Jorge Mario Bergoglio entrega a comunhão ao então ditador sanguinário argentino Jorge Rafael Videla. |
Por Janaína Figueiredo
A história foi registrada no livro “O Silêncio”. As vítimas -
Francisco Jalics e Orlando Yorio, que desapareceram por cinco meses -
eram companheiros de Bergoglio na Companhia de Jesus, cuja congregação
fazia trabalhos de ajuda social numa localidade do bairro de Bajo
Flores. Os defensores de Bergoglio dizem que não há provas contra ele e
que o Papa ajudou muitos a escapar das Forças Armadas durante os anos de
chumbo.
Mas a acusação de Verbitsky não era inédita. Rumores
sobre uma suposta colaboração de Bergoglio com a ditadura já haviam
circulado na Argentina por críticos do perfil conservador do novo Papa.
Ele chegou a ser denunciado na Justiça por supostas ligações com o
sequestro dos missionários, segundo uma fonte judicial do Palácio de
Tribunais.
Na última década, sinais mais claros das possíveis
participações do novo Papa na ditadura começaram a aparecer na imprensa
argentina. Mas foi em 2005, quando o jornalista Horacio Verbitsky acusou
o então arcebispo de ter contribuído para a detenção, em 1976, de dois
sacerdotes que trabalhavam sob seu comando na Companhia de Jesus, que as
suspeitas ganharam força.
Em entrevista ao GLOBO,
Estela de la Cuadra, que até hoje procura sua sobrinha, Ana, nascida na
mesa de uma delegacia em junho de 1977, assegurou que “a Igreja
Católica escolheu uma pessoa que para nós, familiares de vítimas da
repressão exercida pelos militares, foi cúmplice de um governo
genocida”.
A indignação de Graciela e Estele reflete, em grande
medida, o clima que se viveu nesta quarta-feira em associações de defesa
dos direitos humanos da Argentina. Nas sedes das Mães e Avós da Praça
de Maio, entre outras ONGs locais, seus representantes receberam com
surpresa e estupor o nome do novo Papa. Para este setor da sociedade
argentina, acompanhado nas redes sociais por dirigentes esquerdistas, a
escolha de Bergoglio foi difícil de digerir.
- Até hoje, a Igreja
continua sem colaborar com as investigações da Justiça. Bergoglio nunca
quis abrir os arquivos da Conferência Episcopal - lamentou Graciela.
De
acordo com o livro de Verbitsky, o Papa Francisco retirou o apoio da
ordem aos jesuítas perseguidos pelo governo militar em 1976. Após a fim
do apoio, ambos acabaram sendo capturados e presos. Em 2011, Verbistky
descobriu um documento do Ministério das Relações Exteriores e Culto da
Argentina que confirma a suspeita. Na época, Jalics, húngaro, havia
feito um pedido de renovação de passaporte. O informe mostra que
Bergoglio apontou que havia “suspeitas de contato com guerrilheiros” e
“conflitos de obediência”. A solicitação do jesuíta foi negada.
Bergoglio
aceitou falar com o jornalista durante a preparação do livro, mas negou
que tenha colaborado com a ditadura. Segundo Bergoglio, ele agiu para
tentar salvar os sacerdotes enquanto estavam presos na Escola de
Mecânica da Armada, local de extermínio do regime militar.
Em
2010, o então cardeal publicou o livro “O jesuíta” em que defendia seu
desempenho na Companhia de Jesus entre 1973 e 1979. No livro, Bergoglio
diz que Yorio e Jalics estavam planejando a criação de uma uma
congregação religiosa e entregaram o primeiro rascunho do documento a
três monsenhores. O religioso também teria recebido uma cópia.
As
denúncias iniciais da participação do Papa na ditadura foram feitas por
Emilio Mignone, em seu livro “Igreja e ditadura”, de 1986, quando
Bergoglio não era conhecido fora do mundo eclesiástico. Mignone
exemplificou a “sinistra cumplicidade” com os militares numa operação
militar em que desapareceram quatro catequistas e dois de seus maridos.
Segundo o livro do fundador do Centro de Estudos Legais e Sociais, sua
filha, Mónica Candelaria Mignone, e a presidente das Mães da Praça de
Maio, Martha Ocampo de Vázquez, nunca mais foram encontradas.
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