domingo, 17 de abril de 2011

Justiça do Pará continua sendo injusta

Grileiro vai ganhar na justiça do Pará?
Por Lúcio Flávio Pinto
Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)

Em 1999 o empreiteiro Cecílio do Rego Almeida (foto) propôs contra mim uma ação de indenização por dano moral. Declarava-se ofendido por ter sido tratado como "pirata fundiário” em artigo que publiquei neste jornal. O dono da Construtora C. R. Almeida se considerava proprietário de direito de uma área que podia ter de 5 milhões a 7 milhões de hectares na Terra do Meio, no vale do rio Xingu, no Pará.

Todas as fontes oficiais de consulta sobre questões fundiárias o apontavam como grileiro, o maior do mundo, em virtude de suas pretensões. Três anos antes o Iterpa (Instituto de Terras do Pará) propusera uma ação na justiça para cancelar os registros imobiliários que estavam em nome dele no cartório de Altamira.

O registro remontava aos anos 1920, mas não tinha por base nenhum documento oficial. Jamais as terras tinham sido desmembradas do patrimônio público. A cadeia dominial tinha início no nada. Logo, a pretensão era nula de pleno direito. Os serventuários do cartório foram demitidos, a bem do serviço público, por terem servido aos interesses da apropriação ilícita das terras, conforme comprovado na apuração dos fatos, feita pelo poder judiciário estadual. Cecílio foi submetido a inquérito na Polícia Federal e só não foi preso porque já tinha mais de 70 anos de idade.

Todo o esquema não desmoronou de uma vez porque uma sentença do então desembargador (recentemente falecido) João Alberto Paiva manteve a grilagem pendurada no mundo das coisas reais. Desfazer tudo que foi armado para transferir a área – enorme e extremamente valiosa – do patrimônio público para a propriedade privada tem sido uma batalha. Entrei nela ao assessorar o chefe do departamento jurídico do Iterpa, Carlos Lamarão (agora na presidência do órgão), a preparar e propor, em 1996, a ação de anulação e cancelamento dos registros imobiliários. Foi o primeiro ato de reação ao saque fundiário, seguido por iniciativas do Ministério Público Federal, Polícia Federal, Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário e da própria justiça.

Desde então, escrevi vários artigos denunciando a grilagem e prestei depoimento (por duas vezes) à CPI da Câmara Federal que a investigou. Fiquei visado por Cecílio Almeida. Em 1996 mesmo ele contratou o brilhante (e perigoso) jornalista paraense Oliveira Bastos (já falecido), que me atacou através de duas cartas sucessivas, ferinas e agressivas. Dei três respostas aos ataques. Oliveira desistiu de tentar me intimidar. Pouco depois se desentendeu com o patrão e deixou o cargo de coordenador dos ditos projetos especiais da C. R. Almeida.

O empresário decidiu então partir para o ataque através do judiciário. Primeiro propôs a ação cível perante a comarca de São Paulo, que era, evidentemente, incompetente (a sede do meu jornal é em Belém). Ele chegou a dizer que o Jornal Pessoal tem ampla circulação na capital paulista. O objetivo era simples: causar dificuldades à minha defesa. Mas a inverdade bradou aos céus com a mesma ênfase da reação que rejeitou a alegação do juiz Francisco das Chagas, que me condenou, em outro processo, a indenizar os Maiorana em 30 mil reais, porque este jornal seria de tal sucesso de vendagem que poderia arcar com o ônus.

O processo foi desaforado para Belém, o que foi legal, mas talvez não tenha sido bom. A justiça paulista rejeitou ação idêntica contra repórter da revista Veja e outras pessoas processadas pelo empresário, como o advogado Carlos Lamarão. Ao invés de serem condenados, deviam ser condecorados por defenderem o interesse público, disse o juiz. Talvez eu tivesse sorte idêntica. Ao contrário, na justiça que tem sob o alcance da sua jurisdição as terras públicas sujeitas à usurpação, fui condenado em 1o grau.


Condenação lavrada por um juiz substituto, que ocupou a vara alheia por apenas algumas horas, levou para sua casa apenas o meu processo (sem que os autos estivessem preparados para serem sentenciados, com suas 400 páginas) e devolveu-o três dias depois, com data retroativa para sua decisão, quando, de fato, já não exercia a função, retomada pela titular. E justificou minha condenação dizendo que a usou como forma de divulgação para a nova tese que queria expor ao mundo. A sentença foi confirmada por uma das câmaras cíveis do tribunal.

Quatro anos depois, em 28 de março de 2008, o empresário faleceu, em Curitiba. Herdeiros ou sucessores não se habilitaram no processo para que a demanda pudesse prosseguir no seu curso legal, apesar do longo prazo de espera do pela sua espera. Em 15 de outubro de 2009 comuniquei à desembargadora Maria Rita Lima Xavier, relatora de um recurso que estava em apreciação naquele momento, o óbito do autor e a necessidade de que os sucessores da parte fossem intimados a procederem à regularização processual, "com manifestação expressa no sentido de possuir interesse na causa, inclusive outorgando habilitação a advogado para representar seus direitos”.

O fato já era do conhecimento público, dada a notoriedade local, nacional e até internacional do personagem, empresário de grande fortuna e poder pessoal. Constituía-se, por isso, em matéria de ordem pública, apreciável inclusive através de mero ofício. Mas a desembargadora simplesmente ignorou o meu pedido. E submeteu o recurso sob sua apreciação à decisão dos seus pares da 3ª Câmara Cível Isolada. Por unanimidade, eles se manifestaram contra minha pretensão, ignorando por completo a ausência de um dos pressupostos essenciais para o cabimento da ação, cujo acórdão foi publicado em 12 de novembro de 2009 – quase um mês depois, portanto, da comunicação que fiz sobre a morte de Cecílio Almeida.

Em defesa "da boa ordem processual”, alertei a magistrada para o erro material que cometeu e a necessidade de supri-lo, sem o que o feito devia ser extinto, por não preencher uma das condições da ação, que é a legitimidade da parte. A petição não teve qualquer resposta até hoje.

Ao contrário do que lhe impunha a norma processual, a desembargadora prosseguiu na instrução da ação e submeteu aos integrantes do colegiado o embargo que opus, também rejeitado pela 3ª Câmara Cível. Ficou então caracterizado o procedimento desidioso e voluntarioso da magistrada, que se recusou a cumprir dever de ofício, mesmo para tal devidamente alertada. Surpreso e chocado pela violação a regra elementar do ordenamento processual, argüí a suspeição da desembargadora Maria Rita, por indisfarçável interesse na causa, no dia 16 de novembro de 2009, dentro do prazo da lei.

Até hoje, passados 16 meses da argüição da suspeição, a desembargadora não se manifestou sobre o pedido, para aceitá-lo ou recusá-lo, como era do seu dever, suspendendo imediatamente o processo até uma decisão sobre esse incidente.

Infrutíferos se mostravam os meus esforços para sanar o vício, que contaminava de nulidade absoluta processo, sem pólo ativo na ação. Como réu, me via na iminência de ser condenado a indenizar um defunto, porque a tramitação da ação principal já se consumava, esgotando a instância do tribunal. O presidente e o vice-presidente do TJE negaram o seguimento dos meus recursos especial e extraordinário, me obrigando a recorrer novamente (através de agravo) para que o processo possa um dia subir à instância superior, em Brasília.

Isto porque não conseguia fazer os magistrados paraenses que apreciaram a lide tomarem conhecimento de que a família ou outros sucessores do autor não manifestaram qualquer interesse no prosseguimento da ação, dois anos e meio após o falecimento do seu patriarca. Caracterizava-se dessa forma a inércia processual, causa da extinção do processo, o que está amplamente autorizado pela jurisprudência. O falecimento do autor da ação é fato tão público e notório que levou o juiz da 10ª Vara Criminal a adotar o procedimento elementar, que faltou na instância superior.

Em 16 de abril de 2008, com base em cópia de um exemplar da revista Veja, que noticiava o falecimento do autor da ação, a juíza Maria Betânia Paes Rodrigues estabeleceu prazo de 15 dias para a manifestação de seu procurador. Não havendo qualquer manifestação, o juiz em exercício na 10a Vara, Élder Lisboa da Costa, determinou que por via postal fosse notificado o advogado do querelante, com endereço nos autos, "para que informe a este Juízo acerca do falecimento do mesmo”, encaminhando "com a máxima urgência a certidão de óbito, se for o caso”.

Ainda sem resposta, em 23 de março de 2009, a juíza titular da vara mandou que fosse oficiado aos cartórios de registros da comarca de Curitiba, no Paraná, domicílio do empresário, "a fim de que remetam, caso conste de seus registros, a segunda via da certidão de óbito do Querelante CECÍLIO DO REGO ALMEIDA”.
Constatado o falecimento do autor, o novo titular da vara, Eric Aguiar Peixoto, decidiu aguardar pelo prazo de 60 dias "o comparecimento de qualquer das pessoas elencadas no art. 31 do CPP”. Em 26 de novembro de 2009 foi dada baixa no processo.

Completamente outro foi o procedimento na instância superior.
Depois de peticionar sem sucesso à desembargadora relatora do feito, me dirigi ao então presidente do TJE, desembargador Rômulo Nunes, em dezembro do ano passado, pleiteando a regularização do processo. Em 19 de janeiro deste ano foi publicado, no Diário da Justiça, o despacho do presidente abrindo prazo para a habilitação dos herdeiros de Cecílio do Rego Almeida.

Em 18 de fevereiro, último dia do prazo, via fax, a partir de Marabá, a advogada Francineide Amaral Oliveira, ao invés de regularizar a situação do seu constituinte e a dela própria, requereu a prorrogação do prazo de 30 dias para providenciar o instrumento de procuração dos herdeiros ou sucessores do autor. Alegou "a dificuldade para juntar a documentação”, mesmo dispondo de quase três anos anteriores para providenciá-la, desde a morte do autor, ao qual representava por substabelecimento.

No dia 21 a referida advogada promoveu a substituição do requerimento. De pronto, no mesmo dia, a nova presidente do tribunal, Raimunda do Carmo Noronha, deferiu o pedido, prorrogando o prazo por mais 30 dias.
Observe-se que, em 18 de março, três dias antes da petição da advogada e da sua instantânea acolhida por parte da desembargadora, apresentei um requerimento. Embora protocolado no dia 18, só foi recebido na secretaria da 3a Câmara Cível Isolada no dia 21, sem merecer as atenções da relatora, embora se antecipasse à iniciativa da advogada da parte contrária.

Dá para constatar ainda que minha petição foi juntada às fls. 828/830, não só depois do despacho da presidente do 
TJE, mas também após a publicação da sua decisão na resenha do Diário da Justiça, que ocorreu no dia 24, o que caracteriza evidente cerceamento de defesa do réu, impedido de ter seu pedido apreciado e assim exercer o contraditório.

Já a advogada de Cecílio Almeida formulou as contra-razões ao meu recurso extraordinário e ao especial, em 10 de dezembro de 2009, utilizando-se de instrumento de substabelecimento que lhe foi outorgado, em 13 de outubro de 2004, pelo advogado Sérgio Toledo, de São Paulo, detentor dos poderes conferidos em 20 de janeiro de 1999 pelo dono da C. R. Almeida. Acontece que o empresário morreu em 28 de março de 2008, cessando nesse momento o valor legal dos poderes que atribuíra ao seu procurador e, como efeito, o substabelecimento conferido à advogada Francineide Amaral Oliveira.

O instrumento, portanto, não possuía valor legal algum quando, um ano e meio após o falecimento do autor da ação, essa profissional o utilizou para juntar aos autos as contra-razões recursais, não tendo diligenciado para suprir a lacuna legal em tão longo tempo decorrido desde então, com tantos incidentes processuais havidos nesse período.
Desde 11 de outubro de 2009 questionei a representação processual dos sucessores do autor da ação. Finalmente, o presidente do Tribunal, intervindo no andamento processual com os poderes que lhe cabem, abriu prazo para a regularização da representação em juízo, o que não foi procedido, apesar de toda a publicidade que houve em torno desta questão. Caracterizava-se assim, para todos os efeitos, o desinteresse dos herdeiros ou sucessores do autor da demanda, certamente por não haver fundamento legal nem razão de direito na pretensão.

Na pressa de suprir a falha, a procuração outorgada pelos herdeiros de Cecílio Almeida, seja em original, fax e cópia xerox, assim como a certidão de óbito, não foram apresentados em sua forma original e nem se acham reconhecidos, não tendo valor documental em juízo, não servindo, portanto, de meio de prova.

Apesar dessas e de outras circunstâncias, parece que o Tribunal de Justiça está disposto a manter minha condenação, pelo crime de chamar o grileiro de grileiro de terras que pertencem ao Estado e que cumpre, a todos os poderes constituídos em nome do povo paraense, defender. Menos, ao que parece, à justiça do Pará.

Fonte: Adital

Nenhum comentário: