Lúcio Flávio Pinto |
Por Lúcio Flávio Pinto
Contribuí hoje com R$ 25.116,75 para aumentar a fortuna
dos sucessores e herdeiros do empresário Cecílio do Rego Almeida. Esse
foi o valor apurado da indenização que a justiça do Pará me obrigou a
pagar ao dono de uma das maiores empreiteiras do Brasil, a Construtora
C. R. Almeida, com sede no Paraná.
No ano 2000 ele cobrou a reparação do dano moral que alegou ter
sofrido porque eu o chamei de pirata fundiário, em artigo publicado no
meu Jornal Pessoal, um quinzenário alternativo que escrevo
sozinho desde 1987, em Belém. Na época, cobrou R$ 4 mil pela sua honra
ofendida. O valor final, de R$ 25 mil, decorreu da correção monetária e
dos acréscimos do processo.
Eu podia continuar a recorrer, como fiz ao longo de mais de 10 anos. O
último recurso, do qual podia lançar mão, era uma ação rescisória, que
praticamente reiniciaria o processo. Mas achei que o cinismo, a
injustiça e o propósito deliberado de me atingir exigiam uma resposta
mais contundente, à altura do surrealismo da situação. Decidi não
recorrer mais.
Não sei se existem casos semelhantes nos anais do judiciário
brasileiro. Compareci espontaneamente ao foro e pedi para pagar a
indenização. O cálculo inicial apresentado foi excessivo. Contestei-o. O
juiz substituto da 3ª vara cível de Belém concordou com meu
questionamento e deferiu meu cálculo. Os herdeiros de C. R. Almeida não
se manifestaram.
Eles só se habilitaram nos autos mais de dois anos depois da morte do
patriarca, que ocorreu em 2008, já fora do prazo, renovado abusivamente
pela justiça. O juiz que me condenou atuou como substituto na vara pela
qual o processo tramitava, em 2005, por um único dia, enquanto a
titular viajava para fazer um curso de três dias no Rio de Janeiro.
Amílcar Guimarães levou para sua casa um único dos processos
acumulados na vara. Era uma sexta-feira. Na segunda-feira seguinte a
titular reassumiu a função. Só um dia depois, já na terça-feira, o
substituto devolveu o processo, de mais de 400 páginas, com sua
sentença. Como ela não tinha mais validade, datou-a como sendo da
sexta-feira anterior, sem se importar com o registro exato feito no
acompanhamento digital, que serviu de prova da fraude: o exercício
ilegal da jurisdição sobre o processo.
Não consegui anular essa decisão, apesar de todos os recursos que
utilizei. Não consegui sequer a punição do juiz fraudador, que
confessou, por escrito, seu interesse pessoal na causa: condenar-me,
independentemente das minhas alegações de defesa. A sentença foi mantida
no tribunal. O presidente do Superior Tribunal de Justiça negou meu
último recurso, alegando falha formal, sem entrar no mérito.
Toda a suposta ofensa tinha origem na expressão pirata fundiária. Foi
a metáfora que encontrei para definir o que fez o empresário Cecílio do
Rego Almeida. Ele tentou se tornar dono de uma enorme área de terras,
variando entre cinco milhões e sete milhões de hectares, numa das
regiões mais cobiçadas do Pará, rica em madeira de lei, minérios e
biodiversidade. Se a área fosse realmente dele, Cecílio teria sob seus
domínios extensão equivalente à do 21º maior dentre os 27 Estados da
federação brasileira, ou 7% do Pará, que é o segundo mais extenso do
país.
Provei documentalmente a apropriação ilícita das terras, que
pertencem ao patrimônio pú8blico. Minhas provas serviram de base para
uma ação que o Ministério Público Federal propôs contra a famosa
grilagem, a maior do mundo, Graças a essa iniciativa, a competência pelo
processamento da ação foi deslocada da justiça estadual, que sempre deu
ganho de causa ao grileiro.
A justiça federal, que assumiu o encargo, reconheceu a grilagem e
mandou cancelar os registros imobiliários em nome do grileiro. Todos os
funcionários do cartório de Altamira, onde a fraude foi praticada,
acabaram punidos com demissão a bem do serviço público. Cecílio só não
foi denunciado porque já tinha mais de 70 anos de idade e não se tratava
de flagrante. Os demais envolvidos no golpe foram processados.
Apesar de tudo isso, minha condenação permaneceu na justiça estadual,
justamente a que devia se preocupar com a lesão ao patrimônio fundiário
do Pará. Quando vi meu recurso ser indeferido por mera formalidade, que
podia ser sanada ou ser ignorada, já que a questão estava
suficientemente apresentada nos autos para ser julgada, lembrei-me de
uma capa de O Estado de S. Paulo de 1973, 40 anos atrás.
Os censores do governo militar vetaram notícia sobre a renúncia do
ministro da agricultura, Cirne Lima, em protesto contra medidas
inspiradas por seu colega da Fazenda, Delfim Netto. No lugar da matéria
entrou um anúncio da Rádio Eldorado, que dizia apenas: “agora é samba”.
Achei que no meu caso valia essa reação. Desisti de recorrer.
Convoquei amigos e simpatizantes para uma “vaquinha” que se espalhou
pelo país. Felizmente conseguimos arrecadar o suficiente para pagar a
indenização absurda e aviltante. Quitado o encargo, convido meus
leitores a participarem de uma nova rodada, agora para as manifestações
daqueles que também acham que a situação merece uma resposta. Este é meu
convite: vamos mostrar à justiça do Pará que se ela reprime a verdade,
nós a exaltamos. E estamos dispostos a pagar qualquer preço para fazê-la
prevalecer sobre o absurdo do poder absoluto.
Fonte: http://br.noticias.yahoo.com/blogs/cartas-amazonia/o-pre%C3%A7o-da-verdade-212255657.html#more-id
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