terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

A privatização da orla de Belém

Há cerca de um mês, o presidente da Companhia Docas do Pará (CDP), Parsifal Pontes, afilhado político do senador Jader Barbalho (PMDB), anunciou em entrevista ao jornalista Mauro Bonna no Programa Argumento (TV RBA, de propriedade de Jader), que está em "processo avançado de estudo" a privatização de toda a área da CDP em Belém. 

Sobre isso vale a leitura do artigo (abaixo) do jornalista Carlos Mendes, que não fala dessa assombrosa proposta de Pontes, mas me remeteu de imediato a ela. Segundo o presidente da companhia, que é uma autarquia federal ligada ao Ministério dos Transportes, "só tem interesse dos investidores, caso a privatização seja de todo o espaço e imóveis que compõe os metros quadrados que vai da Escadinha do Cais do Porto até o armazém 8 (Av. Marechal Hermes). 

Aliado a proposta do prefeito Zenaldo Coutinho (PSDB) e governador Simão Jatene (PSDB), que pretendem "gourmertizar" o Ver-O-Peso, tranformando-o em um shopping center da gastronomia, artesanato, etc., esses projetos representam verdadeiros atentados ao direitos dos moradores de Belém sob sua própria cidade. Há tempos que Belém está fechada para o rio. Seu povo enclausurado por empreendimentos privados que o impedem de usufruir de seus quilômetros de orla. É chegada a hora da sociedade problematizar essas questões e responder com mobilização para reverter esse processo de assalto ao patrimônio natural, social e cultural da quatrocentona Belém do Pará.

Os "donos" da orla de Belém. E nós

por Carlos Mendes

Um local excelente, para a logística militar. O inimigo estaria de frente para a cidade e seria um alvo fácil de ser combatido. O capitão português Francisco Caldeira Castelo Branco, ao fundar Belém, tinha na cabeça a estratégia de defesa da cidade  em caso de ataque por conquistadores franceses, holandeses e espanhóis. O que ele não imaginava, porém, é que, 400 anos depois, a orla que ele tanto queria proteger, para permitir que o morador da cidade visualizasse o inimigo da Baía do Guajará ou do Rio Guamá, fosse tomada de assalto por empresas, madeireiras, portos clandestinos e até prédios de 40 andares. 
Pois é isto a que foi reduzida a orla da capital, hoje literalmente privatizada nas barbas do Poder Público - ou com a conivência deste. Não cabe jogar a culpa pelo fato aos colonizadores portugueses. Fomos nós mesmos, nativos ou por adoção, os dilapidadores do patrimônio natural que herdamos. A possibilidade de contemplação da bela paisagem nos foi roubada e nós, moradores, nada fizemos contra isso.
A ocupação da orla por grandes empresas é ilegal e imoral. Não possui nenhuma sustentação jurídica. Ou seja, tudo poderia ser derrubado e os invasores obrigados a indenizar o Município. Um estudo feito e publicado em livro em 2005 pelo geógrafo e professor Saint-Clair Trindade Jr. em parceria com Marcos Alexandre P. da Silva em forma de coletânea de artigos, intitulado 'Belém: a cidade e o rio na Amazônia', desnuda o problema.

Os números dessa ocupação desordenada impressionam: uso residencial (em geral, são residências de pessoas de baixo poder aquisitivo): 4,23%; industrial (principalmente indústrias madeireiras, mas também outras como castanha, bebida etc): 12,26%; comercial (atacado e varejo, principalmente): 34,67%; recreação, lazer e turismo (seriam, aqui, bares, restaurantes, espaços de lazer etc): 4,23%; serviços (aqui seriam sobretudo estações hidroviárias de passageiros): 20,51%; institucional (o campus da Universidade Federal do Pará é um exemplo significativo, e positivo, dessa ocupação): 4,65%; feiras e mercados (alguns exemplos bem conhecidos são o Porto da Palha, Ver-o-Peso, Feira do Açaí etc): 1,90%; misto: 33%; aglomerados multifuncionais: 2,96%; subutilizado ou não utilizado: 8, 67%; outros: 3,59%. Eis a distribuição do espaço na orla de Belém.

Não tem sentido viver na Amazônia sem poder contemplar o rio, receber no rosto a brisa que sopra da baía do Guajará e do rio Guamá. A expropriação dos espaços públicos foi tão grande e impune que algumas empresas avançam com seus portos sobre a baía, como faz o Grupo Chibatão, de Manaus, localizado na rodovia Artur Bernardes. Tudo sem que o Serviço de Patrimônio da União (SPU) ou a prefeitura de Belém movam uma palha sequer.

Já passou da hora de se fazer alguma coisa. A campanha eleitoral para prefeito de Belém vai começar. Mas, por favor, sem demagogia, promessas que não podem ser cumpridas, ou arroubos de candidatos em busca de votos. A ocupação ilegal da orla está na pauta.

O blog Ver-o-Fato será implacável na cobrança. A orla precisa ser devolvida ao verdadeiro dono: o morador de Belém.     
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Carlos Mendes edita o blog Ver-o-Fato

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