quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Contra o arbítrio, regras claras

Por Julita Lemgruber

No dia 24 de agosto último, a Suprema Corte da Colômbia decidiu que portar pequenas doses de drogas não é crime. E mais, que punir a posse delas viola “o livre desenvolvimento da personalidade”, esclarecendo que “proibir o uso de drogas implica na anulação de direitos fundamentais, reprimindo e sancionando com as mais severas punições uma decisão pessoal”. Ficou claro nessa sentença que uma escolha pessoal que só traz prejuízos para a própria saúde dos usuários e não fere os direitos de outras pessoas não pode ser penalizada. Ficaram também definidas as quantidades de drogas para consumo próprio: 20 gramas de maconha e um grama de cocaína.

É muito urgente rever a legislação brasileira, frágil e pouco nítida no tratamento da matéria, para que se defina qual a quantidade de drogas que alguém pode portar para ser considerado usuário. O passo seguinte deve ser, a exemplo do que outros países vêm fazendo, a descriminalização do uso de drogas.
 
Com a Lei 11.343 (23/08/2006) o Brasil despenalizou o uso de drogas, livrando da prisão aquele que for considerado consumidor. No entanto, diz o Art. 28: “Para determinar se a droga destina-se a consumo pessoal o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais…”. Quem acompanha o funcionamento do sistema de justiça criminal no Brasil sabe que o exame das “circunstâncias sociais e pessoais” é uma brecha para a rotulagem segundo atributos econômicos e sociorraciais, que têm levado jovens pobres, sobretudo negros e sem recursos para pagar advogados, ao encarceramento por tráfico, enquanto outros jovens, com a mesma quantidade de drogas, mas com melhores “circunstâncias sociais e pessoais”, são enquadrados como usuários e não submetidos à prisão.

O Brasil tem hoje a quarta maior população prisional do mundo e o número de presos triplicou em quinze anos. Esse crescimento vertiginoso se deve, sobretudo, ao aumento do número de condenados por tráfico de drogas, que mais do que triplicou em cinco anos. Pesquisas demonstraram, no Rio de Janeiro e em Brasília, que a maior parte desse contingente é de primários, presos em flagrante sem portar arma e sem vinculação com organizações criminosas. Ou seja, estamos enchendo as cadeias com usuários ou pequenos traficantes de drogas cuja prisão não contribui em nada para a diminuição dos níveis de violência e criminalidade.
 
Se, num primeiro momento, importa definir claramente a questão da quantidade de drogas para consumo próprio, limitando a discricionariedade de policiais e juízes, avançar no caminho de uma legislação moderna é descriminalizar o uso de toda e qualquer droga, deixando claro que quem provocar danos a terceiros sob influência de drogas (como acontece em relação ao álcool) vai, sim, ser punido criminalmente, mas esse deve ser o limite da ação do Estado.
 
Drogas que alteram o comportamento dos indivíduos sempre foram consumidas e apenas no início do século XX, por razões de ordem puramente econômica, algumas dessas substâncias foram proibidas. Nos anos 1970, os Estados Unidos deflagraram uma Guerra às Drogas que tem consumido, em média, 40 bilhões de dólares anuais, política cujo fracasso é admitido por muitos operadores do próprio sistema de segurança e justiça norte-americano (ver site http://www.leap.cc).
 
As drogas devem ser encaradas como problema de saúde pública e de regulação social, não de justiça criminal. Em vez de continuar encarcerando milhares de pequenos traficantes a um custo altíssimo, o papel do Estado deveria ser desenvolver uma política racional de redução de danos do uso das drogas e empreender campanhas esclarecedoras inteligentes sobre os riscos do consumo abusivo de drogas, inclusive as atualmente legais, como o tabaco e o álcool.

Fonte: http://www.ucamcesec.com.br/home/?unbust#/artigo/contra-o-arbitrio-regras-claras/?&_suid=52

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