sexta-feira, 8 de abril de 2011

Evasão escolar vem antes do crime



Desenhos feitos por adolescentes durante oficinas
realizadas na Unidade de Internação da Funcap

por Paulo Henrique Gadelha   Foto Acervo do Pesquisador
 Especialistas acreditam na educação como o caminho ideal para se obter êxito em todas as esferas da vida. Porém é sabido que as condições para percorrer esse caminho são desiguais. Para uma parcela da sociedade, são oferecidas escolas sem infraestrutura e professores sem a qualificação adequada. As consequências, muitas vezes, são catastróficas: altos índices de evasão escolar e envolvimento de crianças e adolescentes com a criminalidade.

Essa discussão está presente na Dissertação Adolescentes em conflito com a Lei: memórias e trajetórias de vivências na escola, defendida pela pedagoga Regina Fernandes Monteiro, no Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Ciências da Educação (ICED) da Universidade Federal do Pará (UFPA), sob orientação da professora Laura Maria Silva Araújo Alves.

O estudo buscou revelar a memória escolar de adolescentes que cumpriam medidas socioeducativas na Unidade de Internação de Val-de-Cães da Fundação da Criança e do Adolescente do Pará (Funcap). O objetivo era analisar as razões que levaram à evasão escolar, aos altos índices de repetência e ao envolvimento com a criminalidade.

Em setembro de 2009, quando já era gestora da Unidade de Val-de-Cães, Regina Fernandes Monteiro, servidora da Funcap desde 2006, realizou entrevistas com 18 adolescentes a fim de saber as motivações do abandono prematuro da sala de aula. Os entrevistados eram nascidos no Estado do Pará, tinham entre 12 e 17 anos, possuíam escolaridade entre o 1° e o 9° ano do ensino fundamental e cumpriam medidas por infrações, como dano ao patrimônio público e assalto seguido de morte.

A partir da pesquisa de campo, Regina Fernandes aponta a falta de interesse como uma das principais causas para a evasão escolar, já que 47% dos entrevistados, ao relembrarem a época em que estudavam, diziam-se desmotivados com a escola. "A escola, hoje, não se apresenta como algo interessante. Muitas vezes, o estudante chega ao ambiente educacional e não é acolhido. Em um ambiente hostil, o adolescente acaba preferindo a rua, onde encontra outros atrativos. O resultado é que muitos adolescentes chegam aos 17 anos lendo e escrevendo com muita dificuldade, quando não, são analfabetos", afirma a pesquisadora. Na avaliação de Regina Fernandes, quando um adolescente chega à Funcap, é porque tudo em sua volta falhou: a escola, a família, as políticas sociais e a comunidade onde ele estava inserido.

Nas unidades de internação, rotina escolar é retomada

Entre os entrevistados, 17 estavam fora da escola há, no mínimo, seis meses antes de chegarem à Funcap. Nas unidades de internação, eles são inseridos em atividades profissionalizantes, oficinas e estágios remunerados em instituições públicas, como o Tribunal de Justiça do Estado. Além disso, voltam ao cotidiano da sala de aula, considerado prioritário e obrigatório. A Fundação mantém convênio com a Secretaria de Estado de Educação, que dá assistência aos adolescentes em escolas instaladas nas próprias unidades de internação.

O tempo que um adolescente pode permanecer na Funcap varia entre seis meses e três anos. Durante esse período, assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, professores e outros profissionais avaliam o desempenho e o desenvolvimento psicosocioeducacional de cada interno. Se tiver um desempenho considerado satisfatório, o adolescente pode receber a semiliberdade. Ele permanece na unidade de segunda-feira a sexta-feira e aos finais de semana tem a permissão para retornar ao convívio familiar.

No entanto muitos adolescentes, quando chegam a esse estágio, querem liberdade total e acabam não retornando à unidade de internação. "Quando chegam à semiliberdade, eles não querem mais ficar na Funcap. Com os adolescentes entrevistados durante a pesquisa, não foi diferente. Alguns até conseguiram voltar, outros não", afirma Regina Fernandes.

Outro problema é a recepção da comunidade. De acordo com a pesquisadora, quando o adolescente retorna ao seu bairro, seja em semiliberdade, seja quando a medida já foi cumprida integralmente, algumas vezes, ele é ameaçado, sobretudo quando se trata de um crime de comoção popular, com notoriedade na mídia. Diante do ambiente tenso e ameaçador, a família tenta mudar de bairro, mas nem sempre isso é possível em virtude da sua vulnerabilidade social e econômica. Em alguns casos, esse adolescente é abandonando e retorna à criminalidade.

Adolescentes reproduzem comportamento violento

Um ano após a realização da pesquisa, sete adolescentes morreram envolvidos em delitos, dois estão de volta à Funcap, dois estão com a família e, dos demais, não se têm notícias.

"Entre os adolescentes que participaram do estudo, seis estavam cumprindo medidas por estupro. Hoje, a estatística para esse tipo de crime está cada vez maior. Há uma rede de significados em volta disso. As escolas são de péssima qualidade, as famílias estão desestruturadas e o adolescente acaba reproduzindo o comportamento violento como produto de tudo o que está a sua volta. Há um longo caminho a ser trilhado até que esses adolescentes obtenham a cidadania em sua plenitude", conclui a pedagoga.

De acordo com Regina Fernandes, os servidores da Funcap têm feito o que é possível. "O Projeto Político Institucional que vem sendo implementado desde 2007 ainda não gerou os frutos esperados. Algumas unidades já foram reformadas, mas muitas ainda continuam sucateadas. Faltam políticas públicas mais afirmativas direcionadas a esses adolescentes", diz a pedagoga.

Publicado em Fevereiro de 2011

Um comentário:

Separando disse...

Olá, Regina, tudo bem?
Meu nome é Carolina Roland e sou professora de EJA-SP, gostei muito da sua pesquisa e gostaria de saber mais sobre ela. Acredito que estudos como esse pode nos ajudar a modificar a realidade da educação de jovens e adultos em várias esferas nesse nosso querido país.
Por favor entrar em contato: roland.carolina@gmail.com