segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Uma revolução que mudou o mundo

Parabéns ao nosso companheiro revolucionário e socialista Joãozinho, que teve ótimo artigo publicado em jornal burguês de grande circulação no Estado.
Artigo esse que subsidiou o debate na UFPA sobre a queda do muro de Berlim no seu 20º aniversário.
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Em 1989 Queda do muro de Berlim marca o fim da 'velha ordem mundial'

JOÃO CARLOS SANTIAGO *Especial para O LIBERAL

Em '1989, o ano que mudou o mundo', o jornalista e escritor norte-americano Michel Meyer conta-nos que o momento decisivo do maior acontecimento da história da humanidade no final do século XX, exatamente às 11h17, da noite de 9 de novembro 1989, foi marcado por medo e tensão dos guardas da fronteira da Alemanha Oriental, principalmente no posto de Controle Charlie, a famosa travessia de fronteira no coração da Berlim da Guerra Fria. As massas se amontoavam cada vez mais, e gritavam para os guardas, que momentos antes temiam: ‘Sofort’, ‘Abram imediatamente’. O fato é que exatamente às 11h17, o chefe da fronteira ordenara aos outros soldados: ‘Alles auf’, ‘Abram tudo’, e os portões escancararam-se. De repente, não havia mais Muro de Berlim. ‘Die Mauer ist weck’, gritavam as pessoas enquanto celebravam no alto do muro, diante das câmaras, ao longo da noite. ‘O Muro acabou!’.

Assim como a 'tomada da Bastilha' foi o símbolo da Grande Revolução Francesa, a tomada do 'Palácio de Inverno' simbolizou a revolução operária na Rússia, a queda do 'Muro de Berlim' foi o símbolo da maior revolução política do final do século XX.

As revoluções políticas que ocorreram no Leste Europeu no simbólico ano de 1989 mataram dois coelhos com uma só cajadada: destruíram a velha ordem mundial acordada em Yalta e Postdam, em 1945, e também, o maior aparato burocrático da história do movimento operário mundial, o stalinismo.

Sim, foram revoluções no pleno sentido da palavra. Os construtores da 'velha ordem mundial', nenhum deles queria que o 'muro' viesse abaixo, pois ninguém sabia com certeza o que iria acontecer depois no Leste Europeu e em todo o tabuleiro de xadrez da ordem mundial. Gorbachev em sua 'Perestroika: novas idéias para o meu país e para o mundo' não admitia nem como hipótese a reunificação alemã; Erich Honecker, o construtor do 'muro' e o burocrata com mais tempo no poder, havia dito em janeiro de 1989 (9 meses antes do muro cair): 'Die Mauer bleibt hundert Jahre', na melhor tradução, 'o muro durará mais 100 anos'. George W. Bush (pai), três meses depois de assumir a presidência da república, em abril de 1989, não acreditava na pregação de Gorbachev e propunha um novo acordo com a Alemanha Ocidental para modernizar e instalar uma nova geração de mísseis Lance, com um alcance de 450 quilômetros, ao invés de 110, para se precaver de qualquer ataque dos soviéticos. E tudo veio abaixo como um castelo de areia.

Discordamos de Eric Hobsbawm, em sua 'Era dos Extremos', quando diz que 'nenhum dos regimes da Europa Oriental foi derrubado' pelas massas, e que a palavra 'revolução', apesar de ter sido aplicada aos acontecimentos de 1989-90, é 'enganadora'. Também discordamos de Michel Mayer, que em seu livro '1989 - O Ano que mudou o mundo', tenta minimizar o papel das massas no processo revolucionário, argumentando que a revolução que 'explodiria o mundo comunista' foi arquitetada por um pequeno grupo de 'piratas' não mais que 'meia dúzia', instalados no poder na Hungria; segundo este autor, 'foi lá (na Hungria) que a primeira centelha verdadeira da revolução se acendeu - não por seu povo, na forma de um levante popular, mas por um pequeno grupo de piratas...' Marx, em sua grande obra o '18 Brumário', já havia criticado essa visão da história, reapresentada por Meyer, que acredita que as mudanças na sociedade são feitas por reis, personalidades, princesas, indivíduos, conspiradores, negando o papel preponderante das classes sociais e das massas nos acontecimentos históricos. No caso dos argumentos de Hobsbawm, basta vermos a mais fantástica de todas as revoluções no Leste Europeu, a Romena, que destituiu e fuzilou Ceascescu e sua esposa; na própria Alemanha Oriental, símbolo dessas revoluções, além de derrubarem Erich Honecker, as massas derrubaram o seu substituto, um stalinista reciclado, ex-chefe dos serviços de segurança, Egon Krenz, que tentava se passar por 'bonzinho'; isso depois de um mês no poder.

Como todas as revoluções, a 'revolução política' na ex-Alemanha Oriental, e nos outros países do Leste Europeu, trouxe o signo da contradição. Que ninguém se engane: foi a maior vitória da classe trabalhadora mundial e do movimento operário. Essas revoluções derrubaram a 'camisa de força', o 'cárcere dos povos', representada pelo aparato stalinista do Kremlin, em Moscou, que controlava o movimento operário, a ponto de impedir que a Espanha se tornasse socialista na 'guerra civil' de 1931-39 ou que na França a burguesia fosse expropriada no pós-guerra. Após a unificação da Alemanha imposta 'por baixo' pelas massas, houve a primeira greve unificada dos trabalhadores estatais, em 1992. A revolução liberou forças que estavam adormecidas pelo controle totalitário dos partidos comunistas stalinistas. É por isso que foram vitórias espetaculares. Entretanto, a unificação da Alemanha, ocorrida em 1990, trouxe um alto custo econômico-social: a restauração do capitalismo no estado operário da ex-Alemanha Oriental e, por conseguinte, em todos os estados operários no Leste Europeu. O capitalismo e suas medidas neoliberais, implementadas pelos novos burocratas reciclados trouxeram a destruição de todas as conquistas de caráter socialista: monopólio do comércio exterior, pleno emprego, saúde e educação gratuitas e de qualidade, licença-maternidade de um ano para as mulheres etc.

Como foi possível que as massas destruíssem os regimes stalinistas totalitários e ao mesmo tempo perdessem suas conquistas econômicas e sociais? Aqui, a história só poderia dar razão a um homem: Leon Trotsky. Em seu livro 'A Revolução Traída' (1936), onde defendia a URSS e as conquistas da revolução de outubro e denunciava a burocracia stalinista no poder, Trotsky colocava três hipóteses para o futuro da URSS: a burocracia totalitária afastada do poder por um partido revolucionário semelhante ao bolchevismo; a segunda hipótese seria a derrubada da burocracia por um partido burguês. Na primeira, estariam garantidas as conquistas da revolução e a volta da democracia operária expropriada pela burocracia; na segunda, o capitalismo seria restaurado na URSS. Mas Trotsky colocava uma terceira hipótese, caso nenhuma das duas se concretizasse: a transformação da burocracia em uma nova classe possuidora.

Apesar do heroísmo das massas na ex-Alemanha Oriental e no Leste Europeu, elas não conseguiram forjar um partido que garantisse a continuidade das conquistas da revolução, ao derrubar a burocracia do poder. Esse foi o problema-chave e que explica a restauração capitalista no Leste e na ex-URSS, e que faça com que a ex-Alemanha Oriental tenha o dobro de desempregados de toda a Alemanha e uma renda per capita 30% abaixo da Alemanha do Oeste, quando antes não havia desempregados e havia as conquistas sociais. Trotsky admitia que, com a burocracia à frente do Estado Operário soviético, um 'retorno ao capitalismo' era perfeitamente possível. Foi essa a hipótese que se confirmou: a burocracia, setores esclarecidos dessa casta transformaram-se em uma nova classe dominante e se colocaram na oposição ao velho regime tanto na ex-URSS (como foi o caso de Boris Yeltsin), como em todo o Leste Europeu , exceção apenas feita a ex-Alemanha Oriental, que foi englobada pelo Oeste capitalista.

Apesar disso, o signo maior dessas revoluções é positivo, pois o velho sonho de Marx, no Manifesto Comunista, de unir todos os proletários no mundo inteiro, está colocado novamente na Europa Ocidental, no Leste, na ex-URSS, livres das amarras de um aparelho burocrático que os impedia de se movimentar democraticamente. É positivo também pelo fato de que agora as potências capitalistas e imperialistas, tendo à frente os EUA, precisam agir no mundo sozinhos, pois perderam sua quinta coluna que lhes ajudava a controlar os processos revolucionários no mundo todo, o stalinismo. E seus problemas são enormes, pois, além de terem que controlar sua crise econômica, a pior desde 1929, tem que se ver às voltas com países independentes, como o Irã, a Venezuela, a Bolívia, o Equador, que só não avançam ao socialismo graças à herança stalinista que eles abraçam, a da 'coexistência pacífica' com o imperialismo, pois as massas têm lhes dado apoio integral.

Com o aprofundamento da crise econômica e as saídas 'socialistas' que os capitalistas estão dando para amenizá-la, com estatizações de empresas e bancos, só podemos concluir que o século XXI será o 'Século do Socialismo', com os próprios trabalhadores decidindo os seus rumos.

*João Carlos Santiago é professor de Sociologia da UFPA, doutorando em Ciências Sociais pela UFPA e Coord. Geral do SINDTIFES.

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