quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Pesquisadores que estudam impactos da mineradora Belo Sun denunciam intimidação

Estudantes e professores universitários fizeram denúncia ao MPF depois de tentarem apresentar resultados de pesquisa na UFPA e serem impedidos por prefeito favorável à mineradora

por ASCOM-MPF

Um grupo de pesquisadores apresentou denúncias de intimidação e ameaças ontem ao Ministério Público Federal (MPF) em Belém, depois de terem sido, segundo os relatos, impedidos de apresentar resultados de pesquisa no evento Veias Abertas da Volta Grande do Xingu, que ocorreria dentro do campus da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém. As denúncias foram apresentadas ao procurador regional dos Direitos do Cidadão, Felipe Moura Palha.

 Os pesquisadores, acompanhados de ativistas e moradores da região da Volta Grande do Xingu, relataram que o evento acadêmico foi interrompido antes mesmo de começar, com a chegada do prefeito de Senador José Porfírio, Dirceu Biancardi (PSDB), acompanhado de um grupo de cerca de 40 pessoas, trazidas por ele de ônibus até Belém, vindos do município que fica às margens do rio Xingu, no oeste do Pará.

O prefeito se posicionou em defesa da empresa canadense Belo Sun, que planeja instalar a maior mineração de ouro do país na região. Se dizendo favorável ao empreendimento, o prefeito, de acordo com os relatos dos estudantes e professores presentes ao evento, liderou palavras de ordem contra organizações não-governamentais e teria incitado a violência contra os participantes, impedindo que as pesquisas que tratavam dos impactos de Belo Sun fossem discutidas.

A professora Rosa Acevedo Marin, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA, que coordenava o evento, resolveu encerrá-lo diante da falta de condições, mas foi agredida e obrigada a ficar no local. Pessoas ligadas ao prefeito empurraram a professora e fecharam as portas do recinto, impedindo a saída de todos. A professora registrou boletim de ocorrência na Polícia Federal. A defensora pública do estado do Pará, Andrea Barreto, que também participaria do evento acadêmico, relatou que tentou contornar a situação apresentando seus questionamentos jurídicos ao empreendimento da Belo Sun, mas o prefeito sentou-se à mesa e tomou a palavra, em defesa da empresa.

Posteriormente, o deputado estadual Fernando Coimbra (PSD) chegou no auditório do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, onde ocorria o debate, e sentou à mesa em apoio ao prefeito Dirceu Biancardi e à mineradora canadense. Tensão na Volta Grande - No relato que fizeram ao MPF, os pesquisadores também informaram que a tensão na região da Volta Grande está crescendo, por conta dos problemas fundiários relacionados ao empreendimento da Belo Sun e pela postura do prefeito.

Na semana passada, em 23 de novembro, os pesquisadores haviam tentado apresentar o estudo sobre o impacto da mineradora no município de Senador José Porfírio, ao lado de integrantes do Movimento Xingu Vivo para Sempre e também foram intimidados pelo prefeito. “Houve ameaças aos integrantes do Xingu Vivo tanto na UFPA quanto no Xingu. Ameaçaram diretamente a dona Antônia Melo”, informaram os denunciantes. Antônia Melo é a principal liderança do Movimento Xingu Vivo e recentemente recebeu um prêmio internacional pelo seu trabalho em defesa dos atingidos por Belo Monte e Belo Sun.

O advogado da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, Marco Apolo Santana Leão, apresentou um documento denunciando o que ocorreu em Senador José Porfírio no dia 23 de novembro. “Foi um desrespeito com a universidade e com os pesquisadores. A UFPA foi impedida de cumprir com a sua função social que é pesquisar e apresentar o resultado de suas pesquisas à sociedade, e o mais grave é que isso ocorreu dentro do próprio campus universitário”, relatou uma das denunciantes.

Os nomes das pessoas que fizeram os relatos serão mantidos no anonimato por segurança. Muitos se dizem ameaçados e uma das providências que o MPF vai tomar é verificar a necessidade de providenciar proteção a pessoas ameaçadas na região do Xingu. Investigação - O MPF abriu procedimentos de investigação, tanto para apurar o que ocorreu na UFPA quanto para garantir a segurança das pessoas que se sentiram ameaçadas nos eventos recentes.

O MPF já tem dois processos judiciais contra a mineradora Belo Sun e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) por irregularidades no licenciamento da mineradora. Atualmente, a licença da instalação concedida pelo governo do Pará à empresa canadense está suspensa por ordem do Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF1).

Cercado de acusações de irregularidades fundiárias e ambientais, o empreendimento da Belo Sun foi objeto de um estudo realizado pela ong Repórter Brasil, que seria lançado em Senador José Porfírio e em Belém, justamente nos eventos interrompidos pelo prefeito Dirceu Biancardi. O estudo também foi entregue ao MPF para análise.

Fonte: Ministério Público Federal no Pará

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Não era história de pescador


O Lord Byron existe, assim como o Peter Pan, Príncipe Aladin e tantos outros iates regionais, que em Ponta de Pedras, no Arquipélago do Marajó, têm esses nomes interessantes. Quem haveria de pensar que um caboclo marajoara, gente das ilhas, poderia conhecer Lord Byron?
Oras se não! Dessas bandas já saiu caudalosa poesia das artes.
Chama atenção como pronunciam o nome do barco. Simples como se lê: Lord Birôn.

Foi a vez que fomos fazer campanha de prevenção e combate ao escalpelamento e hepatites virais nesse município, depois de ter passado por Muaná, São Sebastião da Boa Vista, Curralinho, Breves, não necessariamente nesta ordem. O fato é que, campanha encerrada, precisávamos voltar pra casa.

Só que não é todo dia que tem barco ou navio de linha que faz Belém x Ponta de Pedras x Belém. E agora? Tem que haver uma saída, pensei.
Saí com um casal de colegas do trabalho a perguntar pelas alternativas.
Não é possível que a gente esteja literalmente ilhado.
A maioria das pessoas deram uma luz. Ufaa! Brilho nos olhos. Viva! Tem uma alternativa...

O Peter, o Lord, outros nomes que não recordo. Barcos que transportam todos os dias centenas e centenas de paneiros de açaí dessa reigião para a Feira do Açaí do Complexo do Ver-O-Peso em Belém.
Problema! Aaaah... Tinha que convencer uma dessas embarcações a ti permitir viajar.

Ou não tinham visto para tal ou estavam, geralmente, com a lotação completa. Bastava vir uns parentes, que já era. Parecia que teríamos mesmo que ficar mais um dia no querido Marajó. Pra quem lê assim, parece até frescura, mas não é pra quem já está fora do seu aconchego por cerca de 30 dias.

Amo passear. Mas passeio é diferente de trabalho. No trabalho você até se diverte. Mas nunca relaxa. Por isso nada melhor do que chegar na tua cama, colo de família, amigos, luta de classes. Relaxar.
Mas eis que perdido um iate, dado de cara na negativa em outros dois, um quarto aceitou cobrar e nos levar de volta para casa. Uhuuu!!!

Mais duas paradas para mais açaí. Furos lindos, que desembocam no rio principal que banha a cidade. Enfim Baía. Tem uma estátua fincada nas pedras. Muitas pontas. Expostas. Ponta de Pedras. Lugar de água, terra, bicho, vegetal e gente. De quem sabe que navegar é preciso. Realmente a baía não é pra qualquer um. Este povo resiste a tudo.

Foi aí que mil e quinhentas pessoas, segundo o repórter Carlos Mendes em matéria para a Agência Estado dia 12 de setembro de 1999, tacaram fogo no prédio da prefeitura e da câmara municipal. Tudo porque a população se revoltou com o prefeito, José de Nazaré Chiappetta (na época PFL, atual DEM). Foi notícia nacional a inédita cassação de um título de médico pelo Conselho Regional de Medicina no Pará. Além de ser acusado de desviar mais de R$ 2 Milhões dos cofres municipais, pesava contra ele sua ausência constante do município e o grave fato ser preso, após investigação do Ministério Público do Estado, pelo crime de deixar centenas de mulheres estéreis. Mais desgraçadamente ainda: troca de votos. Fazia laqueadura de trompas e abortos clandestinos em um açougue de sua propriedade em Belém, que a imprensa e o próprio chamavam de clínica.

Mas isso é outra História. Falávamos do encantamento, alegria, medo, sabor e desabor que é precisar navegar por essa magnífica região de campos e várzea do Marajó.

Quando chegamos no barco, chamou atenção uma máquina de bater açaí. Firme. Quem não gosta?! Quando vi toda aquela amarração nela, tive noção do que nos aguardava. Maresia. E a baía do rio Pará ou do Marajó, que em Abaetetuba ganha outro nome, tem hora do dia que está muito agitada. Não deu em outra. Haja maresia... Vento... Água espirrando de todos os lados... Olhei lá pra dentro, meus colegas estavam deitados em uns bancos de madeira. O banzeiro dá esses enjoos em quem não tem costume. É como aqueles brinquedos do Centro Ita. Só que num balanço de três, quatro longas horas... Depende da maré. Do vento. Maresia.

Por incrível que pareça, o gingado foi maior ainda. Outra baía. A do Guajará. Eu gosto.
Já se via as luzes da cidade. Por volta de sete e pouco da noite atracamos na Feira.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Valeu, Vidoca! A morte bela de uma Árvore

Minha vovó Raimunda Lopes Ferreira, mais conhecida como Vidoca, se foi hoje (01/11/2017). Morte natural. Serena, como as águas do rio Maúba, lugar que fundou, junto ao vovô Pedro, comunidade de mesmo nome.

Com 104 anos, Vidoca amou e viveu na vida. Abaetetubense mais antiga, por ocasião de seus 100 anos, até o Papa enviou-lhe cumprimentos e um terço de lembrança. Foi uma verdadeira Festa na Assembleia. Dançou como se fosse seu último baile. Ainda que mais quatro primaveras lhe abraçariam.

Profunda conhecedora da terra, cultivava com zelo suas plantinhas e ervas. Tinha planta pra tudo o quanto era doença do corpo, e segundo dizem, da alma. De todo canto de Abaeté aparecia gente para pedir, em nome de uma avó qualquer, uma ervinha.
"Quem é tua vó, meu filho?", ela indagava.
O pequenozinho dizia algum nome.
Por mais que ela não recordasse a dona da viagem, entregava o planta de bom grado. Parecia que seu pagamento era o fato de ela ser lembrada por pessoas dos quatro cantos do lugar.

Ainda ontem, quando mamãe tomava sua benção e se despedia para voltar a Belém, ela segurou com todas as forças suas mãos e beijou de forma repetida. Se tinha uma coisa que Vidoca fazia com maestria era retribuir o carinho que recebia.

Quando penso nela, me vem a memória sua casa na Vila Bexó. Quintal grande. Aroma de flores em tudo. Apesar de que sua vida não começou como um mar de rosas. Cearense de nascimento, perdeu sua mãe ainda no parto. Trazida no tempo dos Soldados da Borracha para o Pará, foi criada pela madrinha, a quem coube lhe passar, enfim, amor, alfabetização e carinho.

Benzedeira, fumentadora de mãos abençoadas, militava no Apostolado da Oração. Coração generoso, foi ela quem me concedeu o apelido de "Coração". Tudo porque, gordinho, um vizinho queria me chamar de "Bobó de Boi". "Bobó não, vizinho! Se tem bobó, também tem coração!" E assim ficou.

Árvore, para ela a gente foi galho, folha, fruto. Cada qual com seu apelido e forma. Fiquei sendo para sempre seu Neto de Vó ou Pão da Nini. E era assim. Vidoca era a especialidade em pessoa. Talvez essa seja a última grande reunião desse batalhão chamado família. Estou encontrando parente que talvez nunca mais veria. Mais um ato de grandeza dessa guerreira, que teve o superlativo como marca. Desde os tempos da abundância de toneladas de maparás na feitoria do sítio na "casa grande". Das lenhas para assar o peixe. Do amontoado de paneiro. Até seu descanso final no Cristo Redentor, casa da tia Tóia, filha mais nova, que também cuidou dela, literalmente, até seu último suspiro. No dia de todos os santos.