por Gregório Duvivier
“Todo ano, um milhão de mulheres fazem aborto na França. Eu
sou uma dessas mulheres. Eu abortei.” O manifesto foi assinado por 343 mulheres
e publicado no Nouvel Observateur, em 1971.
O Estado francês tinha duas opções: prender essas mulheres
ou reconhecer que elas não fizeram nada de errado. O Estado não prenderia 343
mulheres. Ou melhor: não essas mulheres. Dentre as assinaturas, estavam as de
Ariane Mnouchkine, Catherine Deneuve, Jeanne Moreau, Marguerite Duras. A
redatora do manifesto era ninguém menos que Simone de Beauvoir. Não prenderam
ninguém.
A esse manifesto, seguiram-se outros: 331 médicos
assumiram-se a favor da causa. Na Alemanha, mais 374 mulheres assinaram um manifesto
em que diziam: Wie haben abgetrieben. Nós abortamos. Entre as mulheres, Romy
Schneider e Senta Berger. Em 1975 o aborto deixa de ser crime na França e passa
a ser chamado de “interrupção voluntária de gravidez”. A interrupção passa a
ser “livre e gratuita” até a décima semana de gestação.
Estamos muito longe dessa lei por aqui. Nenhum* dos
candidatos a presidente parece interessado em discuti-la. [Salvo Luciana Genro,
do PSOL.] Tampouco a classe artística está interessada em sair do armário nesse
assunto.
O Brasil vai na direção oposta. É constrangedor ver todos os
principais candidatos se estapeando pelo eleitorado conservador. Não se trata
de propor mudanças, trata-se de vender apego à tradição. “Você me conhece, sabe
que eu sou o que mais acredita em Deus, o que mais passou longe de dar a bunda,
de cheirar pó, olhem só como a minha filha é virgem, olhem só como o meu filho
é hétero.” Todos estão desesperados pelo voto conservador. Estranhamente [a
não ser Luciana Genro do PSOL] , ninguém está nem aí pro voto aborteiro.
Se as eleições, como anuncia o plantão da Globo, são a festa
da democracia, essa festa, dona Globo, está meio caída – ou fui eu que bebi
pouco. Na minha opinião, tem pastor demais e maconha de menos. A maioria dos
candidatos não fede nem cheira – a não ser um deles, que cheira. Um amigo gay
outro dia disse que “levantar bandeira é cafona e quem sai do armário é porque
quer atenção”. Amigo, tudo bem, ninguém é obrigado a sair do armário. Mas você
não precisa trancar a porta por dentro.
Sair do armário não é um ato exibicionista. Levantar bandeira
também não. O manifesto das 343 vagabundas, como ficou conhecido, não permitiu
às manifestantes que elas fizessem um aborto. Elas já tinham feito. Permitiu às
suas filhas e netas.
(Folha)
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Gregório Duvivier é ator e escritor, além de ser um dos criadores do grupo de humor Porta dos Fundos.
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*Grifo do AlémdaFrase
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