terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Carnaval 2019: A Barcarena que o Rancho escondeu no seu desfile.


A Campeã 2018 do Carnaval de Belém poderia ter feito um grito de alerta pelas vidas de Barcarena, poderia ter lembrado e homenageado a memória de Paulo Sérgio Nascimento. Preferiu exaltar a indústria da mineração.

Por Raphael Castro* 
jornalismoraphael@gmail.com
 
3°Carro do Rancho: "Povo próspero x indústria próspera". Foto: Camila Lima/Portal Cultura/Reprodução. 2019.
No sábado, 23 de fevereiro, as nove escolas de samba do grupo especial de Belém desfilaram na Aldeia Cabana de Cultura Amazônica Davi Miguel, no bairro da Pedreira. O Grêmio Recreativo Jurunense Rancho Não Posso Me Amofiná, quinta escola a entrar na avenida, apresentou o samba-enredo “Made in Barcarena: Eu canto o encanto do teu universo” para contar uma história da cultura e do “futuro promissor” do município paraense de Barcarena, região do Baixo Tocantins.
Nada mais justo que a escola jurunense faça uma homenagem ao município que, segundo nos conta a antropóloga Carmen Izabel Rodrigues em seu artigo “O bairro do Jurunas, à beira do Rio Guamá”, é um dos lugares de origem dos migrantes que, chegando pelos rios à capital em busca de “progresso”, formaram social e culturalmente o que hoje é a população do bairro do Jurunas.
No entanto, a história que o Rancho contou na avenida mostrou exclusivamente uma Barcarena feliz e “desenvolvida” graças à bem sucedida indústria de mineração que se instalou no município no período dos governos militares. Escondeu que a mistura dos povos originários, do povo escravizado e dos catequizadores não se deu “num belo matiz”, mas sim em uma relação racista de colonização que promoveu genocídios e apagamento cultural. Escondeu a Barcarena de hoje: sofrida, envenenada e injustiçada justamente pelos megaempreendimentos industriais que exploram o município e penalizam a população mais pobre, os povos indígenas e os quilombolas.
É, no mínimo, curioso que o Rancho conte essa história “emoldurada em fantasia” na mesma ocasião em que se completa 1 ano do ultimo crime ambiental, provocado pelo vazamento de rejeitosde minério da Hydro Alunorte, que causou gravíssimos prejuízos para população e para toda biodiversidade de Barcarena. A quem interessa esconder essa história?
A primeira parte do desfile mostrou os povos indígenas Gibirié e Mortigura, originários do território onde hoje é Barcarena, homenageou a missão catequizadora dos jesuítas e falou da Cabanagem. Em seguida, o espetáculo falava da cultura popular de Barcarena, homenageando o barcarenense Mestre Vieira e fazendo referência ao tradicional Festival do Abacaxi e às praias, uma das belezas naturais do município.
O pomposo espetáculo bem coreografado, ao som da Furiosa bateria bem afinada, era tão bonito que podia nos induzir a uma fantasiosa realidade. Nem parecia que nos ultimos anos as belas praias de Barcarena foram alvo de contaminação por caulim dos rejeitos da Imerys e por carcaças de bois mortos no naufrágio do navio Haidar no porto de Vila do Conde; que os rios da região foram contaminados por chumbo e outros elementos pesados de resíduos de minério da Hydro.
Praia de Vila do Conde/Barcarena após o naufrágio do navio Haidar, em 2015, que transportaria milhares de cabeças de boi. Foto: Tarso Sarraf/G1 Pará/Reprodução.
Não se trata aqui de uma obsessão por crítica social em tudo - ainda que, de fato, o Samba tenha em suas origens um caráter de contestação social e este momento histórico do Brasil inteiro exija mesmo críticas -, mas falar de Barcarena neste momento, sem dar visibilidade à grave crise social e ambiental que castiga sua população é ser conivente com todos os crimes que as multinacionais têm cometido, com a subserviência do Estado, naquela região.
Há pelo menos 14 anos o Laboratório de Química Analítica e Ambiental da Universidade Federal do Pará já apresenta pesquisas que comprovam a presença de metais pesados nos rios e igarapés da região provocados pela contaminação de rejeitos de minério de empresas multimilionárias como Imerys e Hydro. O Instituto Evandro Chagas (IEC) também já apresentou laudos que comprovam a contaminação por chumbo e outros elementos cancerígenos nas águas, no solo, até nos fios de cabelos do povo  de Barcarena
Igarapé de Barcarena contaminado por vazamento de caulim da Imerys, em 2014. Foto: Viviane Franco / Blog da Franssinete Florenzano / Reprodução.
O deputado estadual Renato Ogawa (PR), que é do município de Barcarena, desfilava na avenida orgulhoso em mostrar as "riquezas desse chão", mas deveria ter vergonha de ser um dos deputados que está, junto com o governador Helder Barbalho (MDB) e o vice-governador Lúcio Vale (PR), de mãos dadas com a norueguesa Hydro. A Hydro, no mês passado, ganhou de presente do Governo do Estado do Pará a licença para voltar a operar em 100% de sua capacidade, mesmo sem ter resolvido a maior parte do problema causado pelo ultimo vazamento, sem sequer ter reconhecido que contamina água, solo, bicho e gente. Algumas das comunidades afetadas por essa contaminação receberam até agora nada mais que galões de água e um vale-alimentação temporário de R$ 670,00, verdadeiras migalhas comparadas ao prejuízo de vida que têm sofrido.
As lideranças comunitárias que denunciam os crimes ambientais e violações de direitos humanos em Barcarena estão sob constantes ameaças de morte ou já foram fatalmente silenciadas, como foi o quilombola Paulo Sérgio Almeida Nascimento, assassinado no dia 12 de março de 2018. Paulo Sérgio denunciou as ameaças, pediu proteção ao Governo do Estado, mas foi ignorado.
Qualquer penalização às empresas, os patrões empurram a conta para ser paga pelos trabalhadores que são ameaçados pelo desemprego e, não por acaso, são induzidos a reconhecer como seu inimigo os ativistas que lutam contra a impunidade das empresas. Sem falar que esses trabalhadores também são potenciais vítimas das catástrofes provocadas pela negligência das mineradoras, como assistimos há pouco mais de um mês no caso de Brumadinho.
Tudo isso é abafado, é silenciado, com a ajuda das autoridades e da mídia, para não sair das bandas de lá de Barcarena.  Ainda assim, o Rancho preferiu se amofiná e bajular "as caravelas da cobiça" do Distrito Industrial de Barcarena.
A TV Cultura do Pará, que voltou a transmitir o desfile das escolas de samba depois de anos, em sua programação, se limitou a fazer comentários batidos e elogiosos. Obviamente, não seria a TV dirigida pelo Governo do Estado do Pará quem iria lembrar ao telespectador que faltava um importante pedaço da história a ser contado naquele desfile.
“Indústria próspera x Povo miserável” é como deveria se chamar o terceiro carro alegórico do Rancho. Esse carro, que representava a indústria do alumínio em Barcarena, em determinado momento soltou fumaça e papel alumínio picado, em uma debochada referência aos poluentes que saem das chaminés das fábricas sufocando e adoecendo as comunidades do entorno.
Que “futuro promissor” que “alumina o coração” é esse que o Rancho levou pra avenida? A Barcarena que padece de câncer, figurativa e literalmente, foi escondida nesse desfile, foi desconsiderada da homenagem.
É importante destacar que essa postura do Rancho não condiz com a história da escola fundada pelo negro comunista Raimundo Manito, com sua comunidade, com a festiva e politizada tradição cultural do Jurunas. Onde foi parar o espírito ranchista que em 1944, em plena Segunda Guerra Mundial contrariou a proibição de concursos carnavalescos e levou pra avenida o samba “Deixa o ‘não posso’ passar”? O samba-enredo do Rancho em 2019 não tem nada a ver com aquele de 1985, "Amanheceu", que comemorava valente o fim da ditadura militar brasileira:
[...]
Nesta festa o povo dança
se renova a esperança
de quem não se amofinou
É carnaval
É hora do meu Rancho desfilar
E lá vou eu…
Amanheceu um novo dia.

(Amanheceu - Rancho Não Posso Me Amofiná, 1985)
Faltou a ousadia do samba ranchista campeão do carnaval de Belém em 2018 que fez a avenida vibrar em defesa da diversidade, contra o preconceito. Ainda que digam por aí que “carnaval é assim mesmo”, esse é um fato que precisa ser questionado em nome das origens e da importância cultural do samba e do carnaval.
O Rancho Não Posso Me Amofiná é a escola mais antiga do Pará e a quarta mais antiga do Brasil, representa uma enorme importância para cultura regional e nacional. Com essa postura, de esconder uma dramática e grave realidade que grita pra tentar ser ouvida, o Rancho vai na contramão da tradição de consciência e contestação do Samba e presta uma desinformação à população que assiste o carnaval.
A culpa não é da comunidade que constrói o Rancho no dia a dia e dá sempre um show de arte e cultura na avenida, como o fez esse ano. A culpa é dos interesses de quem comanda o carnaval, de quem comanda o estado e de quem comanda a indústria da mineração na Amazônia.

*Raphael Castro é jurunense, jornalista e mestrando em Comunicação e Cultura na UFPA.

Referências











sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Socorro do Burajuba: ameaça de morte, sofrimento e resistência há um ano do crime da Hydro.


Vídeo gravado no dia 29 de janeiro de 2019 com Socorro Silva.

Por Marcus Benedito, com colaboração de Raphael Castro*

Era madrugada do dia 16 para o dia 17 de fevereiro de 2018. Inverno amazônico. Quando os quilombolas de Burajuba e outras comunidades no entorno do Distrito Industrial de Barcarena, a 50 Km de Belém, caíram no seu pior pesadelo. Foram sacudidos por um barulho incomum. A lama caindo lá das alturas das bordas daquele mostrengo chamado Depósito de Rejeitos Sólidos 1 (DRS1) da empresa Hydro Alunorte. Era a enxurrada que avançava sob seus terrenos e suas casas. Berros de socorro vindo lá da vizinhança. Ali perto tem a Dona Sebastiana e outros compadres dessa alma generosa atormentada por um câncer que poderia ser evitado. Que não era para estar ali. Encravaram um dos mais bárbaros corpos estranhos no coração da Amazônia. O Complexo Industrial de Vila do Conde, município de Barcarena/PA.

Socorro Silva, líder e fundadora da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (CAINQUIAMA) desce sobressaltada de sua rede e, desesperada, se depara com a água vermelha inundando seu lar, molhando seus pés e encharcando de pavor sua alma.  Tratava-se de uma tragédia anunciada: o transbordo dos resíduos sólidos da DRS 1 da mineradora norueguesa Hydro Alunorte. Uma do maiores crimes ambientais do século XXI promovidos por essa empresa.

Para quem não convive com um depósito de lama tóxica com mais de 20m de altura e centenas de hectares de extensão, talvez seja difícil imaginar o que essas centenas de comunidades de Barcarena presenciaram. Mas para quem vive a 3 metros desse paredão, como a D. Sebastiana, moradora da comunidade, logo se deduzia que se tratava daquilo que esse povo mais temia e teme: um sinistro vindo da instalação desse mega empreendimento industrial às margens de um dos mais magníficos e ameaçados estuários da bacia do rio Amazonas, o Rio Pará. Rapidamente, pedidos de socorro se multiplicavam pelos aplicativos de mensagens. Para Silva, é marcante os urros de ajuda. Ela de mãos atadas. Só pensava em sair, naquela madrugada de intensa chuva e fria, dali. A água cor de sangue inundava tudo. Pela manhã, os órgão competentes já sabiam do ocorrido. Uma missão da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade, em conjunto com o Ministério Público do Estado do Pará, fizeram um sobrevoo na área e atestaram que tudo aquilo era real.

Algo de muito podre saía das dependências da Hydro Alunorte e se espalhava sobre mananciais, igarapés, rios e solos da região.  Desde 2009, que não ocorria um crime tão grave. Segundo as lideranças quilombolas, tragédia anunciada. “Não foi por falta de aviso. Desde que que esses projetos e essas indústrias se instalaram aqui, a nossa vida não prestou mais. Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Mas dessa vez foi mais grave. Apareceu todo mundo. Governo, imprensa, Ministério Público. Fizeram aquele monte de reunião. Fomos com os deputados. Isso já vai completar um ano e a gente continua na mesma.” Lamenta a ativista quilombola Socorro Silva. Na verdade, a vida dessas milhares de pessoas de Barcarena, mas não somente, como também da Vila de Beja, Arienga, Pirucaba e outras comunidades de Abaetetuba vem sofrendo com impactos de terem que consumir água e alimentos contaminados pelos produtos presentes nesses resíduos do processo de produção de alumina em uma das maiores indústrias do mundo em solo paraense.

As comunidades reclamam o abandono do poder público. Socorro Silva vive ameaçada de morte. Presa em sua própria casa. Padece literalmente perturbada. Uma mulher que seca como folha gasta pela fotossíntese. Estender roupa no seu lindo quintal já não é mais atividade comum. Elas quaram no pátio interno. Vive em torno de uma prisão particular com suas 12 grades. “A gente está morrendo. A gente está envenenado. Já não consigo superar o luto.”. Nos últimos meses ela perdeu três parentes. Dois de câncer e a última sem causa especificada. Até o colchão dela foi queimado, com medo de contaminação para os demais. Seu enfrentamento à Hydro lhe reservou um cativeiro atroz. Sua casa já fora invadida mais de 5 vezes, inclusive pela própria Polícia Militar. Sem mandado. Sem justificativa. Com o intento apenas de amedrontar essa mulher franzina, doente, mas guerreira na defesa de seus direitos e de sua comunidade.

Promotores também foram perseguidos. E parte das lideranças do parquet estadual capitulou. O Termo de Ajustamento de Conduta assinado ano passado é uma vergonha. Tudo à empresa, quase nada ao povo. Ainda assim as comunidades cobram seu cumprimento. Até o vale alimentação foi entregue a apenas algumas famílias. Segundo Socorro do Burajuba, quando eles vão às compras, sem qualquer justificativa, as redes de supermercado como o grupo Líder, cobram juros absurdos. Um dia é um preço, outro dia a inflação consome quase tudo e os recursos não garantem o básico. O pior é que quem recebe o cartão deixa de receber água potável. Graves crimes que precisam ser combatidos.
Socorro Silva do Burajuba é consciente dos absurdos que ocorrem contra seus direitos. A liderança cobra a liberação de um exame “feito pelo SESMA” e entregue à secretaria de Municipal de Saúde de Barcarena. Segundo ela, a prefeitura estaria, sem justificativas, impedindo a liberação desses exames. E o motivo segundo Silva, é a constatação do óbvio: que os moradores dessas comunidades estão contaminados com chumbo e outros metais pesados. “Todas as autoridades sabem que a água de Barcarena está contaminada!”, ela exclama. Como quem vive a barbárie e constata na pele a queimadura do fogo cuspido pelo dragão que veio do Japão, ela endereça aos verdadeiros culpados a certeza de suas mazelas: “Vocês são responsáveis por todos os óbitos que têm e que vão ter em Barcarena.”.

Até quando o negócio e os dividendos de uma empresa, seja ela nacional, ou como no caso da Hydro, uma multinacional, pode estar acima da vida? Alertas e brados são constantes. Uma Conselheira do Meio Ambiente de Minas Gerais, que foi a única a votar a favor de regras mais rígidas para a exploração mineral naquele estado, diz que não consegue dormir direito depois do crime de Brumadinho. E Socorro, generosa e solidária no pesar, diz que seu coração chora por conta dessa barbárie promovida pela Vale ao largo de outra catástrofe, o crime de há quase três anos e meio, rompimento da Barragem do Fundão em Bento Rodrigues, distrito de Mariana/MG.

Governo Barbalho: tal pai, tal filho

Jader Fontenelle Barbalho, quando sucumbiu ao assédio dos japoneses, lançou a pá de cal sob a vida dessas comunidades. Deu cabo a um dos mais criminosos e degradantes empreendimentos industriais no país. Iniciado pela Ditadura Civil Militar, sob a batuta de presidente ditador Gel. Ernesto Geisel e seu ministro da Economia e curiosamente desafeto, Delfin Neto. E para existir indústrias eletro intensivas como Albrás e Alunorte, necessário se fazia a produção maciça e subsidiada de energia. Foi quando o governo federal investiu bilhões para a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, a fim de dar vida ao monstrengo idealizado pelos industriais japoneses, que não mais suportando as perdas financeiras oriundas das crises do Petróleo da década de 1970, transformaram como por alquimia, o antes chibante candidato Jader Barbalho (MDB), a um cãozinho a serviço da instalação da UHE Tucuruí e liberou todas as condições locais para alimentar a construção e inauguração na década de 1990 da empresa de alumina (então Alunorte) e de alumínio (Albrás), há época, sob o controle da Vale do Rio Doce. Verdadeiros monstros devoradores da “fauna, da flora e da vida” às margens do abissal estuário do Rio Pará.

Governador do Pará, Helder Barbalho, o vice-governador Lúcio Vale, deputado estadual Renato Ogawa e o Chefe da Casa Civil, Parsifal Pontes, reunidos com diretores da Hydro Alunorte. (Fonte: Bacana News)
Mal assumiu o governo, Helder Barbalho (MDB) se reuniu com os criminosos diretores da Hydro Alunorte e no dia seguinte, sem qualquer investigação séria e análise de relatórios e estudos, a SEMAS lançou nota liberando a empresa a voltar a produzir com 100% de sua capacidade. Por isso a líder quilombola não deixa de atacar o descompromisso do novo governador e mais uma vez denuncia que sofre ameaça de morte, conforme vocês podem assistir no vídeo aqui.

 “Eu não vou calar. Só se me matarem.”

Socorro Silva, liderança quilombola ameaçada de morte,
em janeiro de 2019. (Foto: Raphael Castro)
“Nós precisamos cuidar desse povo de Barcarena urgentemente agora. (...) Cuidado gente Cuidado. Vocês que moram próximo das Bacias. Vamos se unir, vamos fazer mais força, vamos botar esse movimento pra gritar nas ruas. Nós vamos morrer se nós não acordarmos bem mais rápido.” Mesmo ameaçada de morte, como uma pantera, vocifera e ela não pouca críticas aos governos e órgãos (in)competentes. Socorro Silva detém em si a fúria consciente de quem, mesmo cansada, sabe que não pode abandonar a luta.

Os problemas de saúde, ambientais e sociais se multiplicam. Câncer, doenças de pele, perdas de cabelo são comuns nas comunidades desses municípios. Quem é que nasce imaginando que poderia ficar calvo sem apresentar o gene recessivo cc? Em Barcarena e Abaetetuba isso ocorre comumente.  E causa vem pelo ar na fumaça tóxica que sai das chaminés da Hydro Alunorte, Albrás, Imerys, etc.; vem pela água e pelo sentimento de quem vive a sombra de um dos mais nocivos empreendimentos instalados no coração da Amazônia. Talvez o único local do Norte/Nordeste do país que apresente a ocorrência de chuva ácida com índices julgados perniciosos à vida pelos organismos de controle, como a Organização Mundial de Saúde.

E as ameaças em torno do DRS1 (em atividade há mais de 30 anos) e DRS2 são elevadas. Acaso “a barragem da Hydro rompa, seria o fim” segundo a liderança quilombola, ativista e ambientalista. Premiada pela Organização das Nações Unidas, ela apresentou denúncia em evento junto à ONU para Procuradoria Geral da República em 2018. De lá pra cá nenhuma resposta. Até exame o prefeito Antônio Vilaça (PSC) se nega a liberar, pois deve temer ser responsabilizado. Mas Maria do Socorro Silva é enfática: “o prefeito tem que devolver!”.

Um ano de luto e de luta

Socorro Silva diz que já não tem tempo de chorar os seus mortos. É preciso lutar contra os atentados da Hydro. A Empresa, lembra Socorro, é “réu confessa”, pois foi obrigada a reconhecer que mantinha um duto irregular despejando efluentes carregados de soda cáustica, chumbo e outros metais pesados direto no meio ambiente. Outro crime descoberto foi a revelação do chamado Canal Velho, de 700 metros de comprimento, que igualmente despeja esses efluentes direto no Rio Pará. De acordo com Universidade Federal do Pará, através do Laboratório de Química Analítica e Ambiental (LAQUANAM), em 2009, a Hydro Alunorte, assim como a Imerys, poluíram e envenenaram, em outro crime ambiental, os rios, solos e os moradores da região. No ano passado, laudos do Instituto Evandro Chagas (IEC) atestaram a contaminação do Rio Murucupi e igarapés da região. “A Hydro é assassina, ela é criminosa”, denuncia Socorro do Burajuba.

Socorro clama por fiscalização independente. Por mecanismos modernos de monitoramento. Ela afirma que pairam dúvidas sobre a idoneidade dos fiscais da “SEMAS do estado. Vários crimes vem ocorrendo em Barcarena, mas os fiscais são omissos. Eles não multam, não prendem ninguém.”. E as próximas eleições municipais ameaçam ainda mais a vida dessa ativista. O que exige de todos os organismos internacionais, da ONU, Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, Anistia Iternacional, ONG’s, etc., assim como dos movimentos sociais de luta e partidos de esquerda, uma resposta contundente para que se resguarde a vida de Socorro Silva do Burajuba, se garanta o mínimo para sua sobrevivência como água potável, indenização e alimentos saudáveis e o cumprimento do TAC, para que as mais de 40 mil pessoas atingidas sejam indenizadas pelos 40 anos de crimes e mortes causados pela Hydro e demais empresas do Complexo Industrial de Vila do Conde em Barcarena.

Mais do que isso. O movimento, nesses quase um ano do assassinato de seu companheiro de luta, Paulo Sérgio, morto por denunciar o crime dessas empresas, assim como do crime que foi o transbordamento da DRS 1, tem que ir à luta. Não é possível confiar no prefeito de Barcarena, em seus asseclas, como o deputado estadual Renato Ogawa (interessado na sucessão de Vilaça), no vice governador Lúcio Vale (ambos do PR), assim como na SEMAS e no próprio governador Helder Barbalho. É necessário comissão externa e independente de fiscalização do cenário produzido pela Hydro Alunorte e consortes e, acima de tudo, a imediata paralisação de todas as operações da Hydro Alunorte no município de Barcarena.

No vídeo, gravado em seu terreno no Burajuba, Socorro Silva é contundente. “Se rompe a DRS 1 vai ser mil vezes pior que Brumadinho.”. Se dói Brumadinho, imaginem o que seria isso no Rio Pará. Destruição do Arquipélago do Marajó. Devastação de Abaetetuba, Barcarena, São Domingos do Capim, Acará, Belém e tudo aquilo onde chega seus braços, até desaguar a morte no oceano Atlântico.

“A Hydro tem que ser fiscalizada é por todos agora. Eu não acredito mais em ninguém” no governo. Agora é cobrar nas mobilizações e honrar esse povo sofrido com uma grande mobilização massiva no dia 18/02. Por Mariana, por Brumadinho, por Barcarena, por Abaetetuba. “Vamos se unir, vamos fazer mais força”, ela conclama. Para que as futuras gerações nasçam sem doenças ou morram sem completar um mês de vida, como aconteceu recentemente com seu neto. É preciso cobrar Indenização para todas as famílias atingidas em Barcarena, Abaetetuba, Acará e Belém!

Que a empresa e o governo federal, estadual e municipal se responsabilizem pela assistência à saúde, exames periódicos, fornecimento de água potável e alimentos para todas as comunidades, inclusive as ribeirinhas! Não podemos mais aceitar tanta impunidade. Cadeia aos criminosos responsáveis pelas tragédias da Hydro e da Vale! Essas empresas devem ser reestatizadas e entregue ao controle de seus trabalhadores(as)!

*Raphael Castro é jornalista, mestrando em Comunicação e Cultura no PPGCOM/UFPA e midiativista.