E para eles, imposição autoritária de decisões e leis do regime militar ainda seguem como norma
Por Leão Serva, para a Folha
A Comissão da Verdade, que investiga crimes cometidos pelo governo ou agentes do regime autoritário, suspeita que tenham sido mil mortos ou desaparecidos políticos entre 1964 e 1985. A construção de estradas na Amazônia, no governo do general Garrastazu (1969-1973), matou 8 mil índios, segundo estima a comissão.
Quando considerados os mortos indígenas relativamente à população das etnias, os resultados apontam
para um genocídio. No Amazonas, os Waimiri-Atroari habitavam área em que o governo quis passar a rodovia Manaus-Boa Vista; perderam 75% de sua população entre 1971 e 1985. Os Panará (ou Krenhakarore), cuja saga inspirou uma música no primeiro disco solo de Paul McCartney (1970), estavam no traçado da rodovia Cuiabá-Santarém (Pará); eram cerca de 450 no contato, em 1973; em dois anos restavam 74 (-84%).
Índio vítima da Ditadura. |
As agressões aos índios na ditadura estão sendo apuradas por um núcleo da Comissão da Verdade liderado pela psicóloga Maria Rita Kehl. Ainda que esse passado seja agora expiado, o atropelo dos direitos indígenas por interesses de setores da sociedade abrangente persiste no Brasil atual. Quando se trata de realizar obras decididas em Brasília, impô-las goela abaixo dos índios ainda é a norma. Antes era PIN, agora PAC, mas vale a lógica expressa pelo ex-governador de Roraima: "Uma área rica como essa, com ouro, diamantes e urânio não pode dar-se ao luxo de conservar meia dúzia de tribos indígenas que estão atrasando o desenvolvimento do Brasil" (gen. Fernando Ramos Pereira, "O Estado de S. Paulo", 1.mar.1975).
É exemplar o caso da hidrelétrica de Belo Monte: as obras seguem sem respeito ao rito legal que prevê consultas prévias e compensações aos povos indígenas afetados. Questionamentos judiciais à construção são barrados com base no mecanismo de "suspensão de segurança", criado na ditadura, pelo qual o Executivo derruba decisões do Judiciário sob alegação de "ocorrência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas".
Para os índios, o regime autoritário, iniciado em 1964, ainda sobrevive na lógica desenvolvimentista, no descaso por seus direitos e no uso de leis daquele tempo.
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