Dignas dos tempos do coronel Erasmo Dias, foram as lamentáveis cenas exibidas nos telejornais de ontem, quando 70 estudantes que ocupavam a reitoria da USP foram desalojados por um contingente de 400 policiais, incluíndo tropa de choque e cavalaria, e mais o apoio de um helicóptero. As cenas fortes nos fazem lembrar de operações da PM no interior de presídios, quando os presos, enfileirados e sentados, esperam pela revista nas celas.
Os alunos estavam acampados no prédio da reitoria em protesto pela decisão do reitor João Grandino Rodas em firmar um “convênio” que prevê o aumento da presença de policiais militares no campus do Butantã, afim de reprimir assaltos, estupros e mesmo assassinatos que vem sendo cometidos alí.
Para quem não está familiarizado com as práticas do reitor Rodas, pode-se imaginar que o “convênio” com a PM seja uma medida legítima de alguém realmente preocupado com a segurança dos USPianos. Na verdade, a polícia nunca deixou de estar presente no campus quando crimes foram cometidos. O tal “convênio” parece estar mais relacionado com o fetiche pela repressão que o magnífico reitor vem demonstrando ao longo do tempo, por exemplo, quando autorizou o uso da tropa de choque por pelo menos duas vezes (2007 e 2009) contra militantes de movimentos sociais e estudantes.
Os recentes incidentes começaram depois que PMs prenderam jovens fumando maconha no campus. Em protesto, estudantes ocuparam as dependências da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e, posteriormente, a reitoria. As palavras “maconha” e “maconheiro” foram as pedras de toque de conservadores que utilizam o notório argumento da repressão ao uso de drogas para justificar a militarização de um espaço universitário. Foram termos empregados tanto por moralistas da direita quanto da “esquerda”, antes, durante e depois da ocupação, ad nauseam, como uma espécie de cortina de fumaça, desviando a atenção e mesmo impedindo qualquer possibilidade de um debate pertinente.
Some-se a isso o papel da imprensa, notadamente as emissoras de TV e jornais, que não economizaram na adjetivação dos manifestantes, que frequentemente eram chamados de “baderneiros” e “invasores”, expressões também utilizadas pela mídia com referência ao Movimento dos Sem-Terra.
Esse apreço pelas forças policiais, no entanto, não coloca o reitor Rodas como defensor da lei. O Ministério Público de São Paulo abriu esse ano investigação para apurar, entre outras coisas, improbidade administrativa e lesão aos cofres públicos cometidas durante a gestão de Rodas que, curiosamente, já foi diretor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
Vale lembrar que a PM que Rodas deseja impôr a comunidade universitária, sob o argumento da segurança no campus, é a mesma que dispara balas de borracha e gás lacrimogêneo contra estudantes que lutam pelo passe livre nos ônibus. Sem esquecer também da longa lista de violações de direitos humanos, como o massacre no antigo presidio do Carandiru em 1992 e a matança promovida durante os ataques do PCC em 2006, do envolvimento de policiais em grupos de extermínio, tráfico de drogas e armas, cotidianamente divulgado pela imprensa.
Dado o histórico autoritário do atual reitor da USP, não é dificil perceber que o real interesse de Rodas está longe de ser a segurança no campus e sim a instalação de um aparato de repressão para não só impor as políticas do governador Geraldo Alckmin, como também reprimir movimentos sociais, nesse caso em particular, a organização de estudantes, professores e funcionários da universidade.
Cabe as diversas correntes do movimento estudantil deixar de lado as diferenças no presente momento, e unir forças para defender a autonomia universitária na USP contra o modelo feudal imposto por Rodas. É isso o que realmente está em jogo. Nem mais, nem menos.
*Carlos Latuff é cartunista.
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