Foto: Divulgação |
O advogado Jonas Tadeu, que não é miliciano, prestou serviços legais e legítimos ao ex-deputado Natalino José Guimarães _este, sim, notório miliciano que acabou em cana. Num momento em que se sentiu, conforme palavra sua, “desestabilizado”, o advogado plantou anteontem uma informação contra Freixo, ex-presidente da CPI que investigou as milícias. E o jornalismo embaralhou o nome do deputado no noticiário sobre o assassinato do repórter cinematográfico Santiago Andrade.
Jonas Tadeu defende o tatuador Fábio Raposo, que aparentemente participou da morte do cinegrafista ao entregar ao atirador a arma do crime, um rojão. Domingo, numa delegacia policial, Tadeu afirmou que uma militante dos protestos deflagrados em junho de 2013, conhecida como Sininho, teria telefonado oferecendo, em nome de Marcelo Freixo, apoio jurídico a Raposo. Mais grave, ela teria confidenciado que o detonador do fogo de artifício teria conexões com Freixo. Sentindo-se ofendido, pois haveria causídico querendo roubar-lhe o cliente, Tadeu denunciou o alegado telefonema. Fez uma declaração formal à Polícia Civil e, em seguida, permitiu que um (ou uma) repórter fotografasse o documento. A partir daí, Freixo entrou na linha de tiro.
O vínculo de Freixo com o assassinato de Santiago é tão inverossímil que ontem de manhã, na Rádio Globo, Jonas Tadeu disse, em conversa com o deputado, intermediada com brilho pelo radialista Roberto Canazio (ouça aqui): "Peço desculpas por ter sido levado pela emoção, pelo desequilíbrio e ter entregue isso [a declaração mencionando Freixo] à jornalista".
Mas o estrago já estava e continua a ser feito.
É de se desconfiar de eventual proximidade dos black-blocs com um deputado filiado a partido político, pois aquele movimento dito anarquista é avesso a agremiações partidárias. Portanto, já haveria uma pulga a pinicar atrás da orelha.
Sininho negou ter envolvido o nome de Freixo ao propor auxílio jurídico. Outra pulga.
Estranhamente, quem assinou a declaração não foi Jonas Tadeu, mas um estagiário do seu escritório. Trocando em miúdos, o estagiário disse que o advogado disse que Sininho disse algo que ela sustenta não ter dito. Um pulgueiro espalha-se pelas orelhas.
A condição de antigo advogado de miliciano deveria no mínimo redobrar o ceticismo, valor caro ao jornalismo. Não significa que Jonas Tadeu tenha mentido ou não, mas a suspeição é evidente. Superpopulação de pulgas.
A despeito dos escrúpulos que pautam tantos policiais, uma legião de tiras e PMs considera Freixo o inimigo a derrotar, em virtude de suas incansáveis denúncias de violência ilegal, corrupção e abusos de autoria de agentes públicos do setor de segurança. O pulgueiro cobre as orelhas e toma o pescoço.
O ex-advogado de parlamentar representante das milícias foi considerado fonte confiável e profissional em legítimo exercício da profissão. De fato, a defesa é direito constitucional dos cidadãos, inclusive de Fábio Raposo. Portanto, o advogado de um suposto participante do homicídio não comete crime ou erro algum. De acordo.
Hoje, no entanto, a informação de que um assessor de Freixo presta (por meio de uma ong) assistência jurídica a presos em protestos virou escândalo. O deputado contou que o trabalho não ocorre em nome do seu gabinete.
É curioso que a seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil montou uma equipe para socorrer detidos em manifestações, e o jornalismo não apenas não fez escarcéu, como não chiou nem discretamente. Faz muito bem a OAB: a defesa é direito a ser assegurado a todos, e boa parte dos presos não participa de atos de violência. A presença da OAB inibe a carnificina às vezes insinuada pelo aparato repressivo.
Ou seja, Jonas Tadeu e a OAB podem, mas não um advogado associado a Freixo.
O deputado nunca fez apologia do emprego de violência em plena democracia. Mesmo se fosse um irmão, primo ou filho seu que tivesse participado da morte de Santiago Andrade, como responsabilizá-lo?
Pior: no domingo, era ignorada a identidade do suspeito de acender o rojão. Freixo não podia nem se defender com mais objetividade, por desconhecer o nome da pessoa.
Ecoa o jornalismo marrom, com a célebre pergunta marota, sem lastro factual: “O senhor é ladrão?”. E imprime-se a manchete: “Fulano diz que não é ladrão”. E só se fala nisso.
O factoide contra Freixo sugere um vale-tudo, às vésperas da eleição de 2014 e na antevéspera da de 2016, quando o deputado pretende, como já declarou, candidatar-se novamente à Prefeitura do Rio.
Até o advogado Jonas Tadeu pediu desculpas. Enquanto isso, o jornalismo eleva Freixo a protagonista de um episódio revoltante.
À distância, talvez o governador Sérgio Cabral (PMDB) sorria.
Mário Magalhães nasceu no Rio em 1964. Formou-se em jornalismo na UFRJ. Trabalhou nos jornais “Folha de S. Paulo”, “O Estado de S. Paulo”, “O Globo” e “Tribuna da Imprensa”. Recebeu mais de 20 prêmios. É autor da biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário