Polemica com o temerário documento apresentado ao III Congresso do PSOL por Milton Temer, Martiniano, Jefferson, Janira e outros companheiros.
Nosso campo é o das ruas e greves para derrubar Sarney e o Regime, e não o do conchavo com ele! |
Por Silvia Santos*
Numerosos textos foram apresentados neste terceiro pré-congresso do PSOL. Todos eles apresentam visões da realidade, propostas, balanços, e todos eles devem ser discutidos. No entanto, há um texto que, do nosso ponto de vista, merece especial atenção: é o encabeçado pelos companheiros Milton Temer, Martiniano, Jefferson, José Luis Fevereiro e Janira, que aborda a estratégia do Partido e nesse novo marco proposto é que localiza as tarefas da conjuntura. Com bastante clareza os companheiros nos apresentam uma proposta que, caso o partido venha adotar, significará o abandono do programa e do Projeto do PSOL, como partido socialista independente, de luta e de classe, para se converter numa caricatura trágica do PT. Por esta razão, é que fazemos um chamado aos militantes do partido a acompanhar este debate e a combater suas propostas, ratificando os objetivos fundamentais pelos quais fundamos o PSOL.
1– A crise mundial e a sua dinâmica.
Corretamente, o texto parte da crise da economia mundial capitalista e nesse marco coloca os processos do norte da África, Europa, etc. definindo que nos encontramos em um novo momento histórico que gera expectativas para os socialistas, pois permitirá disputar projetos em melhores condições. No entanto, expressa uma visão unilateral, centrada no aspecto econômico da crise, menosprezando a luta de classes e a ação do movimento de massas. Em nenhum momento destaca o conjunto dos elementos que definem a situação mundial: a crise econômica estrutural que se aprofunda – a crise política dos projetos burgueses/imperialistas e reformistas e um fortíssimo ascenso de massas centrado nos países do norte da África e na Europa, mas com reflexos dispares no mundo inteiro. A definimos como uma crise da hegemonia imperialista, uma de cujas expressões militares é a derrota sofrida no Iraque e no Afeganistão. Ou estaríamos frente à mesma situação mundial se a coalizão imperialista tivesse triunfado nesses países reforçando seu domínio na região?
No entanto, os companheiros colocam o acento nos elementos econômicos da crise, minimizando as ações do movimento para depois centrar nos “Cuidado, não simplificar, não exagerar!”; criticam o “otimismo vulgar” de não sabemos quem, criticam supostos profetas que esperam a crise revolucionária, para definir a continuação que os avanços concretos “são bem limitados”, visto que “na Tunísia e no Egito os agentes do regime anterior continuam hegemônicos no poder real”. Minimizam assim a fantástica rebelião, revolta ou revolução popular que sacode aquela região, que derrubou ditaduras de décadas, agentes prediletos do imperialismo, com uma heroicidade sem limites. Processos que conquistaram para as massas o direito de lutar, de atuar, de se organizar, de falar, e isso para as massas são avanços qualitativos, pois derrubaram a barreira que significava nada menos que a morte nas mãos desses regimes sanguinários. Que a burguesia e os donos do capital não abandonam a cena pacificamente? Mas é claro! Que os militares sobre tudo da alta patente são seus agentes? Também está claro! Que o imperialismo tenta influir e influi em todos estes processos? Está claro também, pois esse é o seu papel. E ignorá-lo pode nos levar a graves erros de todo tipo.
Mas o que devemos discutir é o papel da esquerda, daqueles que se reivindicam socialistas quando se está frente a processos dessa magnitude. E, sobretudo, devemos aprofundar na Líbia e na Síria, uma vez que o texto dos companheiros em nenhum momento defende a queda pelas mãos do povo das sanguinárias ditaduras de Kaddafi e Assad. Pelo contrário, confunde as multidões que na Síria arriscam sua vida nas ruas contra a ditadura com “provocadores armados pela monarquia Saudita”, restando desta forma toda legitimidade a gigantesca onda popular que luta dia após dia para derrubar o tirano. Não podemos nos confundir! A luta do povo sírio e líbio é legítima, é parte do ascenso que sacode a região, e enfrenta ditaduras pró-imperialistas até o tutano! Se o PSOL existisse nesses países o que faria? Estaria nas ruas junto com o povo Sírio chamando a derrubar Assad? Estaria na Líbia com as milícias rebeldes tentando derrubar Kaddafi? Ou com o argumento que a monarquia saudita e a OTAN buscam capitalizar, e que os dirigentes do CNT são pró-imperialistas nos alinharíamos na trincheira dos ditadores? Da nossa parte, repudiamos Kaddafi e sua sanguinária, truculenta, assassina e pró-imperialista ditadura, da mesma forma que rejeitamos a ingerência da OTAN e de qualquer intervenção imperialista, que, montados na fragilidade política dos rebeldes e na confusão de setores da esquerda, procuram aparecer como salvadores e democratas aos olhos dos povos da região e das massas do mundo. Quando na realidade os diversos imperialismos foram apoiadores e beneficiários desse regime, que abandonaram uma vez que viram a inevitabilidade de sua derrubada, e intervêm precisamente para evitar que seja o povo em armas que cumpra a tarefa, pois isso sim faria perigar seus interesses!
Não duvidamos que o centro da política imperialista agora para Líbia é a “democracia”: buscar “normalizar” o mais rapidamente a situação, dando o canal da institucionalidade burguesa para desmontar o poderoso ascenso de luta do movimento de massas. Afinal, este foi o caminho escolhido pelo imperialismo e as burguesias nacionais para desmobilizar e desmontar as situações explosivas da luta de classes, uma vez derrotada sua política repressiva no terreno militar. Por esta via, cooptaram partidos e direções no mundo inteiro e recuperaram o controle da situação, como foi o caso da Nicarágua. O que nem com a utilização da guerrilha contrarrevolucionária conseguiram, conquistaram através das eleições! Para isso, na Líbia, tanto os dirigentes do CNT, quanto o imperialismo, centrarão numa tarefa crucial do ponto de vista dos interesses burgueses: o desarmamento do povo armado, o fim das milícias. Os socialistas, no entanto, devemos ser os maiores defensores de que se mantenham as milícias, contra toda tentativa de desmontá-las, pois somente dessa forma poderão continuar a mobilização pelo real poder do povo, pela democratização verdadeira para a maioria da população explorada, e pelas medidas econômicas de ruptura imprescindíveis para melhorar a vida da população trabalhadora e/ou desempregada.
Mas a visão dos companheiros, que chamam de “reflexiva” é globalmente equivocada. O texto define que é na Europa onde existem maiores possibilidades de construir uma alternativa de massas anticapitalista. Para a continuação alertar que quando há crise, mas não existem referências de massas alternativas à esquerda, todo termina em triunfo da direita, do fascismo e da xenofobia, colocando como exemplo a crise de 29 e o triunfo do nazismo na Alemanha. Ou seja, para os companheiros as crises são perigosas, e esta que estamos atravessando particularmente é mais ainda, pois ao não existir uma esquerda socialista mundial forte o mais provável é que descambe para a direita!
A este raciocínio respondemos, em primeiro lugar, que sempre que há crise se abre a oportunidade de disputar por superá-la tanto do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores e do povo como do ponto de vista do capital; ao contrário quando não há crise e prima a estabilidade, o crescimento econômico e o controle político os socialistas tem que privilegiar tarefas de acúmulo e de maior peso na propaganda. A crise é, portanto uma oportunidade, pois o capital tem dificuldades de resolvê-la da forma tradicional. Também, que sempre que há crise econômica, social, e ascenso das lutas, existe polarização social entre direita e esquerda, os dois se postulando para resolvê-la. Estranho seria se não existisse. Finalmente, a existência de alternativas socialistas de massas não é garantia do triunfo, pode ser derrotada também, pois isso dependerá da luta de classes e de uma política correta. Neste sentido, os companheiros esquecem que na crise da década de 30 na Alemanha, a socialdemocracia e o partido comunista, nessa ordem, eram fortíssimos, com peso de massas. Mas infelizmente, a política do Partido Comunista da URSS, na época já controlada pela burocracia stalinista, teve políticas que ajudaram o triunfo do nazismo, pois durante um período definiram que o inimigo principal a enfrentar era a SD e não o nazismo que avançava, e posteriormente, quando Stálin fez um pacto de não agressão secreto com Hitler confiando em que este o respeitaria!
Os companheiros, argumentando que a situação mundial é desfavorável, têm colocado em plenária que hoje “há menos socialistas no mundo”. Da nossa parte, afirmamos: É verdade, há menos pessoas que acreditam nos chamados partidos socialistas e nos falsos comunistas. A razão disto é que estão sentindo na pele as traições e a aplicação dos ajustes neoliberais aplicados pelos governos chamados socialistas na Grécia, em Portugal, Espanha, ou França na época. Porque suportaram o ajuste por parte do trabalhismo inglês, e porque não enxergam no governo Putin, herdeiro do “comunismo” russo, nem nos ditadores capitalistas chineses do partido comunista alternativas que possam favorecer os trabalhadores e os povos. Até na Bolívia, onde sucessivas insurreições levaram um camponês ao governo, que se declara socialista, este está descumprindo todos os compromissos de defesa da nação, dos recursos naturais, dos índios e da natureza. A Constituição reformada através de uma Assembléia foi mudada pelo pacto assinado por Evo Morales com a direita fascista de Santa Cruz, acabando com a possibilidade de reforma agrária nas terras do latifúndio e preservando o interesse das multinacionais do petróleo, por pressão direta de Lula e da Petrobrás. Nestes dias estamos acompanhando um duro confronto, visto que comunidades indígenas e camponesas enfrentam Evo, pois este, como parte do IIRSA (Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana) está construindo uma rodovia que atravessa montanhas, vales, rios, florestas, acabando com comunidades indígenas e terras que deveriam ser protegidas. Tudo realizado pela empreiteira OAS, com créditos do BNDES e inaugurado por Lula. Enquanto isso, os indígenas e camponeses que com suas famílias iniciaram uma longa marcha até a capital, são chamados de agentes da direita e reprimidos com polícia e tropa de choque do partido de governo. Como desta forma vão continuar acreditando naqueles que se dizem “socialistas”?
Mas por sua vez, a experiência concreta está aproximando cada vez mais setores de massas a aspectos fundamentais do verdadeiro programa socialista: estão aprendendo que não podem mais confiar nos parlamentos e cada vez mais devem apostar na sua ação direta; na Grécia vão às ruas com cartazes que dizem: “Não a um mundo de banqueiros e patrões”, e “sim a um mundo de democracia direta e justiça popular”. Chegam à conclusão que esta democracia do capital é falsa e está a serviço dos donos do poder econômico; começam a defender o não pagamento das dívidas que estão afundando seus países e fundamentalmente as economias populares e rejeitam os políticos, pois a única política que conhecem é a “política de negócios”, seja dos capitalistas ou de falsos socialistas e comunistas.
No entanto, a visão do texto que estamos discutindo leva a uma lógica política que se apresenta posteriormente com clareza, no programa e nas tarefas.
Da nossa parte, afirmamos que as revoluções democráticas que triunfaram nos países do norte da África, são triunfos poderosos que mudaram a correlação de forças que precisamente a burguesia e o imperialismo tentam reverter. Mas no marco da crise da economia mundial, ao não haver espaço para concessões de tipo econômicas, e também não haver espaço para regredir à novas/velhas ditaduras, a disputa continuará aberta por outros caminhos e reivindicações. Continuarão as tarefas democráticas pendentes como a punição aos assassinos do regime deposto, e a ampliação dos direitos da população, mas combinadas com as demandas econômicas e de defesa do nível de vida dos povos. Isto ajudará a fazer a experiência com a falsa democracia que tentarão impor os que estão no poder seja militares ou civis, ajudando a esclarecer quais sãos as tarefas a cumprir para soluções de fundo aos dramáticos problemas dos trabalhadores, da juventude e do povo explorado e pobre. Nesse processo, sem dúvida que existe maior espaço para o fortalecimento de uma alternativa de esquerda e de massas, uma alternativa verdadeiramente socialista.
2 – As revoluções do Século XX e a concepção do Estado
Os companheiros, na sua interpretação do fracasso das revoluções do Século XX, definem que o que fracassou foi em primeiro lugar a ditadura do proletariado, em segundo lugar o terror (a violência) e finalmente as expropriações, que se foram importantes na Rússia e em Cuba, hoje “provocariam um banho de sangue sem precedentes”. Por isso, a proposta do texto, chamada de novo socialismo do século XXI é clara: Com base num amplo processo de negociação social se trata de disputar a hegemonia com eixo na democracia e na liberdade, lutando contra as adversidades durante um longo período histórico até derrotar a hegemonia ideológica das classes dominantes. Sendo que, de acordo com os autores, as propostas erradas da maior parte da esquerda mundial podem contribuir para que o impasse se prolongue favorecendo saídas reacionárias e finalmente o triunfo da barbárie.
Mas, da nossa parte perguntamos aos companheiros: qual o significado da formulação ditadura do proletariado? Por acaso a horrorosa ditadura contra o proletariado que impôs a burocracia estalinista nos países do chamado “socialismo real”?
Pois bem, a proposta dos marxistas não é outra que o governo dos trabalhadores, dos camponeses e dos setores populares, que deverá se impor derrotando a violência da classe dominante, e deverá reprimir os levantes contrarrevolucionários das classes dominantes derrotadas que jamais renunciaram nem renunciarão aos seus privilégios através de nenhuma “negociação” como nos propõem os companheiros. Não tem classe nem setor mais pacífico que os trabalhadores, o povo e os socialistas, assim como não tem classe mais agressiva e violenta que a capitalista, que continua provocando banhos de sangue para se manter no poder político e econômico.
O “socialismo real” fracassou não por excesso de expropriação, mas por burocratismo, por usar o controle da nova economia expropriada para usufruir privilégios particulares monstruosos, para finalmente, abandoná-la para se converter em donos das empresas, das terras, etc. como vemos hoje na Rússia, no leste europeu, no Vietnã ou na China, e como também está acontecendo infelizmente em Cuba.
Não fracassou por ter utilizado a violência ou o terror. O problema é que a violência foi utilizada contra o povo, contra a vanguarda que fez a revolução, e não por acaso a burocracia da União Soviética massacrou o comitê central do Partido Bolchevique, fez os “Processos de Moscou” e mandou para a morte e os campos de concentração milhares e milhões de opositores e lutadores. Enquanto utilizou a violência contra o povo, a quem negou a liberdade, outorgou mais liberdade para os capitalistas, com quem fez pactos e acordos, a quem outorgou o direito de entrar e explorar como também acontece hoje em Cuba, aonde os capitais estrangeiros vão como abutres para lucrar com o turismo, o petróleo e as riquezas da ilha. A necessidade da insurreição e da violência revolucionária para responder a violência da burguesia constitui o ABC do marxismo, e por esta razão afirmamos que a proposta dos companheiros é uma proposta de ruptura com o marxismo, com o socialismo científico.
O PSOL tem a obrigação de abrir o debate sobre a concepção marxista acerca do Estado, questão crucial que ainda estabelece claras divisões entre revolucionários e oportunistas. Quando Lênin escreveu O Estado e a Revolução, em agosto de 1917 partiu de Engels e da sua obra “A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”: O Estado é o produto e a manifestação do antagonismo inconciliável das classes, e polemizando com os ideólogos burgueses e pequeno burgueses que interpretam o Estado como um “órgão de conciliação de classes” definiu de forma precisa: “O Estado é sempre o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante que se torna, por isso mesmo, politicamente dominante, o que lhe possibilita novos meios para explorar a classe dominada”.
Um dos traços característicos do Estado burguês que define Lênin é que não pode ser reformado nas suas características centrais. Por esta razão, para acabar com a exploração e iniciar o caminho do socialismo, é preciso quebrá-lo por meio de uma revolução violenta, categoricamente defendida em todo o pensamento marxista.
A revolução de 1848 na França confirmou o que no Manifesto Comunista formularam Marx e Engels: O Estado que os trabalhadores precisam transitoriamente, é o estado dos trabalhadores organizados como classe dominante para quebrar a resistência dos exploradores, minoria da sociedade, e acabar com a exploração. A Comuna de Paris, em 1871 apresentou de forma categórica quais instituições e de que tipo substituiriam o Estado burguês. Como por exemplo: substituição do exército permanente pelo povo armado; conselheiros ou deputados revogáveis a qualquer momento, salário dos funcionários, policias, deputados, etc. não poderia ser superior ao de um operário. Juízes eleitos e revogáveis; igreja deixou de ser financiada pelo Estado; a comuna legisla e executa acabando assim com o “parlamentarismo” dos políticos profissionais, dos “socialistas de negócios”, entre as mais importantes.
Qual é o caráter da “democracia” e da “liberdade” que nos apresentam os companheiros e que propõem como eixo programático para o partido? Por acaso a Democracia venezuelana, apresentada como a máxima expressão da democracia em algumas oportunidades? Claro que se a comparamos com o regime de Kaddafi ou com a ditadura chinesa, existe democracia formal no país de Chávez, o povo vota, houve uma Assembléia Constituinte que acabou com o senado e impôs a Câmara Única, o que é muito positivo e superior à democracia que impera na maioria dos países. E também houve plebiscitos. Mas isso não significa que seja o “modelo” a seguir! Acaso não é conhecida a feroz criminalização das lutas e das greves que existe no país, com dirigentes operários, indígenas e camponeses presos, perseguidos e assassinados? Não é publicamente conhecida a entrega que fez Chávez ao regime do colombiano Santos do lutador social colombiano Joaquin Perez Becerra, assim como de outros guerrilheiros das FARC e da ELN? Que exemplo de democracia é essa que apóia Kaddafi, Assad, apoiou Mubarak e Bem Ali, apóia a ditadura capitalista chinesa e manda fazer cursos aos seus burocratas sindicais junto aos sindicalistas (pelegos e patronais) do PC chinês? Não por acaso o limite das mudanças chavistas, em nome do “Socialismo de século XXI” são mantendo a ordem capitalista e os estado burguês, que continua mantendo sua essência: ser o órgão de opressão da classe capitalista.
Mais uma vez reafirmamos que o socialismo com liberdade que defendemos significa a liberdade como nunca teve o povo e todos os explorados para derrotar a inevitável reação capitalista imperialista e para poder sim acabar com a propriedade privada e a exploração.
Finalmente, não vemos nenhuma possibilidade de derrotar a hegemonia ideológica das classes dominantes se não se mudam as condições materiais de vida do movimento de massas. Ou acaso o socialista deveu trabalhar para contar com os meios materiais e financeiros que nos possibilitem enfrentar em igualdade de condições a imprensa e toda a mídia da burguesia; seus aparelhos ideológicos como a educação, as diversas igrejas; a indústria cultural; suas instituições de poder etc.? Pois se for assim, não só será um trabalho que durará muitos anos, como será diretamente impossível.
A “hegemonia” que podemos conquistar os socialistas é a hegemonia dentro dos trabalhadores e dos setores explorados, no movimento de massas, propondo-lhes nossa política, para enfrentar os patrões e o governo, para derrotar as diversas burocracias sindicais e políticas, em uma palavra para derrotar o aparelho fundamental que contribui para formar sua falsa consciência: os burocratas sindicais traidores, os dirigentes vendidos, os partidos reformistas e traidores, como em nosso país é o PT. Assim como batalhamos contra a direção da CUT e da FS e propomos outro programa e formas de organização democráticas onde as bases devem decidir; ou como batalhamos no movimento estudantil propondo derrotar o PCdoB conformando uma oposição de esquerda que deve apresentar alternativas programáticas e de formas de luta. E como batalhamos e devemos continuar batalhando no país, para derrotar a política de exploração e miséria do PT, buscando tirar da influência deste partido a maioria do povo, sem deixar de combater a falsa oposição da velha e derrotada direita. A batalha então é essencialmente política, através de nosso programa e de nossa vinculação direta com o movimento de massas.
Mas, os que poderão transformar a sociedade, os trabalhadores, populares, os jovens, os desempregados, os camponeses o farão sem abandonar seus preconceitos religiosos, seu machismo, seus preconceitos culturais ou de sexo, tabus familiares, etc. todas falsas consciências com que educa o capitalismo para manter sua “hegemonia”. Falsas consciências que desaparecerão sim em um processo mais evolutivo, quando deixe de existir a base material atual, e os povos possam ter livre acesso à cultura, a um nível de vida decente com satisfação de suas necessidades básicas, sem necessidade do trabalho brutal, extenso, mal pago e alienante para finalizar depois afogando suas mágoas na cachaça, na igreja ou batendo na esposa e nos filhos.
O papel do partido socialista e revolucionário é insubstituível não por combater durante décadas a hegemonia burguesa desde o parlamento, mas porque deverá ser capaz, através da luta, de sua ação e de suas propostas, de convencer o movimento a abraçar seu programa e sua política. Utilizando o parlamento a serviço desta tarefa estratégica, para o qual pode e deve cumprir um papel muito importante.
O problema fundamental do texto é que nos propõe deixar de propor aos trabalhadores três pontos fundamentais da estratégia socialista: 1 – que somente através de seu próprio governo poderão acabar com a miséria, as guerras, a exploração. 2 – que para isso vai ter que ter muita luta e organização, pois a burguesia jamais se deixou nem se deixará tirar o poder político e econômico sem lutar de forma violenta. 3 – que deveremos expropriar as grandes empresas, bancos, multinacionais, agronegócio, empreiteiras, para que funcionem sob controle dos trabalhadores e usuários, e que dessa forma organizaremos a economia de baixo para cima, pois enquanto não façamos isso, não solucionaremos nenhum dos problemas que existem.
Infelizmente os companheiros substituem estes três aspectos pela “negociação” e a luta pacífica parlamentar, centrada na institucionalidade, na “gestão” do Estado burguês, e através de uma luta de décadas para disputar a hegemonia ideológica da burguesia sobre o movimento de massas.
3 – Um Brasil mais instável
Quando o texto dos companheiros aborda a política nacional, o faz dentro desta visão e dentro destas propostas, que ficam mais claras uma vez que as baixam à terra.
Na mesma visão derrotista da realidade mundial, apresentam o governo Dilma de forma imutável, mais forte ainda que o governo Lula, fortalecido inclusive pela “faxina”. Definem o regime como estável, blindado e favorecido pela crise mundial, prevendo desde agora que a correlação de forças se manterá até as eleições de 2014. Pelo qual nos propõem assumir o Programa Democrático e Popular abandonado pelo PT, e preparar desde já uma fórmula presidencial para conquistar um governo com “participação popular que tire os instrumentos do poder das mãos do grande capital”, sendo que esta tarefa que definem como democrática, será realizada pela via eleitoral e de forma negociada. Daí que propõe também ampliar as alianças a setores do PT, PCdoB, PDT, PSB, PV e PPS, chegando finalmente a Marina Silva. Esta por sua vez, é definida não pelo seu programa que eles mesmos reconhecem como conservador e continuista, mas pela sua imagem frente à população!
Vejamos se esta é a realidade. A nove meses de ser eleita, a sucessora de Lula perdeu nada menos que cinco ministros, quatro dos quais por denúncias de corrupção. Não caíram pelo ímpeto anticorrupção da “faxina” da presidente, mas porque as denúncias na imprensa fizeram insustentável sua situação. A nova presidente que se elegeu somente por ser indicada por Lula e não por méritos próprios, enfrentou desde fevereiro a maior onda de greve começada com Jirau e as greves que pipocaram no país inteiro nos canteiros de obras do PAC; ferroviários de SP, bombeiros, servidores públicos federais, estaduais e municipais, rodoviários e policiais, seguida agora pelas de correios e bancários, construção civil dos estádios das Obras do Maracanã e do Mineirão. Tanto que na sua viagem a MG pra inaugurar o relógio que marcou os mil dias para o começo da copa de 2014 foi recebida pelos grevistas da construção civil com faixas da greve; pelos grevistas dos correios e por professores que se encadearam para protestar e que já estão no terceiro mês de greve! Todo um recorde! Por sua vez, a juventude estudantil saiu à luta contra o aumento das tarifas de ônibus no PI e ES sendo que no mês de setembro foram ocupadas as reitorias de numerosas universidades exigindo verbas para educação e para solucionar os problemas concretos de falta de professores, salas de aula, RU etc. E no dia 7 de Setembro, a Presidente teve que enfrentar a maior manifestação contra a corrupção em Brasília, convocada espontaneamente por setores da população.
Isso é assim porque o Brasil não está blindado frente à crise mundial, e aplica a mesma receita que manda o figurino do capital: ajustes contra o povo! Por isso cortou 50 bilhões do orçamento; por isso privatiza os hospitais universitários e os aeroportos; por isso aumentaram as tarifas de transporte, energia, e serviços em geral enquanto aumenta também o preço dos alimentos; por isso congelaram praticamente o salário dos servidores públicos e deram um pífio aumento no salário mínimo; por isso se acentua a crise da saúde publica, por isso enquanto aumenta a inflação, a perspectiva do país é crescer menos e não mais, e ter menos emprego e não mais, e que haverá menos salário e não mais, ao contrário do prognóstico dos companheiros no seu texto. Todos estes elementos são a base fundamental da instabilidade social, das lutas que aumentam e do enfraquecimento da presidente, que não tem nem o carisma, nem a trajetória, nem a habilidade que tinha o presidente Lula para lidar com estas situações. Em síntese: temos que preparar o PSOL para mais greves como a dos bombeiros; para explosões espontâneas como as de Jirau; para greves longas como a dos professores; para marchas e atos contra a corrupção como em Brasília; para mais ocupações e lutas nas universidades. Preparar o partido com política, propostas, instrumentos como panfletos, cartazes, e a presença constante de nossos parlamentares como foi no Rio com os bombeiros onde Marcelo e Janira cumpriram um excelente papel.
É neste contexto que devemos nos preparar para as eleições de 2012, processo que deve estar subordinado e à serviço de nossos objetivos estratégicos, para fortalecer as lutas e mobilizações que começaram; para convencer o povo que deve confiar cada vez mais nas suas próprias forças e na sua ação, para ajudar a derrotar a política econômica de FHC/Lula/Dilma/PMDB e toda sua base aliada. E nossas propostas, longe de se limitar aos problemas democráticos ou a luta contra a corrupção, que tem imensa importância, deverá apresentar medidas econômicas alternativas para sair da crise: a auditoria e o fim do pagamento das dívidas – estatização do sistema financeiro e dos setores fundamentais da economia – reajuste salarial de acordo com a inflação e salário mínimo de acordo com as necessidades populares – reforma agrária e urbana; nenhuma verba para a saúde e educação privadas, aumento para a educação e a saúde publica, entre outros. E, sobretudo, orientando o partido a participar cada vez mais ativamente nas lutas e na resistência operária e popular.
Mas os companheiros nos apresentam o caminho inverso, que não por acaso é o mesmo que seguiu o PT, com a diferença que o PT e Lula ganharam prestígio e reconhecimento dirigindo todo o movimento operário e de massas do país, enquanto que o PSOL é ainda um pequeníssimo partido que está dando seus primeiros passos, com frágil inserção social e política no movimento e com pouca militância organizada.
4 - O Programa Democrático e Popular (PDP), o Programa do PSOL e as alianças para 2012
O PDP não terminou por acaso no giro ao neoliberalismo. É evidente que grande parte de suas propostas, sobretudo dos primeiros anos do PT, eram muito positivas. Nosso questionamento dele não é por tal ou qual medida, que são discutíveis, mas porque o PDP se apoiava fundamentalmente na lógica institucional e eleitoral para alcançar o poder e fazer as mudanças prometidas. Para essa lógica, era inevitável que devia ir se rebaixando o programa, como o fez o PT, e nessa lógica se compreende a ampliação das alianças que começou com o PSB e o PCdoB para terminar hoje com o PMDB como vice!
Mudando assim a estratégia do PSOL os companheiros nos propõe um novo programa baseado não na luta, mas na “negociação”. Oposto pelo vértice ao que diz nosso programa:
“Assim, a defesa do socialismo com liberdade e democracia deve ser encarada como uma perspectiva estratégica e de princípios. Não podemos prever as condições e circunstâncias que efetivarão uma ruptura sistêmica. Mas como militantes conscientes que querem resgatar a esperança de dias melhores, sustentamos que uma sociedade radicalmente diferente, somente pode ser construída no estímulo à mobilização e auto-organização independente dos trabalhadores e de todos os movimentos sociais. [...] Uma alternativa global para o país deve ser construída via um intenso processo de acumulação de forças e somente pode ser conquistada com um enfrentamento revolucionário contra a ordem capitalista estabelecida.”(Programa do PSOL)
Também nosso programa é categórico ao definir que as reformas como a agrária, a tributária que taxe o grande capital, a reforma urbana e a conquista de melhores salários, emprego e o fim da corrupção “não se realizam plenamente nos parâmetros do sistema capitalista”.
Como também nosso programa é categórico quando rechaça a conciliação de classes: “3) Rechaçar a conciliação de classes e apoiar as lutas dos trabalhadores. Nossa base programática não pode deixar de se pautar num principio: o resgate da independência política dos trabalhadores e excluídos. Não estamos formando um novo partido para estimular a conciliação de classes. Nossas alianças para construir um projeto alternativo têm que ser as que busquem soldar a unidade entre todos os setores do povo trabalhador – todos os trabalhadores, os que estão desempregados, com os movimentos populares, com os trabalhadores do campo, sem-terra, pequenos agricultores, com as classes médias urbanas, nas profissões liberais, na academia, nos setores formadores de opinião, cada vez mais dilapidadas pelo capital financeiro, como vimos recentemente no caso argentino. São estas alianças que vão permitir a construção da auto-organização independente e do poder alternativo popular, para além dos limites da ordem capitalista. Por isso, nosso partido rejeita os governos comuns com a classe dominante.”
Mais uma vez, o texto dos companheiros nos propõe um caminho inverso: rebaixando nosso programa, nos propõem que o centro deve ser a luta institucional; o fundamental não é a luta e a ação direta, mas a negociação (o que significa a conciliação, pois ao negociar tem que se considerar os interesses do interlocutor) e a política de alianças está subordinada a esta estratégia negociadora. Daí a proposta de ampliar as alianças para partidos da base governista, formulada como setores do PT, do PCdoB, do PSB, e até com setores vinculados tradicionalmente a antiga direita tucana, como o PV e o PPS. Há companheiros que consideram vitoriosa a tática do senador Randolfe de se aliar com o corrupto PTB para conquistar sua vaga. Sem ver que caso se insista nessa direção, o PSOL definirá o caminho inevitável da sua degeneração.
Destes objetivos se deriva o critério de partido que propõem: já não contam mais os militantes, mas os filiados, que pelo simples fatos de assinar uma ficha, passam a ter o poder de definir programa, estratégia, tática e direção. E com o argumento de um partido amplo, e de não sermos sectários, abandonam por completo o elementar de um partido que se reivindica socialista: que deve haver compromisso com os interesses da classe trabalhadora e com o programa do partido para poder ter direitos e sobre tudo para ser expressão publica dele.
Até o PT no seu Manifesto inicial defendia que: “Queremos um partido amplo e aberto a todos aqueles comprometidos com a causa dos trabalhadores e com seu programa”.
Ouvimos com surpresa até a proposta de nos aliar com Wagner Montes para garantir a eleição de Marcelo Freixo para a Prefeitura do Rio! Entendemos que no nosso trabalho parlamentar é lícito e necessário buscar apoios para nossos projetos e propostas. Nesse sentido, fazer acordos até com parlamentares da extrema direita é licito, em torno de aspectos pontuais que possam ajudar o povo. Por exemplo, tivemos acordos pontuais com Clarissa Garotinho para apoiar a luta dos bombeiros. Outra coisa e nos aliar para governar, apresentando estas figuras como parte do projeto dos socialistas, legitimando este ou outros bandidos que fazem a tradicional “política de negócios”. E não passa pela cabeça de ninguém nos aliar com a filha de Garotinho para disputar o governo do Rio.
Com Marcelo Freixo, temos a possibilidade de disputar a Prefeitura do Rio, o que será o maior desafio de todo o partido em 2012. Mas é errado tentar nos aliar com Gabeira pensando nos votos, sem ver que não temos nada em comum com ele. Não por acaso foi criticado ferozmente pelo candidato do PSOL ao governo do Estado, corretamente o acusando de ser o “ex Gabeira” uma vez que era aliado dos tucanos. Vamos dizer agora que Gabeira mudou de novo? Ou é um setor do PSOL que está mudando?
Se caímos na vala comum dos “negócios” buscando alianças em troca de financiamento ou segundos na TV entraremos inevitavelmente na lógica do capital iniciando o caminho de nossa derrota como alternativa.
Infelizmente, os companheiros, sem nenhuma discussão no partido, já estão aplicando sua política. Por isso, fomos surpresos pela imprensa ao saber que os membros do DN Edilson (PE) Martiniano (GO) e Jefferson (RJ) reuniram em Brasília com Marina Silva no ato de lançamento de seu movimento por uma “nova política” em direção à sua candidatura presidencial em 2014, sendo que a imprensa noticia que Heloísa Helena a autorizou a utilizar seu nome em apoio.
Assim, os companheiros que defendem a “democracia” como critério estratégico no texto, ignoram a democracia partidária, pois comprometem o PSOL publicamente num projeto alheio, que jamais discutimos nem votamos em nenhum fórum. Pelo contrário, nos únicos fóruns legítimos do partido que houve, em 2010 foi rejeitado o apoio à sua candidatura. Ratificamos que nossa tarefa não é colaborar com as falsas ilusões de setores das massas que acham Marina lutadora, honesta e ambientalista consequente. Pois sem julgar seu caráter como individuo, seu projeto está longe de defender o “desenvolvimento sustentável com responsabilidade social”, pois não é possível defender o meio ambiente aliada com as multinacionais que o destroem ou defendendo a política econômica de FHC e Lula, como tantas vezes repetiu.
Pelas razões expostas, consideramos que o debate central é a defesa do PSOL na sua estratégia e programa. Não fizemos o PSOL para defender o Programa Democrático e Popular, nem legenda para Marina e muito menos para ser caricatura do PT.
Nenhum comentário:
Postar um comentário