Minha vovó Raimunda Lopes Ferreira, mais conhecida como Vidoca, se foi hoje (01/11/2017). Morte natural. Serena, como as águas do rio Maúba, lugar que fundou, junto ao vovô Pedro, comunidade de mesmo nome.
Com 104 anos, Vidoca amou e viveu na vida. Abaetetubense mais antiga, por ocasião de seus 100 anos, até o Papa enviou-lhe cumprimentos e um terço de lembrança. Foi uma verdadeira Festa na Assembleia. Dançou como se fosse seu último baile. Ainda que mais quatro primaveras lhe abraçariam.
Profunda conhecedora da terra, cultivava com zelo suas plantinhas e ervas. Tinha planta pra tudo o quanto era doença do corpo, e segundo dizem, da alma. De todo canto de Abaeté aparecia gente para pedir, em nome de uma avó qualquer, uma ervinha.
"Quem é tua vó, meu filho?", ela indagava.
O pequenozinho dizia algum nome.
Por mais que ela não recordasse a dona da viagem, entregava o planta de bom grado. Parecia que seu pagamento era o fato de ela ser lembrada por pessoas dos quatro cantos do lugar.
Ainda ontem, quando mamãe tomava sua benção e se despedia para voltar a Belém, ela segurou com todas as forças suas mãos e beijou de forma repetida. Se tinha uma coisa que Vidoca fazia com maestria era retribuir o carinho que recebia.
Quando penso nela, me vem a memória sua casa na Vila Bexó. Quintal grande. Aroma de flores em tudo. Apesar de que sua vida não começou como um mar de rosas. Cearense de nascimento, perdeu sua mãe ainda no parto. Trazida no tempo dos Soldados da Borracha para o Pará, foi criada pela madrinha, a quem coube lhe passar, enfim, amor, alfabetização e carinho.
Benzedeira, fumentadora de mãos abençoadas, militava no Apostolado da Oração. Coração generoso, foi ela quem me concedeu o apelido de "Coração". Tudo porque, gordinho, um vizinho queria me chamar de "Bobó de Boi". "Bobó não, vizinho! Se tem bobó, também tem coração!" E assim ficou.
Árvore, para ela a gente foi galho, folha, fruto. Cada qual com seu apelido e forma. Fiquei sendo para sempre seu Neto de Vó ou Pão da Nini. E era assim. Vidoca era a especialidade em pessoa. Talvez essa seja a última grande reunião desse batalhão chamado família. Estou encontrando parente que talvez nunca mais veria. Mais um ato de grandeza dessa guerreira, que teve o superlativo como marca. Desde os tempos da abundância de toneladas de maparás na feitoria do sítio na "casa grande". Das lenhas para assar o peixe. Do amontoado de paneiro. Até seu descanso final no Cristo Redentor, casa da tia Tóia, filha mais nova, que também cuidou dela, literalmente, até seu último suspiro. No dia de todos os santos.
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