escolas de samba depois de anos, em sua programação, se limitou a fazer comentários batidos e elogiosos. Obviamente, não seria a TV dirigida pelo Governo do Estado do Pará quem iria lembrar ao telespectador que faltava um importante pedaço da história a ser contado naquele desfile.
“Indústria próspera x Povo miserável” é como deveria se chamar o terceiro carro alegórico do Rancho. Esse carro, que representava a indústria do alumínio em Barcarena, em determinado momento soltou fumaça e papel alumínio picado, em uma debochada referência aos poluentes que saem das chaminés das fábricas sufocando e adoecendo as comunidades do entorno.
Que “futuro promissor” que “alumina o coração” é esse que o Rancho levou pra avenida? A Barcarena que padece de câncer, figurativa e literalmente, foi escondida nesse desfile, foi desconsiderada da homenagem.
É importante destacar que essa postura do Rancho não condiz com a história da escola fundada pelo negro comunista Raimundo Manito, com sua comunidade, com a festiva e politizada tradição cultural do Jurunas. Onde foi parar o espírito ranchista que em 1944, em plena Segunda Guerra Mundial contrariou a proibição de concursos carnavalescos e levou pra avenida o samba “Deixa o ‘não posso’ passar”? O samba-enredo do Rancho em 2019 não tem nada a ver com aquele de 1985, "Amanheceu", que comemorava valente o fim da ditadura militar brasileira:
[...]
Nesta festa o povo dança
se renova a esperança
de quem não se amofinou
É carnaval
É hora do meu Rancho desfilar
E lá vou eu…
Amanheceu um novo dia.

(Amanheceu - Rancho Não Posso Me Amofiná, 1985)
Faltou a ousadia do samba ranchista campeão do carnaval de Belém em 2018 que fez a avenida vibrar em defesa da diversidade, contra o preconceito. Ainda que digam por aí que “carnaval é assim mesmo”, esse é um fato que precisa ser questionado em nome das origens e da importância cultural do samba e do carnaval.
O Rancho Não Posso Me Amofiná é a escola mais antiga do Pará e a quarta mais antiga do Brasil, representa uma enorme importância para cultura regional e nacional. Com essa postura, de esconder uma dramática e grave realidade que grita pra tentar ser ouvida, o Rancho vai na contramão da tradição de consciência e contestação do Samba e presta uma desinformação à população que assiste o carnaval.
A culpa não é da comunidade que constrói o Rancho no dia a dia e dá sempre um show de arte e cultura na avenida, como o fez esse ano. A culpa é dos interesses de quem comanda o carnaval, de quem comanda o estado e de quem comanda a indústria da mineração na Amazônia.

*Raphael Castro é jurunense, jornalista e mestrando em Comunicação e Cultura na UFPA.

Referências











sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Socorro do Burajuba: ameaça de morte, sofrimento e resistência há um ano do crime da Hydro.


Vídeo gravado no dia 29 de janeiro de 2019 com Socorro Silva.

Por Marcus Benedito, com colaboração de Raphael Castro*

Era madrugada do dia 16 para o dia 17 de fevereiro de 2018. Inverno amazônico. Quando os quilombolas de Burajuba e outras comunidades no entorno do Distrito Industrial de Barcarena, a 50 Km de Belém, caíram no seu pior pesadelo. Foram sacudidos por um barulho incomum. A lama caindo lá das alturas das bordas daquele mostrengo chamado Depósito de Rejeitos Sólidos 1 (DRS1) da empresa Hydro Alunorte. Era a enxurrada que avançava sob seus terrenos e suas casas. Berros de socorro vindo lá da vizinhança. Ali perto tem a Dona Sebastiana e outros compadres dessa alma generosa atormentada por um câncer que poderia ser evitado. Que não era para estar ali. Encravaram um dos mais bárbaros corpos estranhos no coração da Amazônia. O Complexo Industrial de Vila do Conde, município de Barcarena/PA.

Socorro Silva, líder e fundadora da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (CAINQUIAMA) desce sobressaltada de sua rede e, desesperada, se depara com a água vermelha inundando seu lar, molhando seus pés e encharcando de pavor sua alma.  Tratava-se de uma tragédia anunciada: o transbordo dos resíduos sólidos da DRS 1 da mineradora norueguesa Hydro Alunorte. Uma do maiores crimes ambientais do século XXI promovidos por essa empresa.

Para quem não convive com um depósito de lama tóxica com mais de 20m de altura e centenas de hectares de extensão, talvez seja difícil imaginar o que essas centenas de comunidades de Barcarena presenciaram. Mas para quem vive a 3 metros desse paredão, como a D. Sebastiana, moradora da comunidade, logo se deduzia que se tratava daquilo que esse povo mais temia e teme: um sinistro vindo da instalação desse mega empreendimento industrial às margens de um dos mais magníficos e ameaçados estuários da bacia do rio Amazonas, o Rio Pará. Rapidamente, pedidos de socorro se multiplicavam pelos aplicativos de mensagens. Para Silva, é marcante os urros de ajuda. Ela de mãos atadas. Só pensava em sair, naquela madrugada de intensa chuva e fria, dali. A água cor de sangue inundava tudo. Pela manhã, os órgão competentes já sabiam do ocorrido. Uma missão da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade, em conjunto com o Ministério Público do Estado do Pará, fizeram um sobrevoo na área e atestaram que tudo aquilo era real.

Algo de muito podre saía das dependências da Hydro Alunorte e se espalhava sobre mananciais, igarapés, rios e solos da região.  Desde 2009, que não ocorria um crime tão grave. Segundo as lideranças quilombolas, tragédia anunciada. “Não foi por falta de aviso. Desde que que esses projetos e essas indústrias se instalaram aqui, a nossa vida não prestou mais. Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Mas dessa vez foi mais grave. Apareceu todo mundo. Governo, imprensa, Ministério Público. Fizeram aquele monte de reunião. Fomos com os deputados. Isso já vai completar um ano e a gente continua na mesma.” Lamenta a ativista quilombola Socorro Silva. Na verdade, a vida dessas milhares de pessoas de Barcarena, mas não somente, como também da Vila de Beja, Arienga, Pirucaba e outras comunidades de Abaetetuba vem sofrendo com impactos de terem que consumir água e alimentos contaminados pelos produtos presentes nesses resíduos do processo de produção de alumina em uma das maiores indústrias do mundo em solo paraense.

As comunidades reclamam o abandono do poder público. Socorro Silva vive ameaçada de morte. Presa em sua própria casa. Padece literalmente perturbada. Uma mulher que seca como folha gasta pela fotossíntese. Estender roupa no seu lindo quintal já não é mais atividade comum. Elas quaram no pátio interno. Vive em torno de uma prisão particular com suas 12 grades. “A gente está morrendo. A gente está envenenado. Já não consigo superar o luto.”. Nos últimos meses ela perdeu três parentes. Dois de câncer e a última sem causa especificada. Até o colchão dela foi queimado, com medo de contaminação para os demais. Seu enfrentamento à Hydro lhe reservou um cativeiro atroz. Sua casa já fora invadida mais de 5 vezes, inclusive pela própria Polícia Militar. Sem mandado. Sem justificativa. Com o intento apenas de amedrontar essa mulher franzina, doente, mas guerreira na defesa de seus direitos e de sua comunidade.

Promotores também foram perseguidos. E parte das lideranças do parquet estadual capitulou. O Termo de Ajustamento de Conduta assinado ano passado é uma vergonha. Tudo à empresa, quase nada ao povo. Ainda assim as comunidades cobram seu cumprimento. Até o vale alimentação foi entregue a apenas algumas famílias. Segundo Socorro do Burajuba, quando eles vão às compras, sem qualquer justificativa, as redes de supermercado como o grupo Líder, cobram juros absurdos. Um dia é um preço, outro dia a inflação consome quase tudo e os recursos não garantem o básico. O pior é que quem recebe o cartão deixa de receber água potável. Graves crimes que precisam ser combatidos.
Socorro Silva do Burajuba é consciente dos absurdos que ocorrem contra seus direitos. A liderança cobra a liberação de um exame “feito pelo SESMA” e entregue à secretaria de Municipal de Saúde de Barcarena. Segundo ela, a prefeitura estaria, sem justificativas, impedindo a liberação desses exames. E o motivo segundo Silva, é a constatação do óbvio: que os moradores dessas comunidades estão contaminados com chumbo e outros metais pesados. “Todas as autoridades sabem que a água de Barcarena está contaminada!”, ela exclama. Como quem vive a barbárie e constata na pele a queimadura do fogo cuspido pelo dragão que veio do Japão, ela endereça aos verdadeiros culpados a certeza de suas mazelas: “Vocês são responsáveis por todos os óbitos que têm e que vão ter em Barcarena.”.

Até quando o negócio e os dividendos de uma empresa, seja ela nacional, ou como no caso da Hydro, uma multinacional, pode estar acima da vida? Alertas e brados são constantes. Uma Conselheira do Meio Ambiente de Minas Gerais, que foi a única a votar a favor de regras mais rígidas para a exploração mineral naquele estado, diz que não consegue dormir direito depois do crime de Brumadinho. E Socorro, generosa e solidária no pesar, diz que seu coração chora por conta dessa barbárie promovida pela Vale ao largo de outra catástrofe, o crime de há quase três anos e meio, rompimento da Barragem do Fundão em Bento Rodrigues, distrito de Mariana/MG.

Governo Barbalho: tal pai, tal filho

Jader Fontenelle Barbalho, quando sucumbiu ao assédio dos japoneses, lançou a pá de cal sob a vida dessas comunidades. Deu cabo a um dos mais criminosos e degradantes empreendimentos industriais no país. Iniciado pela Ditadura Civil Militar, sob a batuta de presidente ditador Gel. Ernesto Geisel e seu ministro da Economia e curiosamente desafeto, Delfin Neto. E para existir indústrias eletro intensivas como Albrás e Alunorte, necessário se fazia a produção maciça e subsidiada de energia. Foi quando o governo federal investiu bilhões para a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, a fim de dar vida ao monstrengo idealizado pelos industriais japoneses, que não mais suportando as perdas financeiras oriundas das crises do Petróleo da década de 1970, transformaram como por alquimia, o antes chibante candidato Jader Barbalho (MDB), a um cãozinho a serviço da instalação da UHE Tucuruí e liberou todas as condições locais para alimentar a construção e inauguração na década de 1990 da empresa de alumina (então Alunorte) e de alumínio (Albrás), há época, sob o controle da Vale do Rio Doce. Verdadeiros monstros devoradores da “fauna, da flora e da vida” às margens do abissal estuário do Rio Pará.

Governador do Pará, Helder Barbalho, o vice-governador Lúcio Vale, deputado estadual Renato Ogawa e o Chefe da Casa Civil, Parsifal Pontes, reunidos com diretores da Hydro Alunorte. (Fonte: Bacana News)
Mal assumiu o governo, Helder Barbalho (MDB) se reuniu com os criminosos diretores da Hydro Alunorte e no dia seguinte, sem qualquer investigação séria e análise de relatórios e estudos, a SEMAS lançou nota liberando a empresa a voltar a produzir com 100% de sua capacidade. Por isso a líder quilombola não deixa de atacar o descompromisso do novo governador e mais uma vez denuncia que sofre ameaça de morte, conforme vocês podem assistir no vídeo aqui.

 “Eu não vou calar. Só se me matarem.”

Socorro Silva, liderança quilombola ameaçada de morte,
em janeiro de 2019. (Foto: Raphael Castro)
“Nós precisamos cuidar desse povo de Barcarena urgentemente agora. (...) Cuidado gente Cuidado. Vocês que moram próximo das Bacias. Vamos se unir, vamos fazer mais força, vamos botar esse movimento pra gritar nas ruas. Nós vamos morrer se nós não acordarmos bem mais rápido.” Mesmo ameaçada de morte, como uma pantera, vocifera e ela não pouca críticas aos governos e órgãos (in)competentes. Socorro Silva detém em si a fúria consciente de quem, mesmo cansada, sabe que não pode abandonar a luta.

Os problemas de saúde, ambientais e sociais se multiplicam. Câncer, doenças de pele, perdas de cabelo são comuns nas comunidades desses municípios. Quem é que nasce imaginando que poderia ficar calvo sem apresentar o gene recessivo cc? Em Barcarena e Abaetetuba isso ocorre comumente.  E causa vem pelo ar na fumaça tóxica que sai das chaminés da Hydro Alunorte, Albrás, Imerys, etc.; vem pela água e pelo sentimento de quem vive a sombra de um dos mais nocivos empreendimentos instalados no coração da Amazônia. Talvez o único local do Norte/Nordeste do país que apresente a ocorrência de chuva ácida com índices julgados perniciosos à vida pelos organismos de controle, como a Organização Mundial de Saúde.

E as ameaças em torno do DRS1 (em atividade há mais de 30 anos) e DRS2 são elevadas. Acaso “a barragem da Hydro rompa, seria o fim” segundo a liderança quilombola, ativista e ambientalista. Premiada pela Organização das Nações Unidas, ela apresentou denúncia em evento junto à ONU para Procuradoria Geral da República em 2018. De lá pra cá nenhuma resposta. Até exame o prefeito Antônio Vilaça (PSC) se nega a liberar, pois deve temer ser responsabilizado. Mas Maria do Socorro Silva é enfática: “o prefeito tem que devolver!”.

Um ano de luto e de luta

Socorro Silva diz que já não tem tempo de chorar os seus mortos. É preciso lutar contra os atentados da Hydro. A Empresa, lembra Socorro, é “réu confessa”, pois foi obrigada a reconhecer que mantinha um duto irregular despejando efluentes carregados de soda cáustica, chumbo e outros metais pesados direto no meio ambiente. Outro crime descoberto foi a revelação do chamado Canal Velho, de 700 metros de comprimento, que igualmente despeja esses efluentes direto no Rio Pará. De acordo com Universidade Federal do Pará, através do Laboratório de Química Analítica e Ambiental (LAQUANAM), em 2009, a Hydro Alunorte, assim como a Imerys, poluíram e envenenaram, em outro crime ambiental, os rios, solos e os moradores da região. No ano passado, laudos do Instituto Evandro Chagas (IEC) atestaram a contaminação do Rio Murucupi e igarapés da região. “A Hydro é assassina, ela é criminosa”, denuncia Socorro do Burajuba.

Socorro clama por fiscalização independente. Por mecanismos modernos de monitoramento. Ela afirma que pairam dúvidas sobre a idoneidade dos fiscais da “SEMAS do estado. Vários crimes vem ocorrendo em Barcarena, mas os fiscais são omissos. Eles não multam, não prendem ninguém.”. E as próximas eleições municipais ameaçam ainda mais a vida dessa ativista. O que exige de todos os organismos internacionais, da ONU, Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, Anistia Iternacional, ONG’s, etc., assim como dos movimentos sociais de luta e partidos de esquerda, uma resposta contundente para que se resguarde a vida de Socorro Silva do Burajuba, se garanta o mínimo para sua sobrevivência como água potável, indenização e alimentos saudáveis e o cumprimento do TAC, para que as mais de 40 mil pessoas atingidas sejam indenizadas pelos 40 anos de crimes e mortes causados pela Hydro e demais empresas do Complexo Industrial de Vila do Conde em Barcarena.

Mais do que isso. O movimento, nesses quase um ano do assassinato de seu companheiro de luta, Paulo Sérgio, morto por denunciar o crime dessas empresas, assim como do crime que foi o transbordamento da DRS 1, tem que ir à luta. Não é possível confiar no prefeito de Barcarena, em seus asseclas, como o deputado estadual Renato Ogawa (interessado na sucessão de Vilaça), no vice governador Lúcio Vale (ambos do PR), assim como na SEMAS e no próprio governador Helder Barbalho. É necessário comissão externa e independente de fiscalização do cenário produzido pela Hydro Alunorte e consortes e, acima de tudo, a imediata paralisação de todas as operações da Hydro Alunorte no município de Barcarena.

No vídeo, gravado em seu terreno no Burajuba, Socorro Silva é contundente. “Se rompe a DRS 1 vai ser mil vezes pior que Brumadinho.”. Se dói Brumadinho, imaginem o que seria isso no Rio Pará. Destruição do Arquipélago do Marajó. Devastação de Abaetetuba, Barcarena, São Domingos do Capim, Acará, Belém e tudo aquilo onde chega seus braços, até desaguar a morte no oceano Atlântico.

“A Hydro tem que ser fiscalizada é por todos agora. Eu não acredito mais em ninguém” no governo. Agora é cobrar nas mobilizações e honrar esse povo sofrido com uma grande mobilização massiva no dia 18/02. Por Mariana, por Brumadinho, por Barcarena, por Abaetetuba. “Vamos se unir, vamos fazer mais força”, ela conclama. Para que as futuras gerações nasçam sem doenças ou morram sem completar um mês de vida, como aconteceu recentemente com seu neto. É preciso cobrar Indenização para todas as famílias atingidas em Barcarena, Abaetetuba, Acará e Belém!

Que a empresa e o governo federal, estadual e municipal se responsabilizem pela assistência à saúde, exames periódicos, fornecimento de água potável e alimentos para todas as comunidades, inclusive as ribeirinhas! Não podemos mais aceitar tanta impunidade. Cadeia aos criminosos responsáveis pelas tragédias da Hydro e da Vale! Essas empresas devem ser reestatizadas e entregue ao controle de seus trabalhadores(as)!

*Raphael Castro é jornalista, mestrando em Comunicação e Cultura no PPGCOM/UFPA e midiativista.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Um ex-capitão preso. Um capitão em Davos. As milícias e os Bolsonaro: o que a foto não mostra?

Publico matéria especial da repórter do The Intercept Brasil​, Cecília Oliveira, onde ela mostra as estreitas ligações envolvendo um ex-capitão do BOPE e um major da PM, presos na manhã desta terça-feira (22/01), com as milícias, grilagem de terra, Queiroz, a execução da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL), e a famiglia Bolsonaro. Fatos extremamente graves, gravíssimos!, que exigem uma resposta contundente do judiciário, mas que só ocorrerá se a população tomar as ruas e exigir cadeia para todos os culpados, corruptos e para preparar um grande 08 de Março feminista e de luta para por abaixo todas políticas criminosas do governo Bolsonaro (PSL-PRTB-DEM) que visam retirar direitos da classe trabalhadora, da juventude, indígenas, quilombolas, LGBT's, negros(as) e povo pobre.


AS LIGAÇÕES DOS BOLSONARO COM AS MILÍCIAS

Quanto mais se descobre, mais próxima fica a relação da família com milicianos do RJ. E ela vai bem além de medalhas e homenagens. Agif/Folhapress.
por 

“HOJE É NO AMOR!”. A cena do miliciano Major Rocha felizão em um churrasco, em que ele comemora com tiros para o alto os quatro anos do centro comunitário em “Rio das Rochas”, no filme Tropa de Elite 2, é um bom retrato da realidade das milícias no Rio de Janeiro. “É tudo nosso!”, ele grita. Mas um dia a casa cai. E foi o que aconteceu hoje, quando o Ministério Público e a Polícia Civil anunciaram a prisão de cinco milicianos acusados de grilagem de terras na zona oeste do Rio de Janeiro. Não era a intenção – mas, por tabela, a operação, batizada de Intocáveis, também esbarrou em dois suspeitos da execução de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Um deles, preso na operação, é o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira. Segundo a polícia, ele é grileiro nos bairros de Vargem Grande e Vargem Pequena e chefe da milícia de Muzema, no bairro do Itanhangá – de onde o carro usado no assassinato de Marielle partiu. O outro é Adriano Magalhães da Nóbrega, chefe da milícia de Rio das Pedras e ex-policial do Batalhão de Operações Especiais, o Bope, que está foragido. Expulso da PM por envolvimento com um dos principais clãs da máfia do jogo do bicho no Rio, o ex-capitão investiu na carreira de mercenário, trabalhando para bicheiros, políticos e para quem mais pagasse bem.
O envolvimento do ex-caveira com o assassinato da vereadora e seu motorista foi revelado pelo Intercept na semana passada. Ao menos seis testemunhas citam o policial como o assassino. A escolha da arma, o uso de munição de uso restrito e a competência técnica na execução do crime apontaram para o Bope ainda em maio de 2018.
Diga-me com quem andas e eu te direi quem és
Devido ao ótimo “perfil técnico”, em 2005 Adriano Magalhães da Nóbrega recebeu a medalha Tiradentes, a mais alta honraria do Legislativo fluminense, por indicação do então deputado estadual, hoje senador eleito, Flávio Bolsonaro, do PSL, o filho 02 de Jair Bolsonaro. O ex-caveira também recebeu outras duas honrarias, de louvor e congratulações por serviços prestados à corporação, por atuar “direta e indiretamente em ações promotoras de segurança e tranquilidade para a sociedade”.
Flávio Bolsonaro também condecorou o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, que recebeu moção honrosa quando já era investigado como um dos autores de uma chacina de cinco jovens na antiga boate Via Show, em 2003, na Baixada Fluminense.
Quando estourou o escândalo do Coaf, Queiroz – velho amigo da família Bolsonaro – se escondeu em Rio das Pedras, reduto miliciano.
Os dois são suspeitos de integrar o “Escritório do Crime”, um grupo de extermínio apontado como responsável pelo assassinato da vereadora Marielle Franco. Quatro PMs ligados ao grupo já foram presos. Pereira será julgado em 10 de abril deste ano. O grupo é acusado ainda de extorsão de moradores e comerciantes, agiotagem e pagamento de propina.
Segundo o MP, o grupo de milicianos presos na operação Intocáveis agia na região das comunidades de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Foi justamente para lá que Fabrício Queiroz, o ex-PM e ex-assessor do senador eleito do PSL Flávio Bolsonaro foi se esconder depois que estourou o escândalo sobre sua movimentação financeira suspeita.
O Coaf detectou uma movimentação de R$ 7 milhões, incompatível com a renda do ex-assessor. O dinheiro era depositado por outros assessores de Flávio Bolsonaro e de seu pai, Jair Bolsonaro. A primeira-dama Michelle Bolsonaro chegou a receber um cheque de R$ 24 mil de Queiroz. Já Flávio Bolsonaro recebeu 48 depósitos suspeitos no valor de R$ 2 mil cada.

Família, a sagrada base de tudo

A preocupação de Flávio Bolsonaro com a família é tocante. Além de arranjar emprego para a esposa e filhas de Fabrício Queiroz – uma delas como assessora fantasma de seu pai –, ele empregou também a mãe e a esposa do ex-Bope Adriano Nóbrega. Sim, o mesmo que é apontado como um dos assassinos de Marielle Franco.
A mãe do ex-policial, Raimunda Veras Magalhães, também é sócia de um restaurante que fica longe da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, mas em frente à do Banco Itaú onde foram feitos 17 depósitos em dinheiro vivo na conta de Queiroz. A esposa de Adriano seguiu o fluxo da família e também fez depósitos para o ex-motorista. As duas são citadas nas movimentações suspeitas detectadas pelo Coaf.
Flávio Bolsonaro segue a cartilha de dizer que “não sabia de nada”. Nem do que faziam seus próprios funcionários.
Assim como “certos petistas”, Flávio Bolsonaro disse em nota que não sabia de nada e que, devido às últimas notícias, se sente perseguido. “Quanto ao parentesco constatado da funcionária, que é mãe de um foragido, já condenado pela Justiça, reafirmo que é mais uma ilação irresponsável daqueles que pretendem me difamar”. O senador eleito jogou no colo do ex-assessor Queiroz a responsabilidade pelas indicações de seus assessores. Seu ex-funcionário aceitou de bom grado, enviando até uma nota à imprensa esclarecendo que, de fato, conhecida o ex-caveira Adriano e foi o responsável por indicar suas parentes para trabalhar para Bolsonaro.
Flávio ostenta no próprio Instagram sua foto com o pai, Jair Bolsonaro, e com os PMs Alan e Alex, presos na operação Quarto Elemento. Divulgação
É possível que Flávio Bolsonaro também não soubesse a ficha técnica de outros dois policiais que participaram de sua campanha e foram presos na Operação Quarto Elemento, também desencadeada pelo Ministério Público, que investigava uma quadrilha de policiais especializada em extorsões. Pode ser que ele também não soubesse que, de acordo com o MP, a milícia de São Gonçalo organizou um ato de campanha em favor do Coronel Salema, seu colega de partido, eleito deputado estadual com quase 100 mil votos.
Ah, essa última é difícil de negar: além dos dois terem feito campanha juntos, Flávio Bolsonaro chegou a anunciar: “mais um guerreiro ao nosso lado!”. Parece que agora está ficando claro a qual lado ele estava se referindo.

O Mecanismo

Orgulhosa de ser militarista, a dinastia Bolsonaro nunca escondeu seu apreço pela milícia, grupos de paramilitares formados por ex-policiais, PMs, bombeiros e agentes penitenciários que torturamroubamtraficamdominam economicamente, grande parte do Rio de Janeiro.
Flávio Bolsonaro já propôs inclusive a legalização desses grupos paramilitares. No início de seu segundo mandato na Assembléia Legislativa do Rio, em 2007, ele votou contra a instalação da CPI das milícias, que entrou em pauta após um grupo de milicianos torturar por horas a fio uma equipe de jornalistas do jornal O Dia. A justificativa? Milícias não eram tão ruins assim e as pessoas são muito felizes em áreas dominadas por paramilitares.
“Sempre que ouço relatos de pessoas que residem nessas comunidades, supostamente dominadas por milicianos, não raro é constatada a felicidade dessas pessoas que antes tinham que se submeter à escravidão, a uma imposição hedionda por parte dos traficantes e que agora pelo menos dispõem dessa garantia, desse direito constitucional, que é a segurança pública”, disse à época, na Alerj.
Em casa a banda toca nesse ritmo. Em 27 anos de discursos como deputado na Câmara, o pai Jair Bolsonaro defendeu milicianos “do bem” e grupos de extermínio pelo menos quatro vezes. A primeira, em 2003, ao defender grupos de extermínio:
“Enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu Estado só as pessoas inocentes são dizimadas.”
Em 2008, ao criticar o relatório final da CPI das Milícias, Bolsonaro disse que “não se pode generalizar” ao falar de milicianos. Na época, a CPI pediu o indiciamento de 266 pessoas, entre elas sete políticos, suspeitas de ligação com grupos paramilitares no Rio.
“Querem atacar o miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes. Existe miliciano que não tem nada a ver com “gatonet”, com venda de gás. Como ele ganha 850 reais por mês, que é quanto ganha um soldado da PM ou do bombeiro, e tem a sua própria arma, ele organiza a segurança na sua comunidade. Nada a ver com milícia ou exploração de “gatonet”, venda de gás ou transporte alternativo. Então, Sr. Presidente, não podemos generalizar.”
Quando foi relembrado sobre este apreço pelas milícias durante a campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro fez a egípcia e se disse desinteressado no tema. “Hoje em dia ninguém apoia milícia mais não. Mas não me interessa mais discutir isso”, disse.
Jair Bolsonaro, vale lembrar, foi o único presidenciável a não se manifestar sobre a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes. E Flávio Bolsonaro foi o único deputado que votou contra a vereadora assassinada receber a medalha Tiradentes como uma homenagem póstuma.
No fim das contas, o brasileiro parece ter eleito o Major Rocha achando que estava votando no Coronel Nascimento. Talvez seus eleitores precisem assistir à Tropa de Elite de novo.
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