segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Greve: jovens jornalistas deram aula de luta de classes e derrotaram oligarquia dos Barbalho

A greve dos trabalhadores do Diário do Pará e do Diário Online deixaram importantes ensinamentos e representaram as maiores conquistas econômicas e políticas da categoria dos jornalistas nas últimas décadas no país. 

Após sete dias de histórica e épica greve, conseguiram arrancar dos escravocratas do Grupo Rede Brasil de Comunicação (RBA, afiliada do Grupo Bandeirantes de Televisão): senador Jader Babalho (PMDB/PA), Jader Barbalho Filho (presidente do Diário), Helder Barbalho (candidato do PMDB ao governo do Pará ano que vem) e Camilo Centeno (superintendente do Grupo RBA) o pagamento do piso, mais 30% de reajuste imediato e mais 20% até abril/2014. Além disso, conquistaram acima de tudo algo que não tem preço: RESPEITO de todo a sociedade paraense e brasileira, que se manifestou em defesa desses talentosos, valorosos, inteligentes e guerreiros trabalhadores da imprensa.

Acerca dessa histórica vitória, vejam o que bem escreveu no facebook o jornalista Eraldo Paulino:

"Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás" Che Guevara. (Foto: Tarso Sarraf)

Assim como todos, tenho muito a dizer e escrever sobre tudo que passamos. Mas a primeira coisa a qual preciso fazer memória foi um gesto que para mim sintetiza a razão de nossos passos suados, cansativos e vitoriosos. Não lembro se era quinta ou quarta, embaixo daquela barraca estávamos partilhando comida e bebida, em mais um momento de comunhão. Havia muitos pratinhos descartáveis e muitos sacos de lixo. A Edmê Gomes servia a sopa e eu, logo após terminar, me propus a assumir a concha pra ela comer. Mas ela não quis um prato limpo, simplesmente perguntou: "foi você quem bebeu aqui?", e após ter a confirmação ela estendeu a vasilha e eu pus duas conchas e meia. A única exigência era carne sem gordura.

Naquele momento senti uma coisa mágica, uma emoção inexplicável que eu não conseguia entender, e talvez até agora não consiga, embora hoje tenha um palpite. Porém, antes desse "chute" gostaria de dizer, para quem não conhece, quem para mim é Edmê. Ela foi meu ponto de referência em todo esse movimento. A pessoa para quem eu olhava primeiro a cada votação, e quem me fazia ficar em dúvida de minhas próprias decisões quando discordávamos. Ela foi minha consciência ambulante a cada debate, a cada momento de tensão. Obvia e compreensivelmente ela nem sempre estava certa, contudo, penso, ela talvez seja uma das pessoas que mais me decifra (embora eu jamais vá admitir isso a ela). Além disso, desde quando entramos pela mesma porta na empresa através da Escola Diário de Jornalismo enxergo nela a mais perfeita tradução da coerência.

Nosso levante foi taxado (corretamente) de radical porque bebeu daquilo que é mais essencial, que vem da raiz do jornalismo: a vontade de mudar. Nós resolvemos dividir nossos sonhos no mesmo prato, e confiávamos plenamente em cada parceiro de trincheira. Tenho certeza que ela não comeria no mesmo prato de qualquer um, mas não se negaria ao de nenhum do nosso "Núcleo Duro" de grevistas - pouco mais de duas dezenas de doces vândalos. E isso é recíproco, tenho certeza. Alguns lembrarão no futuro da história que estamos escrevendo, outros lembrarão das manchetes em sites alternativos, alguns talvez de uma foto, de uma palavra de ordem, ou terão vontade de rever Saltimbancos. Contudo nós, cada um e cada uma de nós, além disso tudo lembraremos das nossas sagradas e infames partilhas e da amizade forjada na luta.

Estávamos na estrada da profissão como os discípulos de Emaús (Lc 24, 13 - 35), conforme narra a comunidade de Lucas. Estávamos tristes, confusos, perdidos, mas ao repartirmos o pão que alimenta nossa dignidade enquanto gente e jornalistas, ou seja, a vontade infantil (sim, por que não admitir que é infantil?) de mudar o mundo, reconhecemos novamente nossas raízes. E honrando a etimologia estereotipada da palavra "RADICAL" decidimos radicalizar. Tomamos sopa no mesmo prato. Bebemos água no mesmo copo. Compartilhamos das mesmas angústias e choramos juntos muitos choros (a Edmê mais, é verdade). Podem (eu deixo) nos taxar de vândalos quando tiverem raiva, ou de loucos quando simplesmente não nos entenderem, esse momento nunca mais vai voltar, e bendito seja quem viveu.

Muitos de nós não somos cristãos. Outros são de alguma forma. Mas desde os primeiros dias nos comparo aos primeiros cristãos em relação ao Império Romano. Quando simplesmente movidos por uma fé que questionava aqueles poderosos os cristãos eram submetidos à tortura ou a ficar no meio de uma arena para enfrentar leões, aquelas pessoas muitas vezes sorriam. Sabiam que manifestar o que acreditavam poderia lhes custar a morte, mas quando a morte parou de ser temida por tantos o império teve de se render. Cooptaram depois aqueles crentes através de estratagemas políticos, é verdade. Mas aquele espírito nunca morreu e habitou em nós como fez morada em gente como Dorothy e Chico Mendes e outros tantos exemplos de como o temor não silencia a voz de quem tem algo mais importante com o que se preocupar. Se tínhamos medo de sermos demitidos? Houve até quem desejasse apanhar, devo dizer. Parafraseando Arnaldo Antunes, a gente não quer só emprego, a gente quer emprego e felicidade.

Honramos a terra paraense e amazônida onde pisamos. Honramos a terra da Guerrilha do Araguaia (Salve Ismael e Thiago Araújo), honramos a Cabanagem, honramos o jornalismo.

Portanto, para mim esses dias todos vividos foram uma grande comunhão. Por isso gostaria de partilhar algo que sempre ouço em momentos como esse com outros amigos de profecias:

PÃO DA IGUALDADE

"Se calarem a voz dos profetas,
as pedras falarão.
Se fecharem os poucos caminhos,
mil trilhas nascerão.

Muito tempo não dura a verdade,
nestas margens estreitas demais,
Deus criou o infinito pra vida ser sempre mais.

(REFRÃO)
É Jesus este Pão de igualdade,
viemos pra comungar,
com a luta sofrida de um povo
que quer, ter voz , ter vez, lugar.
Comungar é tornar-se um perigo,
viemos pra incomodar,
com a fé e a união nossos passos um dia vão chegar.

O Espírito é vento incessante
que nada há de prender.
Ele sopra até no absurdo, que a gente não quer ver.
Muito tempo não dura a verdade,
nestas margens estreitas demais.
Deus criou o infinito pra vida ser sempre mais.

No banquete da festa de uns poucos,
só rico se sentou.
Nosso Deus fica ao lado dos pobres,
colhendo o que sobrou.
Muito tempo não dura a verdade,
nestas margens estreitas demais.
Deus criou o infinito pra vida ser sempre mais.

O poder tem raízes na areia,
o tempo faz cair.
União é a rocha que o povo usou pra construir.
Muito tempo não dura a verdade,
nestas margens estreitas demais.
Deus criou o infinito pra vida ser sempre mais."

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