Por Júlio Miragaia
Uma
semana sem sombra de dúvidas diferente. Uma semana que confirma: o ano
de 2011 é o ano dos indignados. Nos últimos dias milhares tem saído às
ruas em diversas cidades norte-americanas contra o sistema financeiro
que tem levado a classe trabalhadora desse país à miséria. Esse tem sido
o motivo das mobilizações no coração do principal país capitalista no
mundo. São os indignados dos EUA, que já não se limitam apenas as
mobilizações em Wall Street, mas em cidades como Chicago, Los Angeles e
Washington.
A
juventude esse ano vem derrubando ditaduras, como na primavera árabe,
questionando os planos de austeridade dos governos, seja na Espanha ou
na Grécia e enfrentando a política neoliberal para educação, como no
Chile e no Equador. São tempos de indignação generalizada que começam a
chegar sobre solo tupiniquim com rebeliões, seja na classe trabalhadora
em Jirau, bombeiros do RJ, construção civil de Belém, bancários ou na
juventude com a rebelião dos 30 mil que barrou o aumento da passagem em
Teresina e as ocupações de reitorias em várias universidades e com maior
expressão na UFF e UFPR. Até na Bolívia de Evo Morales, que no início
de seu governo teve choques progressivos com o imperialismo e que agora
começa a ceder, o povo tem colocado seu governo em xeque com o
gasolinazo e o categórico e massivo repúdio ao massacre aos índios que
protestam contra a criação da estrada no Tipinis.
São
tempos tão indignados que a abertura do principal veículo de reprodução
da ideologia burguesa no Brasil, o jornal nacional da quinta-feira,
05/10, foi no mínimo inusitada. Willian Bonner e Fátima Bernardes já não
podiam manter o bloqueio midiático que semanas atrás estava sendo
aplicado por praticamente toda a imprensa no mundo sobre as mobilizações
em Wall Street. Assim, os âncoras globais anunciaram as manifestações,
para em seguida dizer que havia uma greve geral na Grécia
e posteriormente dizer que no Brasil a greve dos correios continuava,
pois a base da categoria havia rejeitado em assembléias por todo o país a
proposta do governo Dilma.
Nessa
mesma semana em que a indignação vem sendo uma máxima sobre a
juventude, às vésperas do 15 de outubro, um dia mundial de mobilização
chamado pela juventude européia, duas datas marcam um importante debate.
No dia 05/10 o fundador da Apple, Stve Jobs, faleceu, vítima de um
câncer. No dia 09/10, completam-se 44 anos da morte de Ernesto Che
Guevara. Jobs vem sendo mundialmente apontado como um gênio de nossa
época, como um empresário modelo, que contribuiu para mudanças
substanciais sobre a utilização da internet e do computador.
Sem
entrar no entusiasmo dos que idolatram após a morte, é fundamental
refletir que apesar de todos os avanços comunicacionais que o I PAD, I
Phone e outras ferramentas desenvolvidas pela Apple possam proporcionar
(ainda que para uma minoria da população mundial), a mão de obra de
muitos trabalhadores em fábricas na China e em outros países foi
queimada de forma semi-escrava para que houvessem tais avanços. O que
demonstra por a+b que Jobs também era acima de tudo um patrão.
A realidade das fábricas da Apple
A
Apple chegou a admitir, em março de 2010, que algumas de suas fábricas
espalhadas pelo mundo violaram várias leis trabalhistas, até mesmo
contratando menores de idade para fabricar iPhones, ipods e computadores
Macintosh. A revelação foi feita no site da empresa,
após uma auditoria em 102 fábricas na China, Taiwan, Tailândia,
Malásia, Cingapura, Coreia do Sul, República Tcheca, Filipinas e EUA.
Em
mais de 60 instalações os funcionários trabalhavam mais do que as 60
horas semanais determinadas pela Apple. Além disso, 24 parceiros pagavam
menos que o salário mínimo e 57 não ofereciam todos os benefícios
exigidos por lei nos países.
Em
agosto desse ano, um importante ativista do meio ambiente chinês, Ma
Jun, criticou a Apple, denunciando a empresa que não revela seus
fornecedores que poderiam estar poluindo. Jun disse que sua entidade
encontrou água poluída e foi informado sobre gases prejudiciais em áreas
próximas de fábricas na China, que seriam de fornecedores da Apple.
Na cidade chinesa de Shenzhen a situação é sintomática. Nos 2 complexos da Foxconn, fornecedora dos componentes da Apple, trabalham
cerca de 400 mil funcionários em linhas de produção de iPhone, iPad e
outros produtos eletrônicos. Mesmo depois do suicídio dos jovens
operários no ano passado, a superexploração segue sendo uma rotina. A
jornada diária é de 10 horas, seis dias por semana, em troca de um
salário equivalente a R$ 1.083 e seguro-saúde. Após os suicídios a
Foxconn instalou grades nas janelas e redes sob os dormitórios para
evitar novas mortes.
Em
cada um dos quatro complexos onde vivem os trabalhadores da empresa
moram 100 mil funcionários. Num quarto dormem oito pessoas. A divisão
dos edifícios é por gênero, e visitas estão proibidas. As relações
trabalhistas não são nada modernas: cobranças dos chefes por meio de
humilhantes broncas públicas, longas horas extras, falta de privacidade e
de lazer nos dormitórios e baixos salários são parte da rotina.
Sobre
o suicídio dos jovens operários em 2010, o próprio Steve Jobs saiu em
defesa de sua fornecedora tentando minimizar os casos dizendo que a
Apple estava “tentando entender” o caso. “Nós estamos tentando entender
isso. É uma situação difícil”, declarou.
"É
uma fábrica --mas meu Deus, eles têm os restaurantes e cinemas. Mas
eles tiveram alguns suicídios e tentativas de suicídio, e eles têm 400
mil pessoas. A taxa [de suicídios] está abaixo do número dos EUA, mas
ainda é preocupante." Afirmou Jobs. Numa clara tentativa de minimizar as
mortes.
44 anos em que “o futuro nos pertence”
Menos
badalado que o recente falecimento do magnata da Apple, os 44 anos da
morte de Che Guevara precisam ser lembrados. Dessa vez não há simbologia
na data, 44 não é um número que diga algo. Porém, mais do que nunca, a
primavera vem se tornando inevitável em todo o planeta.
Contraditoriamente, as conquistas trazidas pela revolução cubana vem
sendo extintas passo a passo pela convertida oligarquia Castro, agora
sob o comando de Raul na ilha da América Central. Ao
invés de apoiar, como defendia Che, os processos de luta dos povos
árabes, europeus e americanos, Fidel, Raul e Chávez se colocam do outro
lado da trincheira num apoio cego à Kadafi e Assad.
Che
era um profundo defensor do internacionalismo. Por isso abandonou
cargo, prestígio e poder em Cuba para organizar a luta armada em toda a
América Latina. Apesar de um método limitado (o método das guerrilhas),
sua caracterização e parte de sua política estavam acertadas: somente
novas Cubas fariam da América um continente livre do jugo da
desigualdade e do capital.
O
isolamento que sofreu por parte do governo cubano foi fundamental para
sua execução na Bolívia. Hoje, mais do que nunca está provado que Fidel
não quer novas Cubas em lugar nenhum. Seu modelo é o da China da
superexploração, por isso as demissões em massa e a privatização de
setores estratégicos da economia cubana, aliada a manutenção de um
regime político fechado, sem liberdades democráticas.
Menos Jobs, mais Che: a verdadeira revolução do século XXI é indignada!
Um
novo muro de Berlim vem caindo. As ilusões sobre o estado de bem-estar
social do capital vem ruindo do norte da África aos países do centro do
capital. Um muro ideológico de que o socialismo havia acabado com o fim
das ditaduras stalinistas no leste europeu desmorona dia após dia. O
povo egípcio tem ido às ruas para recuperar a revolução que havia sido
entregue nas mãos do exército. O governo Evo na corda bamba, prestes a
cair duas vezes pela esquerda e não pela mão do império são sintomas
desses novos tempos. O 15 de outubro pode vir a ser uma poderosa
demonstração de força também de uma nova vanguarda que não consegue
identificar em Chávez, em Fidel e cia uma alternativa de direção e lutam
por uma nova sociedade, contra os governos de plantão e construindo
novas formas de organização. É um movimento pela base.
Enquanto
alguns exaltam os avanços tecnológicos da Apple conseguidos sobre o céu
de chumbo e ferro das fábricas suicidas da Foxconn, certamente a nós
compete lembrar não apenas por pura nostalgia do legado do Che. Afinal, a
primavera segue e é maior do que em qualquer outro momento da história.
São tempos de menos, muito menos Jobs e mais Che. Tempos, como diria
Eduardo Galeano, do direito ao delírio.
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