quinta-feira, 12 de abril de 2018

Barcarena a sombra de Mariana

Maria do Socorro, presidente da Cainquiama, quilombola, ameçada de morte, em protesto
contra os crimes da Hydro Alunorte em Barcarena. Foto: Cainquiama/Facebook.
por Marcus Benedito
Maria do Socorro Costa da Silva, líder comunitária de uma das 60 comunidades tradicionais atingidas pelas indústrias do Distrito Industrial de Barcarena, nordeste do Pará, já teve sua casa invadida seis vezes. A última ocorreu dia 05 de janeiro de 2018. Um capitão da Polícia Militar do Estado do Pará e mais 4 policiais foram até sua residência e agiram de forma truculenta, sob a justificativa de que estavam fazendo busca de um “suspeito”. Evidente tentativa de intimidação. Fato de extrema gravidade que expõe uma das cadeias que envolvem multinacionais poderosas, agressões ao meio ambiente e desrespeito às populações tradicionais.
Socorro Silva, como a líder comunitária é conhecida, dentre várias lideranças, vêm sendo perseguida, pois resolveu se levantar contra os desmandos, não só da empresa norueguesa Norks Hydro, assim como da Bunge, Imerys, etc. Desde dezembro que os protestos no Distrito Industrial de Barcarena ficaram mais intensos, pois os efeitos nocivos dos empreendimentos tornaram-se insuportáveis. É o que denunciam milhares de pessoas, Ministério Público Estadual, Federal e Defensoria Pública do Estado do Pará.
Vermelho cor de morte
No dia 17 de fevereiro, o jornalista Carlos Mendes publicou com exclusividade em seu blog Ver-o-Fato, entrevista, fotos e imagens depois que uma das bacias de rejeitos sólidos da mineradora Hydro Alunorte transbordou, atingindo dezenas de comunidades em Barcarena, assim como igarapés, rio Mucurupi, solo e poços de toda a região.
Imagem do dia 17/02, após transbordo de lama tóxica
da Hydro. Fonte: Facebook.
O Relato de dona Maria Salustiana Cardoso, idosa de 68 anos, dá a dimensão do sofrimento e angústia pela qual passam 400 famílias que estão imediatamente no olho da tsunami de lama tóxica. Moradora de uma comunidade com o sugestivo nome de Bom Futuro, ela viu sua casa ser invadida por água na madrugada de sábado. Com a residência a menos de 40 metros de uma das bacias de rejeitos minerais da norueguesa Norks Hydro “ela foi acordada por uma chuva muito forte e entrou em pânico. A água havia entrado na residência e alagado tudo, causando-lhe prejuizos materiais. O que mais chamou a atenção dela, porém, foi a coloração da água. “Muito vermelha, parecia sangue”.”
A matéria de Carlos Mendes revolta, amedronta e espanta. Chamam de bacia, mas as montanhas de rejeitos tóxicos que transbordaram têm incríveis 30 metros de altura, mais se assemelhando a uma montanha ou morro, o que expõe o tamanho da gravidade e sanha dos governos que permitiram a instalação dessa máquinas de destruição na Amazônia. “Enquanto dona Maria Salustiana pedia a ajuda de vizinhos, também com suas casas inundadas, outro morador da área chegava com o alerta de que algumas bacias da Hydro haviam transbordado e vazado a lama vermelha, que passou a misturar-se com a água da chuva nas ruas alagadas.”.
Mais dia um protestos dos moradores de Barcarena contra os
crimes da Hydro Alunorte. Foto: Maycon Nunes.
Dona Salustiana retrata uma verdadeira calamidade. “O que está contecendo aqui é muito triste.”. Sua entrevista para Mendes faz a indignação fervilhar em qualquer um. “A água vermelha entrou por todos os cantos. O pessoal veio aqui pra ver e ficou com muito medo.”. Indagada sobre sua condição de saúde, ela responde que está “queimando por dentro”, pois foi obrigada a tomar água de seu poço, mesmo após este ser atingido pela água contaminada. “Estou com uma ardência, uma queimação dentro de mim, principalmente no estômago. Tem horas que não posso nem almoçar ou comer alguma coisa, porque esse ardimento no meu estômago não deixa. Eu estou secando de uma hora para outra, por dentro, me sentindo mal.”
A Norsk Hydro, que segue impune por todos os crimes até aqui cometidos contra os povos tradicionais e seu meio ambiente, teve a desfaçatez de negar o sinistro. Não precisa ser pesquisador para ver que esse povo vive um acentuado sofrimento psicossocial. Estão doentes do corpo e da alma. A lama tóxica, além de bauxita (responsável pela tonalidade vermelha), é composta de bário, chumbo, soda cáustica, alumina e outros metais pesados. O Instituto Evandro Chagas divulgou laudo na quinta-feira (22/02), em que atesta que foram encontrados esses metais na lama que invadiu tudo na madrugada do último dia 17.
Tragédia anunciada
Esta é a 16ª agressão ambiental de graves proporções promovidas pela Hydro nos últimos 20 anos. Encravada no coração de uma das maiores e mais importantes bacias hidrográficas da Amazônia, a Norsk Hydro, multinacional norueguesa, que tem como um dos garotos propagandas, o vocalista da banda A-HA, é proprietária da Hydro Alunorte e da Hydro Albrás. A primeira transforma a bauxita em alumina e a segunda, alumina em alumínio. Os resultados desse processo minero siderúrgico são catastróficos.
Idealizadas pelos governos militares, que sempre pensaram a Amazônia como um ilimitado paiol de riquezas, porém vazio de gente, vidas e vontades, foram construídas após muitas transações eivadas de escândalos, corrupção e morte. Para que duas megas indústrias eletro intensivas pudessem existir, era necessário produzir energia. Eis que o governo militar e seu então ministro da fazenda, Delfim Neto, conseguem a peso de muita propina, a tecnologia para que metade das turbinas fossem feitas em Paris e metade aqui, assim iniciam a construção de uma das maiores represas do mundo: a Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Isso tudo nos conta o jornalista Lúcio Flávio Pinto, em seu livro Tucuruí: a barragem da Ditadura.
Fez-se luz, a corrupção já tinha, necessitava apenas de um governo local subserviente. Nem precisou inventar a pólvora. Até ensaiou firula, resistir no início, mas não tardou e logo o então governador do estado do Pará, Jader Fontenele Barbalho, entrou em “acordo” com os japoneses, detentores da tecnologia, e essa monstruosidade pode ser assentada em Vila do Conde, Barcarena, às margens da magnifica baía do rio Pará, com impactos incalculáveis em tudo que habita a região, endividando os cofres públicos e adoecendo a população.
Há algo de podre no reino do Grão Pará
Não são só as carcaças das 5.000 mil cabeças de gado que afundaram com o navio Haidar em outubro de 2015 no porto de Vila do Conde, que fedem nos ares de Barcarena e região. Por essas bandas, há muito, que a sujeira dos governos exala seu odor e é vista na pele da população, que sofre com os impactos derivados do Distrito Industrial de Barcarena, o maior de todo o Norte do país. Até chuva ácida já foi comprovada em Barcarena. Felizmente o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e Ministério Público Federal no Pará (MPF-PA) apresentaram duas denúncias contra a Hydro Alunorte. Em uma delas são solicitados o embargo de parte das operações da empresa e que as famílias atingidas sejam indenizadas pelos prejuízos materiais e físicos causados.
Contudo, o prefeito de Barcarena, Antonio Carlos Vilaça (PSC), o governador Simão Jatene (PSDB), seguem agindo como se nada tivessem a ver com essa barbárie que ocorre em Barcarena. A grande mídia do estado, nas mãos da família Barbalho e Maiorana, encobrem como poeira da lama tóxica, os reais motivos dessa tragédia se abater na regiã. Quase nunca citam os responsáveis. Pelo contrário, até pouco tempo a TV Liberal mostrava o Morten Harket, vocalista do A-HA, chegando em seu cavalo Audi para o próprio vistoriar como andavam as atividades de sua empresa. Lógico, numa peça esdrúxula e muito distante da realidade. A propaganda aceita quase tudo. E a farsa mostrava funcionários das Norsk e povo da região, como se não adoecessem, devido as péssimas condições de trabalho e como moradores de um paraíso na terra. Só que não.
Vilaça até hoje, nada fez para que os responsáveis pela tragédia do Haidar, fossem punidos e para que seu povo fosse devidamente indenizado. Pelo contrário, até água mineral parou de distribuir para a população ribeirinha. Jatene, através da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS), faz vista grossa e permite que empresas como Hydro, Imerys e Bungue sigam impunimente causando prejuízos de proporções incalculáveis para o meio ambiente e o povo da região do Baixo Tocantins, principalmente de Barcarena. Até o banco de dados onde constava o registro de uma área de preservação foi deletado do banco de dados da SEMAS. Fatos gravíssimo, que exige comissão independente para investigar e punir os culpados, a começar pelo governador Jatene. Pior que tudo, a floresta e a área desapareceram para dar lugar às famigeradas bacias da Hydro Alunorte.
Total apoio às famílias! Indenização e remoção para um local seguro já!
É preciso se solidarizar e defender as lideranças comunitárias ameaçadas de morte
A Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH-PA), a Defensoria Pública do Estado do Pará e outras entidas acompanham o caso de diversas lideranças da região que vêm denunciando na corregedoria de polícia e ministérios públicos as ameaças de morte que têm sofrido por exporem o que a Hydro até semana passada negava: as bacias de rejeito da Hydro Alunorte podem romper a qualquer momento.
O país ainda vive sob o signo da tragédia de Mariana. A BHP Billiton/Samarco/Vale também negavam irregularidades nas suas operações e foram responsáveis pela destruição do rio Doce e pela morte de cerca de 20 pessoas no estado de Minas Gerais, quando uma bacia de rejeitos da empresa se rompeu despejando toneladas de lama tóxica sob a comunidade de Bento Rodrigues e ecossistema do Doce. Nada foi feito para recuperar o rio Doce e até hoje ninguém foi devidamente indenizado.
Esse filme não é ficção. Desde dezembro que o alerta vermelho, cor da lama da morte, se acendeu em Barcarena. Inclusive, vários funcionários da Norsk Hydro, que não querem se identificar com medo de represálias, assumem que a situação é grave e que não está descartado rompimento das bacias de rejeitos da Hydro Alunorte.
O que exige da gente solidariedade para com os que lutam em defesa de suas vidas e do meio ambiente na região. A cadeia de produção da bauxita mata. Porque o a lógica do capitalismo, o lucro, também mata. Eis o lago Batata em Oriximiná, que morreu vermelho e não pode mais contar história. Foi poluído por ter sido usado como receptador de descarte da mineradora Mineração Rio do Norte, no vale do Rio Trombetas, Oeste do Pará. É preciso lutar e exigir punição para os proprietários da Norsk Hydro, para Vilaça, Jatene e Temer, verdadeiros responsáveis por essa calamidade pública.
Indenização já para todas as 400 famílias atingidas pela poluição da Hydro Alunorte e demais empresas do Distrito Industrial de Barcarena!
Que os governos distribuam água potável e comida para população das 60 comunidades!
Por um plano imediato de remoção das famílias (de acordo com suas vontades e necessidades)!
Por um projeto de recuperação e despoluição do meio ambiente, dos igarapés, rios e solo de Barcarena!
Punição e confisco dos bens de todos os executivos da Nork Hydro, Vilaça, Jatene e de seus secretários!
Estatização sob o controle dos trabalhadores da Hydro Alunorte, Hydro Albrás e demais empresas envolvidas em crimes ambientais em Barcarena e todo país!