Por Luciano Martins/Observatório da Imprensa
Clima de horror nas redações
Tem grande repercussão nas redes sociais a reportagem publicada na segunda-feira (11/03) pelo Portalimprensa (ver http://portalimprensa.uol.com. br/noticias/brasil/57260/ pesquisador+aponta+aumento+de+ depressao+assedio+e+cocaina+ entre+jornalistas)
sobre o aumento dos casos de depressão, infidelidade conjugal e uso
abusivo de drogas e álcool entre profissionais de jornalismo.
O estudo foi realizado pelo doutor em Psicologia José Roberto Heloani, da Unicamp, cobrindo um período de dez anos.
Segundo o
pesquisador, na última década os jornalistas brasileiros se tornaram
mais sujeitos a pressão por causa de circunstâncias de trabalho,
tornando-se mais vulneráveis a assédio moral e sexual, além de outras
condições capazes de produzir desequilíbrio emocional e doenças mentais.
No período mais
recente de seu estudo, Heloani trabalhou com uma amostragem de 250
jornalistas, analisando aspectos de suas vidas como saúde mental,
identidade e subjetividade e resiliência a situações estressantes.
Ele encontrou um grande número de profissionais trabalhando em estados de pré-exaustão ou exaustão na maioria das redações.
A concentração
da propriedade dos meios de comunicação, que torna crucial a aceitação
de um jornalista no restrito e concorrido mercado da imprensa, o
transforma em um indivíduo passivo diante de circunstâncias indignas de
trabalho.
"No Brasil, há
seis grandes grupos de comunicação. Você precisa ter muita coragem para
fazer uma denúncia formal de assédio se quiser permanecer no mercado. A
pessoa pode até pensar em mudar de área, ir para assessoria ou área
acadêmica, mas nenhuma alternativa é fácil", resume o pesquisador.
O uso de drogas aumentou cerca de 25% no período estudado, como uma das consequências das condições opressivas de trabalho.
Em função das
longas e extenuantes jornadas, muitos dos entrevistados também relatam
dificuldades de relacionamento, insegurança e medo de tomar decisões.
Essa realidade,
confrontada com a imagem idealizada da profissão, produz uma sensação
geral de vulnerabilidade e frustração, que levam aos casos de depressão.
Do assédio ao crime
Coautor do livro
"Assédio moral no trabalho" (Ed. Cengage), com Maria Ester de Freitas e
Margarida Silveira Barreto, Heloani tem grande experiência no estudo de
processos de expropriação da dignidade no ambiente de trabalho.
Um de seus ensaios, publicado em 2004 (ver http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid= S1676-56482004000100013),
relata o processo em que, submetido a constante assédio moral e
depreciação, o trabalhador acaba por emular a personalidade que lhe é
atribuída, com a consequente redução de sua autoestima e de suas
ambições profissionais e pessoais.
Essa foi a
circunstância encontrada por ele no acompanhamento de três grupos
diferentes de jornalistas, o primeiro formado em 2003 por profissionais
atuando no eixo Rio-São Paulo.
Heloani considera
que o fato de os profissionais de imprensa terem que enfrentar,
progressivamente, mais desafios e complexidades, por exemplo, com a
exigência de desenvolver habilidades multifocais, agrava a situação.
No primeiro grupo
estudado, ele não encontrou tantos casos de estresse patológico grave,
mas nos grupos acompanhados mais recentemente, sua pesquisa revelou a
presença de profissionais debilitados, extenuados, muitos recorrendo a
drogas lícitas e ilícitas para suportar o ritmo de trabalho.
Interessante
observar que, tendo sido publicada na última segunda-feira, a pesquisa
não despertou interesse nos grandes grupos de comunicação, justamente os
lugares que concentram o problema.
Há vinte anos ou
mais, essas empresas tinham comissões internas de qualidade no trabalho,
com programas de prevenção que protegiam os jornalistas dos riscos mais
comuns da profissão.
Com o fim da
exigência do diploma específico para o exercício do jornalismo e o
desmanche das atividades sindicais, as redações ficaram submetidas ao
arbítrio de editores e diretores nem sempre habilitados para a gestão de
pessoas.
Os casos de
assédio se multiplicam mas não são relatados publicamente, porque as
vítimas têm medo de perder o emprego e entrar numa lista negra dos
grandes jornais.
O mais grave deles se transformou em escândalo com o assassinato da jornalista Sandra Gomide pelo ex-diretor de redação do Estado de S. Paulo.
O episódio
sangrento, que evoluiu do assédio ao homicídio, é minuciosamente
investigado no livro "Pimenta Neves - uma reportagem" (ed. Scortecci),
de autoria de Luiz Octávio Lima, lançado na semana passada em São Paulo.
O estudo de José Roberto Heloani mostra que esse crime covarde não ensinou nada às redações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário