segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
Toninho do Incra era o PM Cerutti
Do blog Língua Ferina
Brigadiano revela como se passava por servidor federal para ter acesso e espionar os sem-terra que deram origem ao MST
Entre 1980 e 1982, acampamento dos sem-terra em Encruzilhada Natalino [Rio Grande do Sul].
No meio das barracas de lona que ocupam os dois lados da estrada Passo Fundo-Ronda Alta, um rapaz loiro, magro, bem falante, com uma planilha presa a uma prancheta de madeira, toma chimarrão com o chefe da família acampada. O ambiente é tenso porque vigora o regime militar (1964-1985), que proíbe manifestações pela reforma agrária. Mas a conversa flui, afinal o jovem de 24 anos é Toninho do Incra, um funcionário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que se dispõe a ajudar os agricultores.
Duas décadas depois, no município de Pontão, a 17 quilômetros de Ronda Alta.
Um oficial da Brigada Militar canta o Hino Nacional durante solenidade em Pontão, pequena cidade agrícola que surgiu na região de Encruzilhada Natalino. Ao final do evento, o prefeito Nelson José Grasselli (PT) aproxima-se e pergunta:
– Tu não és o Toninho do Incra?
A resposta é curta:
– Sou.
Vinte anos atrás, Grasselli conhecera Toninho do Incra quando ele comprava víveres da família – ovos, galinha, mel, carne de porco. Grasselli se tornou um dos dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que nasceu na Encruzilhada Natalino. Já o oficial é o coronel Waldir João Reis Cerutti, hoje com 54 anos, que era tenente quando se infiltrou no acampamento dos sem-terra passando-se por servidor do Incra.
O disfarce era tão perfeito que enganou os próprios colegas de farda. Parado em uma barreira da BM, Cerutti foi revistado e ainda ouviu desaforos de um policial, que o acusou de colaborar com a sedição dos colonos.
Localizado por ZH, Cerutti concorda em revelar o lado desconhecido de seu trabalho como integrante da Agência Central de Inteligência da BM, a chamada P2. Mas impõe condições: nada de gravador ligado ou bloco de anotações por perto.
O primeiro encontro ocorre numa noite fria do inverno de 2008, em um bar de Porto Alegre.
Oficialmente, ele está na reserva da corporação. Porém, um agente de serviço de inteligência jamais se aposenta.Foi quase por acaso que Cerutti virou agente infiltrado. Durante o conflito entre caingangues e colonos que haviam invadido uma reserva indígena de Nonoai, em 1978, foi enviado pelo comando da BM para fazer um levantamento da situação. Objetivo: descobrir se era possível mandar tropas para desalojar os índios de suas trincheiras.
Em um Fusca, disfarçado de comerciante, Cerutti andou pela região ouvindo indígenas e agricultores.
– Pelo grau de radicalização dos dois lados e as armas que tinham, uma intervenção direta da corporação significaria uma banho de sangue. Aconselhei uma outra abordagem – recorda.
A observação conciliadora de Cerutti é confirmada pelos que protagonizaram aquele confronto, como o cacique Nelson Xangrê, líder da rebelião.
Depois, na Encruzilhada Natalino, Cerutti coordenava uma equipe de agentes que se introduziu na ebulição do acampamento. Flutuando nos bastidores da reforma agrária, revela que Exército, Marinha, Aeronáutica e Polícia Federal tinham os “seus lá”. Os brigadianos foram mais eficientes devido aos laços culturais com os acampados.
A maioria das centenas de fotos, filmes e relatórios produzidos pelos infiltrados na Encruzilhada Natalino teria desaparecido. São documentos que nunca vieram à luz. Restou a memória dos infiltrados como testemunho. E o coronel Waldir Cerutti avisa:
– Conheço um por um os caras do MST. Sei da história deles. Isso os incomoda. Mas é bom que se incomodem.
Leia mais:
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Espalhar boatos e intrigas como tática
Cerutti substitui o major Curió
Fonte: Zero Hora, Porto Alegre, 31/01/2010.
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