Por jubileu
CPI DA DÍVIDA: a caixa preta do endividamento é aberta!
No contexto da Semana de Ação Global contra as Dívidas e as Instituições Financeiras Internacionais (IFIs), que acontece de 12 a 18 de outubro, trinta organizações, movimentos sociais e redes de diversos estados brasileiros que trabalham com o tema da dívida realizaram uma jornada de atividades com o objetivo de demandar a anulação da dívida financeira dos países do Sul e a reparação de dívidas históricas, sociais e ecológicas pelos países do Norte.
No dia 13, foi realizado, em Brasília, o seminário nacional sobre a “Atualidade do Endividamento e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Dívida Pública”. O orçamento público federal e a dívida foram os temas do debate no Café da Manhã realizado com parlamentares no Congresso Nacional, na manhã do dia 14. Este evento foi seguido por reuniões dos representantes das organizações da sociedade civil com líderes de diversos partidos políticos e integrantes da CPI.
Durante o seminário, o professor Reinaldo Gonçalves, economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ressaltou a mudança nos conceitos, na composição e dos detentores dos títulos da dívida externa e interna, considerando que, atualmente, esta última cumpre a função de dívida externa.
Ele afirmou que o problema da dívida interna é mais preocupante hoje no Brasil do que na década de 1980, e acrescentou que instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o órgão das Nações Unidas para comércio e desenvolvimento (Unctad), por exemplo, já estão estudando a nova organização financeira dos países e os impactos da dívida sobre as economias. Considerando os prazos mais curtos, os custos (altos juros) e a não tributação (no caso dos estrangeiros detentores dos títulos da dívida), Gonçalves afirmou também que a dívida interna tornou-se pior que a dívida externa.
A economista do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS) e membro da coordenação da Rede Jubileu Sul, Sandra Quintela, destacou a importância da luta dos movimentos sociais, que desde os anos 1980 vêm denunciando as ilegitimidades do endividamento dos países do Sul. Ela ressaltou o importante papel desempenhado desde os anos 1990 pelo Jubileu Sul e a importância do plebiscito da dívida, realizado no ano 2000.
Na avaliação de Sandra, deste trabalho intenso de acompanhamento, formação, mobilização e denúncia sobre a dívida, se fortalece o movimento em favor de auditorias, sejam elas cidadãs, como no caso do Brasil e em outros países da Ásia, África, América Latina e Caribe, ou oficiais como no caso do Equador (em que uma Auditoria Oficial foi realizada em 2008).
Sandra ressaltou ainda que, atualmente, os perversos impactos do endividamento causado pelas privatizações e pelo modelo primário-exportador - que prioriza o agronegócio e grande obras de infra-estrutura – gera, ao mesmo tempo, impactos imensuráveis no meio ambiente, ao clima e às pessoas. “Neste momento temos um importante desafio. A CPI da Dívida Pública abre a possibilidade de recolocar na agenda política do País o tema do endividamento externo e interno do Brasil”, afirmou Sandra.
Maria Lúcia Fattorelli, integrante da coordenação da Campanha Auditoria Cidadã da Dívida, destacou que, na atual conjuntura, onde o capital internacional vem em massa para o Brasil atraído pelas altas taxas de juros da dívida ‘interna’, pela liberdade de fluxos financeiros e pela isenção tributária, a CPI da Dívida tem o papel fundamental de analisar os impactos do endividamento sobre as políticas sociais e no desenvolvimento sustentável do País.
Segundo Maria Lúcia, no Equador, foi possível, a partir da Auditoria Oficial, suspender os pagamentos e reduzir significativamente a dívida através de negociações com os “credores” (instituições financiadoras internacionais). Ela afirmou que para que a CPI da Dívida Pública tenha êxito é fundamental a presença, a participação e a vigilância dos movimentos sociais e da sociedade civil como um todo neste processo de investigação.
No final do seminário, representantes da Rede Jubileu Sul Brasil reiteraram o compromisso de acompanhar e colaborar nos estudos dos impactos do endividamento brasileiro em diversos setores e áreas: ambiental, financeira, social, na reforma agrária, trabalho, saúde, educação, dentre outros. Desse modo será possível evidenciar aos membros da CPI da Dívida os nefastos impactos do endividamento público sobre as políticas sociais e o meio ambiente. Neste processo, muitos voluntários estão se colocando à disposição para o trabalho de análise e produção de relatório de impactos a partir da agenda de luta de cada setor.
No dia seguinte, membros do Jubileu Sul Brasil participaram do Café da Manhã com Parlamentares sobre o orçamento público, que contou com a presença de vários deputados. Neste debate, coube ao Jubileu Sul Brasil explicitar a relação entre o orçamento público e a dívida como, por exemplo, o fato de que, enquanto o governo Lula declara que a dívida não é mais um problema no Brasil, mais de 30% do orçamento público é destinado para serviços da dívida.
Para 2010 os compromissos com os juros e amortizações da dívida chegam a comprometer em torno de 50% do orçamento federal, já os gastos os direitos sociais (saúde – 4,97%, Educação – 3,88%, trabalho – 2,70% e para a reforma agrária - 0,43). Estariam reservados R$ 100 bilhões para cobertura de futuros prejuízos do Banco Central dentro dos R$ 283 bilhões reservados para juros e amortizações da dívida no próximo ano.
Durante a manhã, foram realizadas reuniões com líderes dos partidos e com parlamentares membros da CPI, durante as quais os representantes do Jubileu Sul Brasil afirmaram que vários grupos da sociedade civil estão acompanhando o processo e que vão continuar pressionando o Congresso para que a CPI seja o início de um trabalho capaz de demonstrar quem perdeu e quem ganhou com a dívida brasileira. Foi ressaltado que a CPI e as auditorias não podem ser consideradas como um fim e que são um importante instrumento - ainda mais na atual conjuntura de crises e do consequente aprofundamento das dívidas dos países do Sul.
As seguintes demandas foram colocadas: a prorrogação da CPI, prevista para terminar no dia 17 de dezembro; a realização de audiências públicas regionais, garantindo uma ampla participação qualificada da população; a realização de reuniões periódicas entre os membros da CPI e as organizações, redes e movimentos sociais; e que a CPI deve resultar na realização de uma auditoria integral e participativa da dívida brasileira, cumprindo assim com o Artigo 26 das Disposições Transitórias da Constituição de 1988, que prevê a auditoria da dívida.
Já na reunião da CPI, a representante do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Maria Dirlene Trindade Marques, destacou a necessidade de avaliar o processo de recompra de títulos da dívida com uma alta de juros de 4% a 8% e o processo de conversão da dívida externa em interna.
O deputado Pedro Fernandez, que estava substituindo o relator da CPI, o deputado Pedro Novaes, declarou que se espera que a CPI resulte na realização de uma auditoria e relembrou a auditoria da dívida externa realizada durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, na década de 30, que reduziu a dívida externa brasileira em aproximadamente 30%.
A partir destas atividades da Semana de Ação Global contra a Dívida e as IFIs, o que se evidencia é que um bom resultado da CPI dependerá de uma grande mobilização e pressão da sociedade civil.
Última modificação 16/10/2009 13:38
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