quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Carta à presidenta - Apagar ou não as luzes?

por Alexandre Araújo Costa*


Gostaria de responder à sua pergunta, por mais que tenha sido ela meramente retórica e carregada da tentativa de ironizar e desqualificar visões diferentes da sua.

Se só existissem, realmente, duas opções, ou seja, apagar a luz e impedir que os povos do Xingu continuassem a viver, eu apagaria a luz. Se só existissem duas opções, entre aumentar as verbas da educação e jogar toneladas de carbono para a atmosfera acelerando a inviabilização das condições de sobrevivência das gerações futuras, eu ainda assim me manteria fiel à causa pétrea de manter petróleo e carvão, em sua maioria, no subsolo.

Mas o mundo não é assim, binário e, portanto, permita-me não aceitar a sua chantagem. Sim, a palavra é essa: chantagem!

Não precisamos "apagar a luz". Podemos reorganizar nossa matriz energética, democratizando-a, barateando-a para o usuário final, com ênfase nas mais modernas tecnologias de energias renováveis, privilegiando a geração elétrica via solar residencial, aumentando a eficiência energética e reduzindo o ritmo tresloucado de aumento perdulário da demanda. 

Energia solar sim; Belo Monstro não. Eólicas, desde que respeitando nossas comunidades costeiras, sim; Termelétricas não. Energia das ondas e marés, com estudos adequados para minimizar o impacto no litoral e estuários, sim; Nuclear não.

Você, presidenta, e os partidos que a sustentam, juntaram-se vergonhosamente, num único discurso, a velhacos como os CEOs das petroquímicas que se tornaram dona do petróleo junto à costa brasileira (vide resultado dos leilões do petróleo): Shell, Total, chinesas, Exxon, BP, Chevron... É o blablablá de que o futuro da Educação e Saúde em nosso País está ligado à extração de petróleo, principalmente no pré-sal. Nada mais falso, quando sabemos que a "parte do leão" ficará com as corporações e que os recursos desse crime climático que ficarem com o Estado brasileiro serão insuficientes.

Por que a senhora não fala em auditar uma dívida que restringe a aplicação de quase metade do orçamento da União nos serviços públicos? Por que a senhora não fala de outras fontes de recurso? Se só houvesse como financiar a Educação destruindo toda a Amazônia e oficializando o trabalho escravo infantil, a senhora optaria por esta última? Então como aceitar que 2 ppm de CO2 sejam leiloados num único dia, como uma cota "generosa" do Brasil à catástrofe climática que se avizinha?

Quero energia elétrica para todos, educação para todos, quero respeito e direito para os indígenas, quero zelo pelo ambiente e medidas urgentes para proteger o sistema climático terrestre. Nada disso é (mutuamente) incompatível. Mas tudo isso é incompatível com os hiperlucros do agronegócio, empreiteiras, bancos e petroquímicas.

Portanto, pensemos quem de fato apaga a luz, todo santo dia. Quem apaga a luz da honestidade intelectual e sofre de um apagão mental típico de quem transmutou-se de guerrilheira e combatente contra a ditadura em serva desses setores? 

Em tempo: Como diria Lenine (a quem talvez cite mais do que a Lenin), "o último a sair do breu, acenda a luz". Mas eu entendo que a senhora prefira a companhia da Breu...
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*Alexandre Araújo Costa é professor titular da Universidade Federal do Ceará. É Bacharel (1992) e Mestre em em Física pela Universidade Federal do Ceará (1995), Doutor em Ciências Atmosféricas pela Colorado State University (2000), com Pós-Doutorado pela Universidade de Yale (2004-2005).

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