sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Pesquisador fala do crime representado pelo "desenvolvimento" - Belo Monte

''É mentira chamar isso de ‘desenvolvimento’''

“É mentira que o país precisa desta energia para evitar apagões e mover ventiladores pelo país”. E continua: “Também é mentira que a energia das hidrelétricas é limpa, porque, além dos desmatamentos, o próprio lago podre gera uma quantidade imensa de gases ultrapoderosos sob o ponto de vista do aquecimento global, causando um efeito comparável ou até pior do que termelétricas de potência equivalente”.

Ao relacionar Belo Monte com a ditadura militar, Rodolfo Salm argumenta que “a democracia chegou às grandes cidades o­nde se fala e se escreve o que quiser sem problemas. Mas nós do Xingu ainda vivemos o período totalitário, já que quando se resolve transformar completamente toda esta região com a construção dessa hidrelétrica, são realizadas audiências públicas por aqui, como manda a constituição, mas elas são totalmente ignoradas. Independente de tudo o que falamos, estão tentando empurrar esta obra maldita garganta abaixo, contrariando a promessa feita pelo presidente Lula aos movimentos sociais”.

Entrevista:

Quais os efeitos mais devastadores das barragens dos rios amazônicos, tanto do ponto de vista ambiental quanto para as populações ribeirinhas e os povos indígenas?

Os efeitos são os mais diversos. Mas sob o ponto de vista global, da humanidade como um todo, acredito que o efeito mais devastador destas grandes barragens projetadas para a Amazônia é que elas estão desencadeando uma fortíssima o­nda de imigração humana para esta região, movida pelas falsas promessas de desenvolvimento, das dezenas de milhares de empregos temporários criados, e do aprimoramento da infraestrutura. Esta o­nda migratória, que também vai sendo abandonada pela indústria também migratória de construção de grandes hidrelétricas, uma vez desamparada, inevitavelmente recorrerá à espoliação da mata. Como os colonizadores sempre fizeram por aqui. O que terminará por reduzir a última grande floresta tropical do planeta em um punhado de fragmentos de florestas degradadas.

É claro que há uma série de outros efeitos, que são mais rapidamente sentidos pelos que moram na região das barragens como contaminação da água, o extermínio de comunidades de peixes, o aumento da criminalidade e vários outros problemas sociais. Num dos vários encontros que tivemos este ano com os atingidos por barragens, conheci um pai que viu seu filho morrer em poucas horas junto com outras várias crianças das proximidades do lago de Tucuruí, devido a uma peste que se alastrou na época da formação do lago, transmitida por mosquitos – o que fez com que ele se engajasse na luta contra as barragens.

Então, sob o seu ponto de vista, o mais devastador foi a multiplicação de pragas e doenças que inevitavelmente aparecem aos montes com a degradação ambiental generalizada. Sob o ponto de vista da biodiversidade global, no caso de Belo Monte, seria a extinção na natureza do acari-zebra, uma belíssima espécie de peixe ornamental, listrada de branco e preto como o seu nome sugere, encontrada apenas nas corredeiras da Volta Grande do Xingu, e em nenhum outro lugar do mundo, e que seriam totalmente destruídas no caso da construção da barragem. Seja por ficarem permanentemente inundadas ou sempre secas, dependendo de sua posição em relação ao barramento principal do rio. Então esta questão de quais os efeitos mais devastadores, depende totalmente do ponto de vista considerado.

Quais as principais “mentiras” que envolvem a construção da hidrelétrica de Belo Monte?

São infinitas mentiras. Claro, como acontece com qualquer estória mentirosa em que uma puxa a outra. É mentira que o país precisa desta energia para evitar apagões e mover ventiladores pelo país. Apesar do povo brasileiro como um todo assumir o risco e pagar a conta da construção da barragem através do comportamento insano do BNDES, a energia gerada ficará no estado do Pará, para o uso da indústria mineradora exportadora, que avança por todo o território amazônico, que emprega pouco e destrói muito, extraindo materiais que serão convertidos em bugigangas e lixo em várias partes do mundo. Esta pilhagem é perfeitamente análoga àquela já feita em tempos históricos, com o pau-brasil, o ouro, as peles de animais etc. Então é mentira chamar isso de “desenvolvimento”. Hoje, na Amazônia, vivemos mais do que nunca a velha economia colonial baseada na exploração da mão-de-obra (semi) escrava (quando não escrava de fato), o latifúndio e a monocultura, seja de carne bovina, madeira roubada da floresta primária ou de energia elétrica, apontada como a única opção para o desenvolvimento de Altamira. Também é mentira que a energia das hidrelétricas é limpa, porque, além dos desmatamentos, o próprio lago podre gera uma quantidade imensa de gases ultrapoderosos sob o ponto de vista do aquecimento global, causando um efeito comparável ou até pior do que termelétricas de potência equivalente.

Que relação pode ser estabelecida entre o projeto de Belo Monte e a ditadura militar no Brasil? Qual a importância política de lutar contra Belo Monte?

Como bem disse o professor Oswaldo Sevá, Belo Monte é um projeto da ditadura militar, que ainda não acabou. É “a maior de todas as roubalheiras do grupo chefiado pelo último presidente eleito pelo Colégio Eleitoral”. Algumas das grandes empreiteiras que, através de todo tipo de propinas e ilegalidades pretendem hoje viabilizar a construção desta barragem, são as mesmas que ajudaram a financiar a repressão policial militar no Brasil nos anos da ditadura. É o grupo de José Sarney, com seus tentáculos dentro do governo como o Ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, e que também banca a campanha da Dilma Rousseff. É como se o fim da ditadura não tivesse acontecido de fato em todo o país. A democracia chegou às grandes cidades o­nde se fala e se escreve o que quiser sem problemas. Mas nós do Xingu ainda vivemos o período totalitário, já que quando se resolve transformar completamente toda esta região com a construção dessa hidrelétrica, são realizadas audiências públicas por aqui, como manda a constituição, mas elas são totalmente ignoradas. Independente de tudo o que falamos, estão tentando empurrar esta obra maldita garganta abaixo, contrariando a promessa feita pelo presidente Lula aos movimentos sociais. Exatamente da mesma forma como provavelmente aconteceu com a hidrelétrica de Três Gargantas, no Rio Yangtzé, na China, o­nde a falta de democracia é tão criticada por aqui.

Como o senhor avalia a postura do governo federal e do ministro Carlos Minc na condução das demandas ambientais de forma geral em nosso país?

Desde o começo do primeiro mandato de Lula, o seu governo foi uma decepção sob o ponto de vista do meio ambiente. Não que tenha sido pior que o governo anterior, do PSDB, que também foi um desastre completo. Mas, em 2003, tínhamos alguma esperança de mudança, no meu caso, baseada no projeto de programa de governo para a área ambiental criado pela equipe da então senadora Marina Silva. Diziam que seria feito um mutirão de reflorestamento da Amazônia, transformando o arco-do-desmatamento em um “arco-do-reflorestamento”. A ideia é fantástica. Além de simples, viável, geraria riquezas e milhões de empregos. Mas nunca mais ouvi falar disso depois da posse. E a Marina se perdeu em uma série de questões menores como a infrutífera batalha contra os transgênicos. A questão dos desmatamentos, caindo nas mãos dos tecnocratas de sempre, que acreditam que a única salvação para a floresta tropical é fazer com que ela se pague economicamente. E isso não é possível. Acho o Minc uma figura desprezível. Um fantoche, colocado na posição de ministro com a tarefa pré-determinada de conceder o licenciamento de Belo Monte. A conclusão é inevitável diante da sua atitude covarde de sequer dar as caras nos debates em que estamos tentando fazer sobre esta barragem de proporções catastróficas. Já está pré-determinado que ele concederá a licença de Belo Monte. Tudo o mais que ele faz é bobagem, ou café-pequeno, ele se envolve na defesa de causas polêmicas para tirá-lo do foco principal, que é a concessão da licença. Então não vale a pena esperar nada dele ou considerar o que fala.

Qual a importância da realização da Conferência do Clima em Copenhague? Qual a novidade que essa edição do evento traz em relação às anteriores? Como avalia as discussões até o momento?

Em princípio, eu diria que nenhuma. Porque não adianta se deter aos detalhes da participação do Brasil ou de qualquer um dos outros países em encontros sobre o clima enquanto não se reconhecer que este sistema de produção e consumo em que vivemos e louvamos como se fosse algo fundamental para a vida, na verdade é impraticável sob o ponto de vista da sobrevivência da nossa espécie. E não há qualquer sinal, por exemplo, de que algum dos participantes destas convenções falaria contra a construção de grandes barragens na Amazônia devido a sua grande contribuição potencial para o efeito estufa - convenientemente convencidos que estão de que esta seria uma “energia limpa”. Então, sinceramente não presto muita atenção a encontros como este. Mesmo porque esta meta de manter o aquecimento global em “apenas” 2 graus Celsius durante este século me parece ridícula. Isso provavelmente seria suficiente para devastar o que restar de vegetação aqui na da nossa região do Xingu.

Por outro lado, vale a pena comentar o roubo de e-mails da Unidade de Pesquisas Climáticas da Universidade de East Anglia, e a divulgação de fragmentos destas mensagens roubadas em contextos distorcidos, por céticos quanto à importância da contribuição humana para o efeito estufa, para sugerir que o aquecimento global é uma fraude científica – que chegaram a ser amplamente divulgados no Brasil. O ato de recorrer a roubo e fraude a poucos dias da Conferência do Clima na tentativa de desmoralizar a ideia do aquecimento global parece uma atitude desesperada, de quem está preocupado com os seus resultados. Então pode ser que realmente seja relevante. Aliás, quanto à suposta fraude nos dados climáticos, que ninguém se iluda com isso. São várias as linhas de pesquisa, totalmente independentes, que apontam para o impacto das nossas atividades sobre o clima do planeta. Apesar de disputas sobre os detalhes, o aquecimento global é inquestionável.

Quais suas expectativas em relação à candidatura de Marina Silva à presidência do Brasil nas eleições de 2010?

Nenhuma. No princípio, achei interessante quando ela se desligou do PT declarando a incompatibilidade das suas ideias com a postura do partido diante da questão ambiental, e saiu candidata a presidente. Mas logo me decepcionei com as suas declarações ambíguas quanto à construção das hidrelétricas na Amazônia. Como escrevi recentemente, é revoltante que Marina Silva siga defendendo estas grandes obras “desde que prevejam programa de desenvolvimento sustentável”, se os programas de desenvolvimento sustentável que ela tentou implementar, todos fracassaram. Com esta postura entreguista, pode-se dizer que ela traiu os índios e ribeirinhos que supostamente representaria. Algumas pessoas ligadas a ela me escreveram chamando atenção ao fato de que Marina defendeu as hidrelétricas exatamente da forma como suas palavras foram divulgadas pela jornalista do site Amazônia. É verdade. Mas quando perguntada sobre Belo Monte, ela gaguejou, tropeçou e se manifestou de forma tão ambígua e titubeante que seria até difícil transcrever precisamente o que ela disse. De toda forma, o erro não está nas palavras específicas ditas ou não por ela, mas na atitude de não condenar abertamente este projeto criminoso. Talvez não pudesse ser diferente, todo o seu discurso de desenvolvimento sustentável é furado e para concorrer à presidência, ela teve que se filiar ao Partido Verde, do filho de José Sarney, que, como já dito, é responsável pela articulação política para viabilizar a barragem.

*Rodolfo Salm é PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia e formou-se em Biologia pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Atualmente, é professor da Universidade Federal do Pará, o­nde desenvolve o projeto Ecologia e Aproveitamento Econômico de Palmeiras. Tem experiência na área de Ecologia, com ênfase em Ecologia de Ecossistemas, atuando principalmente no estudo da dinâmica natural e da conservação das florestas tropicais.

É pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi.

rodolfosalm@terra.com.br

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