terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Em memória de Lenin

Lênin discursando, 1920
“Lenin já não existe, mas temos o leninismo. O que havia de imortal em Lenin – os seus ensinamentos, o seu trabalho, os seus métodos, o seu exemplo (Leon Trotski, 22 de Janeiro de 1924)

Por Diego Vitello*


Em 21 de janeiro de 1924, morria aos 53 anos Vladimir Ilitch Ulianov, que entrou para história conhecido como Lenin. O primeiro Estado Operário da história da humanidade perdia seu principal dirigente. A primeira revolução operária vitoriosa, que iniciou em todo mundo uma nova época, perdia seu principal arquiteto.

Vladimir Ilitch nos deixou uma obra imensa, que mostra claramente um marxismo para ação revolucionária. A teoria marxista é, para Lenin, um guia para a ação. Toda sua obra é escrita a partir das necessidades das estratégias e táticas da revolução proletária em seu tempo. Lenin escreveu obras geniais de economia como O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia e Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, de filosofia como Materialismo e Empiriocriticismo, além é claro de milhares de páginas sobre tática e estratégia política. Sempre buscando de forma obcecada construir o partido revolucionário do proletariado e fortalecer a consciência de classe dos trabalhadores para que estes pudessem derrubar a burguesia, governar e construir o socialismo, uma sociedade dirigida e organizada democraticamente por trabalhadores.

Os escritos de Lenin praticamente não são ensinados em nossas universidades. Este homem de ação, que dirigiu a primeira revolução operária da história, que influenciou e moveu a vida de milhões de homens durante todo século XX, que formulou a teoria de um partido político que foi reivindicada por milhões de militantes operários ao longo dos últimos 110 anos, é conscientemente “esquecido” pela academia.

Lenin e o partido político operário revolucionário
Uma das maiores contribuições de Lenin à luta da classe operária, foi a elaboração da concepção de partido. Em 1902, já como um dos principais dirigente do POSDR(Partido Operário Social-Democrata Russo), Lenin escreve sua obra Que Fazer? onde formula a concepção de um partido centralizado democraticamente e para a ação. Um partido da classe operária, que levasse a consciência de classe para as lutas que surgiam espontaneamente nas fábricas. Um partido que deveria construir-se inserindo os seus militantes nos locais de trabalho para fortalecer, aprender e dirigir as lutas dos trabalhadores. Esse instrumento político deveria refletir em seu programa as tarefas históricas da classe operária e em sua atuação cotidiana ter o eixo onde esta classe estivesse concentrada. Apesar de a Rússia ser um país que continha 80% de sua população formada por camponeses, o partido dirigido por Lenin quis conscientemente ser um partido de base social operária concentrado sobretudo nas grandes fábricas de Petrogrado e Moscou, refletindo um método profundamente marxista que tinha na classe operária o eixo da luta pelo socialismo.
Em sua concepção de partido Lenin elaborou a categoria do revolucionário profissional, militante cujo eixo de vida seria a dedicação à atividade revolucionária. A organização revolucionária deveria ter como sua “coluna vertebral” companheiros e companheiras que fossem revolucionários profissionais. Para Lenin, estes militantes precisavam de uma dedicação exclusiva, combinando estudo da realidade com a ação revolucionária de forma permanente.

Em Que Fazer? Lenin polemiza com os “economicistas” que queriam limitar a classe operária às lutas econômicas e sindicais. Esta limitação, que também era e é até hoje difundida pelos anarquistas e reformistas de toda espécie, significa subordinar a classe trabalhadora à burguesia. Segundo Lenin, os trabalhadores não podem apenas lutar para atenuar sua exploração e vender de forma mais vantajosa sua força de trabalho, é preciso lutar pelo poder político para derrotar a burguesia e acabar de vez com a exploração. A partir do partido revolucionário, Lenin propunha que os trabalhadores participassem ativamente da luta política na Rússia e no mundo, tendo em vista que a solução final de seus problemas só poderia vir com a tomada do poder e a derrubada da burguesia.

Para Lenin, a luta entre os partidos mostrava um alto grau de desenvolvimento da luta de classes. Os partidos, ele classificava como representações superestruturais dos interesses de cada classe social. Criticando o “revolucionarismo sem partido” ele coloca: “Numa sociedade baseada em classes, a luta entre as classes hostis converte-se de maneira infalível, numa determinada fase de seu desenvolvimento, em luta política. A luta entre os partidos é a expressão mais perfeita, completa e acabada da luta política entre as classes.” (O Partido Socialista e o revolucionarismo sem cunho partidário, 1905).

Em meio a uma nova “onda” que existe dos “anti-partido”, que negam na prática a necessidade da classe trabalhadora se organizar politicamente, o estudo da obra de Lenin e de sua concepção de partido se faz fundamental. A burguesia, consciente do quanto são “perigosas” as organizações políticas dos trabalhadores que lutem pela sua derrubada, ajuda a reproduzir e difundir ideologicamente a ideia do “anti-partidarismo” até os dias de hoje. Não à toa, durante grande parte da história do século XX, os partidos da classe trabalhadora foram proibidos, censurados e tiveram seus militantes perseguidos e assassinados pelos mais distintos tipos de regimes burgueses.

O primeiro governo de Frente-Popular na história e o combate de Lenin

Os governos de Frente-Popular ou de conciliação de classes, sempre geraram inúmeras polêmicas entre as organizações operárias e de esquerda. No movimento operário russo não foi diferente. Ao longo do século XX e nos inícios do nosso século, o fato de partidos de origem operária formarem governos em comum com a burguesia, sempre levou a governos burgueses para administrar as crises do capitalismo, beneficiando a classe capitalista e não a classe operária.

Lenin enfrentou o primeiro governo deste tipo em seu país. Em fevereiro de 1917, uma revolução derruba o czarismo e leva ao poder um governo de coalizão formada fundamentalmente pelo partido socialista revolucionário, pelos mencheviques (setor reformista do partido operário socialdemocrata russo) e o partido Cadete, liberal-burguês. A prática desastrosa dos mencheviques no governo, se chocando permanentemente com as reivindicações dos trabalhadores, mostrou que governar com a burguesia é sinônimo de governar para ela. Neste contexto, Lenin volta do exílio e elabora as famosas Teses de Abril, onde propõe que o proletariado russo lute para derrubar o governo de coalização de classes e implemente um governo seu, sem participação de nenhum setor burguês. Ao mesmo tempo, Lenin ainda sustenta uma dura batalha no seio do próprio partido bolchevique, quando Stalin e Kamenev, que estavam à frente do trabalho partidário na Rússia, defendiam o “apoio crítico” ao governo.

Em meio a novos governos de frente-popular e a rendição da ampla maioria da esquerda a eles, os ensinamentos do velho dirigente bolchevique seguem atuais. Os que apoiam governos de conciliação de classes na Venezuela, Bolívia, Equador e agora também no Uruguai, onde setores burgueses governam ao lado de organizações de origem na classe trabalhadora, nada mais fazem do que reproduzir a velha teoria menchevique de governar em conjunto com a burguesia que Lenin derrotou há quase um século. Assim como Stalin fez após a morte de Lenin, muitos hoje tergiversam a obra de Lenin para apoiar este tipo de governo. Estes setores da esquerda nada mais fazem do que entrar em um beco sem saída, pois não conseguem explicar porque Lenin não apoiou o governo de conciliação de classes em seu país. O maior empreendimento histórico de Lenin em vida foi justamente o de dirigir a derrubada do governo de frente-popular varrendo também do poder os partidos operários que tinham optado pelo “caminho mais fácil” para chegar ao poder. O partido bolchevique de Lenin, mesmo quando ainda as massas trabalhadoras da Rússia apoiavam o governo de coalização de classes e o partido menchevique dirigia politicamente a maior parte dos operários, soube nadar contra a corrente. Defendeu intransigentemente a independência de classe dos trabalhadores e “explicou pacientemente” a necessidade dos trabalhadores não se subordinarem politicamente a nenhum setor burguês, mesmo que ele tente aparecer como mais “progressivo” que outro como tentavam parecer os burgueses que apoiaram a queda do czarismo na Rússia. Lenin dizia que era preciso esperar e ajudar os trabalhadores a tirar conclusões sobre o caráter do governo a partir das suas lutas e experiências práticas. Nos meses que antecedem a Revolução de Outubro, se tornou célebre sua frase: “Não temos medo de ser minoria, a hora do bolchevismo chegará”. E de fato chegou.

O combate ao lado de Trotski contra a burocratização da URSS

Muitos intelectuais e militantes de esquerda, influenciados pela propaganda ideológica da burguesia contra Lenin, chegaram a uma conclusão completamente equivocada, de que as monstruosidades cometidas por Stalin à frente da burocracia soviética seriam apenas uma continuidade irreversível do leninismo. Este erro amplamente difundido, não leva em conta a última batalha de Lenin.
O último grande combate de sua vida foi contra o início da burocratização do primeiro estado operário. Porém, para falarmos do avanço da burocracia na URSS, é preciso contextualizar historicamente. Os bolcheviques, na sua tomada do poder em outubro, apostavam que a Revolução na Rússia seria um forte impulso a novas tomadas de poder nos países mais desenvolvidos da Europa, sobretudo a Alemanha. De fato, a simpatia e empolgação nos meios operários com as notícias que vinham da Rússia ocorreram no mundo todo. Porém, apesar de algumas tentativas, como na Alemanha em 1919 e 1923, o proletariado não logrou derrotar a burguesia em mais nenhum país. Combinado com este isolamento, o operariado russo ainda teve de enfrentar uma guerra civil onde cerca de 20 países capitalistas montaram um exército contra-revolucionário, conhecido como Exército Branco, para derrotar o governo dos bolcheviques na Rússia. Apesar da vitória na guerra, o governo soviético sofreu com um declínio brutal das forças produtivas e também com o desaparecimento de grande parte dos melhores e mais ativos operários que infelizmente tombaram em combate.

Neste período de tantas baixas, a burocracia do estado e do partido, começa a adquirir um poder muito grande. Encontra como seu chefe um antigo dirigente bolchevique, cuja obra poucos conhecem até então, Josef Stalin. Lenin, ao ver com clareza a burocratização em curso, propõe a Trotski uma batalha em conjunto contra a burocratização e contra Stalin. No seu testamento, Lenin deixa escrito que é preciso retirar Stalin do posto de Secretário-Geral: “proponho aos camaradas que pensem a forma de passar Stalin a outro posto e nomear a este cargo outro homem que se diferencie do camarada Stalin em todos os demais aspectos apenas por uma vantagem, a saber: que seja mais tolerante, mais leal, mais correto e mais atento com os camaradas...”


A morte de Lenin coloca Trotski em uma condição muito mais difícil para seguir a batalha contra a burocratização. Uma das grandes batalhas da vida de Trotski após a morte de Lenin, foi seguir esta luta que iniciaram juntos, elaborando uma obra de imenso valor acerca do tema com livros brilhantes como A Revolução Traída. A burocracia chefiada por Stalin foi feroz contra Trotski, o expulsou do partido, da URSS, e depois de pouco mais de uma década de perseguição, o assassinou. Além de Trotski, a burocracia stalinista ainda comandou o assassinato dos principais dirigente bolcheviques da Revolução de Outubro como Zinoviev, Kamenev, Bukharin, Preobrajenski, Antonov-Ovseenko, Smilga, Smirnov, entre outros milhões de deportados e assassinados..

Não temos dúvidas de que a obra de Lenin tem um imenso valor para nós, militantes socialistas que vivemos neste conturbado início do século XXI, onde a classe trabalhadora e a juventude voltam a promover, nos diversos continentes, do mundo árabe à Europa, da Turquia ao Brasil, imensas mobilizações, insurreições e revoluções e também onde milhares de ativistas surgem nas lutas sociais por todo o mundo buscando uma nova sociedade sem exploração nem opressão.

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*Diego Vitello é bancário no Rio Grande do Sul e dirigente da Corrente Socialista dos Trabalhadores - tendência interna do PSOL.

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