terça-feira, 11 de maio de 2010

Entrevista com historiador russo sobre Stálin

Entrevista publicada no jornal alemão Der Spiegel:

"Aos olhos da maioria, Stalin é um vencedor", diz historiador russo
Joséf Stáli foi secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética (1922-1953) e primeiro-ministro (1941-1953) .
O historiador Nikolai Svanidze falou à “Spiegel” sobre as razões da popularidade de Stalin na Rússia. Ele argumenta que os arquivos precisam ser abertos para revelar os crimes do ditador e explica porque o presidente Dmitry Medvedev e o primeiro-ministro Vladimir Putin têm abordagens tão diferentes da história russa.

Spiegel: Como se explica que os estalinistas e os apologistas de Stalin são uma parte amplamente aceita da paisagem política da Rússia?
Nikolai Svanidze: Porque Stalin é um vencedor aos olhos da maioria. E não condenamos os vencedores. Associamos a Stalin não só a vitória sobre Hitler, mas também os sucessos da União Soviética que hoje são praticamente mitológicos: a industrialização, a transformação numa superpotência, a previsibilidade da vida cotidiana. As coisas negativas foram esquecidas.

Spiegel: Para os alemães, as palavras de elogio a Stalin soam como elogios a Hitler. Algo que é impensável.
Svanidze: Isso porque Hitler perdeu a guerra. O mundo o considera um criminoso e os alemães o veem como um sedutor que liderou o país para a catástrofe. Os que querem justificar Hitler dizem que ele eliminou o desemprego, reduziu o crime, construiu estradas e unificou o país. Coisas muito semelhantes podem ser ditas em relação a Stalin. Mas diferentemente de Hitler, Stalin nunca foi claramente condenado, e certamente não por seu próprio povo. Não houve julgamento, então formalmente, pelo menos, ele tem uma ficha limpa.

Spiegel: Mas não há simplesmente estalinistas em seu país.
Svanidze: Stalin anda divide a sociedade. Alguns dizem que ele matou pessoas inocentes, enquanto outros acreditam que as vítimas eram simplesmente inimigos do povo e que o fim justificou os meios. Infelizmente, a maioria dos russos o veem de forma positiva. O fato de que a União Soviética atingiu o auge de seu poder imperial e tamanho territorial sob o governo de Stalin faz com que muitas pessoas gostem dele.

Spiegel: Em entrevista à “Spiegel”, o presidente Medvedev disse que “a liquidação de um grande número de cidadãos soviéticos foi um crime”, e que o Estado precisa honestamente chamá-lo assim. Por que Medvedev ousa dar essas declarações quando a maioria vê as coisas de outra forma?
Svanidze: É simplesmente o que ele pensa.

Spiegel: Ele espera marcar pontos com o Ocidente?
Svanidze: Quando escrevi meu livro sobre Medvedev em 2008, aconteceu uma coisa estranha. Eu perguntei sua opinião sobre Stalin. Ele respondeu demoradamente e do jeito ponderado que lhe é característico. Ele descreveu Stalin como extremamente negativo. Mas quando enviei o texto a Medvedev, ele deletou o que havia dito sobre Stalin.

Spiegel: Ele perdeu a coragem?
Svanidze: Quando nos encontramos novamente, ele me explicou que embora ele houvesse sido eleito presidente, ainda não havia assumido o poder e não queria estragar seu relacionamento com o povo logo de cara. Ele então pensou sobre o assunto – e acabou deixando o trecho original.
Spiegel: Por quê?
Svanidze: Porque a visão negativa de Stalin é uma profunda convicção sua e porque, ao se referir ao passado, ele pretende tomar uma posição para o presente e o futuro. Medvedev também está usando o debate sobre Stalin para retratar a si mesmo como um político ideologicamente diferente de Putin.

Spiegel: Putin, para quem o colapso da União Soviético foi “a maior catástrofe política do século 20”.
Svanidze: Putin não é estalinista. Sei disso pelas conversas que tive com ele. Mas ele vem do serviço de inteligência. Aos olhos dos intelectuais, em particular, ele se comporta como um estalinista. Medvedev se posiciona de forma diferente: como um liberal e um antiestalinista.

Spiegel: Medvedev reclama que 90% dos jovens russos não sabem nada sobre as vítimas da repressão estalinista, nem mesmo o nome de Alexandr Solzhenitsyn, o vencedor do prêmio Nobel de literatura, que passou oito anos no gulag. Como isso pode ser mudado?
Svanidze: Com o Estado se posicionando claramente. Ele deveria criminalizar a glorificação da ditadura de Stalin. Mas ainda é muito cedo para isso. Em segundo lugar, precisamos de uma educação ativa nas escolas e na mídia. Infelizmente, a situação costuma ser reversa no momento.

Spiegel: Por que a Rússia não abre todos os arquivos de sua agência de inteligência? Eles revelariam as atrocidades da era de Stalin de uma vez por todas.
Svanidze: Você, como alemão, sabe como uma agência de inteligência pode permear uma sociedade. Não estou pensando somente na época de Hitler, mas também na da Stasi na antiga Alemanha Oriental. Meu sonho é que os arquivos sejam abertos, mas nem todas as listas secretas de informantes. Muitas surpresas desagradáveis viriam à tona.

Spiegel: Mas talvez seja a única forma de curar o país de sua síndrome estalinista?
Svanidze:
Não saberíamos lidar com isso, porque quase uma pessoa em cada família fazia parte do sistema de informantes. Se os arquivos fossem abertos, isso seria um duro golpe para muitas pessoas, porque elas descobririam coisas sobre seus ancestrais e parentes próximos que não esperavam. A psique do meu país já é muito perturbada hoje em dia. Quase todo mundo aqui poderia ir ao um psiquiatra por causa dos eventos das décadas passadas.

Tradução: Eloise De Vylder

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