Barco incendiado. Foto: Divulgação
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No superficialismo da cobertura de questões que a imprensa desconhece, o conflito envolvendo os índigenas Tenharim em Humaitá, sul do Amazonas, é apenas mais um capítulo. O discurso dos meios de informação sediados no sudeste é que ali está em questão “apenas” a morte de um cacique, sucedida por uma suposta represália na forma do desaparecimento de três moradores da cidade.
A população teria incendiado um barco e carros da Funai e dois pontos de “pedágio” que os índios cobram dos veículos que passam pela Transamazônica no trecho em que esta obra faraônica corta a sua reserva. A realidade, entretanto, é outra. A começar pelo fato de que as hostilidades entre indígenas e não indígenas se iniciaram há décadas.
Em todo o sul do Amazonas, resiste um enorme racismo contra os indígenas, avança a ação subterrânea de empresas interessadas nas madeiras nobres da reserva, mas os índios estão cada vez mais organizados e resistem. Nesse cenário, falta à narrativa midiática incorporar a versão dos indígenas e de seus aliados sobre os acontecimentos. O resumo é mais ou menos o seguinte.
Eles desconfiam que o cacique Ivan Tenharim, uma liderança política importante, tenha sido assassinado e que a versão da Polícia Federal para sua morte, atropelamento na Transamazônica, seja falsa. O pedágio – que a Funai tolera porque não tem condição de fiscalizar a Terra Indígena – seria, na visão dos índios, uma compensação pelo fato de a estrada cortar sua reserva.
Há, por fim, o gravíssimo caso do assentamento 180, um conglomerado de 10 mil pessoas com pouquíssimos serviços públicos, onde funcionam mais de 100 madeireiras – todas com base em Termos de Ajuste de Conduta. O 180 é o distrito Santo Antônio do Matupi, localizado nas margens da Transamazônica, no município de Manicoré, e próximo a uma dos pontos de pedágio indígena.
Há pouco mais de um ano, o site Oeco descobriu que o 180 é o “principal pólo de desmatamento do Amazonas”. Gente envolvida com manejo sustentado de florestas na região desconfia que as madeireiras busquem ilegalmente sua matéria prima justamente na reserva, e por isso tenham aproveitado os protestos contra o desaparecimento dos três homens para atacar os indígenas organizados.
A caricatura com a qual a imprensa sudestina trata tudo que se refere à Amazônia contribui em muito para que a região continue a ser, em vários momentos, o vazio institucional onde a violência floresce na mesma proporção com que a floresta vem abaixo.
Manter a cobertura esporádica, feita pelo telefone e baseado em presupostos, desconhecendo a realizade objetiva, só estimula a inação do poder público e incentiva o bangue-bangue na região que representa mais da metade do território brasileiro.
Carlos Tautz, jornalista, coordenador do Instituto Mais Democracia – Transparência e controle cidadão de governos e empresas.
Fonte: Blog do Noblat.
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