terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Nahuel Moreno, a revolução cubana e o socialismo: uma leitura após 28 anos de seu falecimento

Moreno: um militante pela classe operária e pela revolução socialista mundial
por Laura Marrone*

Hugo Miguel Bressano Capacete ou simplesmente Nahuel Moreno, foi sem dúvida, o dirigente trotskista latino-americano mais importante da segunda metade do século XX. Tinha apenas 19 anos quando compreendeu que as bandeiras da Quarta Internacional, fundada por León Trotsky (dirigente da Revolução Bolchevique na Rússia) - assassinado apenas quatro anos antes em 1940, eram o legado que permitiria recuperar o caminho da revolução socialista que havia sido "truncado" na União Soviética pela burocracia stalinista desde os anos 20.

Moreno se forjou no que ele mesmo chamou um trotskismo bárbaro, pelo isolamento de seu país (Argentina) em relação ao centro dos processos políticos mundiais ao final da Segunda Guerra Mundial. A revolução cubana, no entanto, expôs a América Latina aos olhos dos revolucionários do mundo, e seu curso acompanhou a maior parte da sua vida política.

Cuba, começa a revolução socialista na América Latina

Convencido de que o internacionalismo era a chave para a formação dos partidos nacionais, foi um dos primeiros a compreender, em fins de 59 e início de 1960, que a revolução em Cuba avançava por caminhos impensados para a ruptura com o capitalismo e em direção ao socialismo. Contra as tendências sectárias e dogmáticas, já em 1961, a partir da expropriação da burguesia, defendeu que Cuba era um estado operário surgido por fora do aparato stalinista mundial, ainda que não respondia aos cânones clássicos da revolução russa, que previam somente revoluções apoiadas na classe operária e em organismo de democracia operária como os soviets.

Moreno destacava duas coincidências centrais com a proposta cubana: por um lado, o resgate da luta armada como continuidade da luta de classes, contra as posturas reformistas que o Partido Comunista da URSS ordenava como estratégia da coexistência pacífica com o imperialismo. E por outro, o aprofundamento da revolução que, tendo se iniciado com um programa democrático anti-ditatorial, avançou até a expropriação da burguesia em um processo de revolução permanente impondo medidas socialistas. 

O debate entre revolucionários

A cabeça aberta aos novos processos não o impedia, no entanto, de manter ao mesmo tempo uma posição crítica e independente em relação ao castro guevarismo. Dessa forma, desde o primeiro momento, advertia sobre os perigos que trazia a proposta de Che de estender a guerra de guerrilhas a todo continente. Moreno discute que é necessário fazer distinção entre a luta armada e a tática de guerra de guerrilhas. A generalização simplista do foco guerrilheiro de Guevara à toda América Latina conduzia ao desconhecimento da realidade, das formas de luta e organização de cada movimento de massas e levava a enfrentamentos difíceis e à morte valentes jovens que, no começo dos anos sessenta, impulsionaram os focos guerrilheiros, rapidamente esmagados em numerosos países, ou como ocorreu nas décadas posteriores na Argentina e Bolívia (1).

O castrismo exporta a política stalinista

Poucos anos depois, a polêmica se reacende com Fidel, mas num sentido diferente. Longe de reiterar o foquismo de Che, no final das contas internacionalista, um Fidel cada vez mais funcional à política exterior da Rússia e do Partido Comunista apoiou em 1968 o esmagamento da heróica insurreição antiburocrática na Tchecoslováquia. No Chile em 1973, pouco antes do golpe de Pinochet (2) e logo depois em Nicarágua em 1979, convoca a não marchar ao socialismo (3). 

A estratégia de coexistência pacífica com o imperialismo que Moscou coloca em prática no mundo, o copta para ser o freio da extensão da revolução latino-americana, especialmente na América Central, nesse momento estendida a vários países além da Nicarágua, como El Salvador e Guatemala. O quintal dos Estados Unidos está pegando fogo. E Fidel convoca à unidade com a burguesia e a governar com ela. Na Argentina, a traição do Parido Comunista, que apóia a ditadura de Videla, é acompanhada por Fidel (4).

Moreno argumenta que a transformação do Movimento 26 de Julho, com um programa originalmente nacionalista revolucionário, anti-ditatorial e anti-imperialista, em um partido stalinista, burocrático, se explica justamente por seu caráter de classe pequeno-burguês, baseado em uma formação militar burocrática. Isto o impediu de impulsionar, desde o início, o desenvolvimento independente e democrático da organização de base das massas cubanas e que estas se apropriassem dos destinos da revolução através do exercício da democracia operária (5). 

Revolução política ou restauração capitalista

Em "Atualização do Programa de Transição" (6), escrito em 1980, Moreno adverte que as economias dos estados operários burocráticos, da Rússia até Cuba, orientadas por um desenvolvimento nacional à serviço dos interesses dos aparatos dirigentes, leva a crise crônica dos mesmos, ao padecimento de seus trabalhadores e os faz cada vez mais dependentes da economia mundial capitalista. Assinala que isto conduz a dois caminhos: ou avançam até à integração ao mercado mundial e a restauração do capitalismo, ou marcham para a revolução política que havia proposto Trotsky, "para que o movimento operário democraticamente ordene seus planos econômicos ao desenvolvimento da revolução mundial" (7).

Ele diz que a revolução política "se transformou possivelmente na tarefa específica mais imediata e importante da Quarta Internacional" (8). Isto supõe um programa não apenas para os estados operários burocratizados como a então URSS, China e Cuba, para impedir o perigo da restauração capitalista, mas também para todos os organismos da classe trabalhadora no mundo, especialmente os sindicatos. Para isso, propõe um programa: acabar com o regime de partidos únicos nos estados operários, direito à organização sindical, independente do estado, revogabilidade dos delegados, impulsionar as assembleias e a decisão das bases, etc., para o avanço na construção de novas direções revolucionárias.

Moreno faleceu em 1987 sem ver que os cursos da revolução política iniciada no Leste, como na Polônia, se bem conseguiu acabar com as ditaduras do partido único na ex-URSS e no leste europeu e destruir o aparato stalinista mundial, não pode frear e derrotar o avanço da restauração capitalista. Não surgiram direções revolucionários que permitissem reconstruir a memória histórica da classe trabalhadora e retomar o caminho do socialismo e da democracia operária. A restauração capitalista no leste, e o processo na mesma direção de Cuba, ao qual se insere a recente retomada de relações diplomáticas e as crescentes relações comerciais com os Estados Unidos, confirmaram as hipóteses de Moreno no sentido mais negativo.

No entanto, o capitalismo imperialista não se recupera, segue de crise em crise. Ao mesmo tempo, a cada dia há mais lutas no mundo e os grandes aparatos contra-revolucionários que antes as controlavam entraram em crise. As massas se mobilizam em todos os continentes e geram condições para que surjam novas correntes e direções revolucionárias.

Seguimos na luta pelo socialismo e pela Quarta Internacional

Enquanto o castrismo e o chavismo confundem as massas com o modelo chinês de restauração capitalista, desvirtuando o legado da própria revolução cubana, é importante recordar as teses de Moreno, onde reafirma que o socialismo, ou seja, a expropriação da burguesia e planificação democrática da economia segundo as necessidades do conjunto da humanidade é cada vez mais urgente. Em sua tese 40, defende que a humanidade está a beira do abismo. O imperialismo e a burocracia, não só podem nos levar a uma etapa de barbárie e nova escravidão, mas a algo mais grave: ao perigo de que o mundo se transforme num planeta sem vida. "Somente o socialismo pode superar o mundo da necessidade e nos levar ao terreno da liberdade" (9).

Pra isso, sua tese 41, coloca a tarefa hoje mais do que nunca urgente: Reconstruir a Quarta Internacional.

Somos rebeldes, pensemos como!
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Referências:

(1). Ver "Dos métodos ante la revolución latinoamericana" (www.nahuelmoreno.org), de 1964, y MORENO, Nahuel et alt. Argentina e Bolivia: un Balance. Polémica com la guerrilla 1969-1972. Bs As, Cehus, 2014.

(2). Ver Chile: la derrota de la "vía pacífica al socialismo". Bs As., El Socialista, 2013.

(3). La brigada Simón Bolívar. Bs. As., El Socialista, 2009.

(4). MORENO, Nahuel. Actualización del programa de transición. Bs. As., Cehus, 2014. Pág. 57.

(5). Ibid, Tesis XX pág. 91.

(6). Ibid, pág. 150.

(7). Ibid, pág. 93

(8). Ibid. pág. 100.

(9). IBid, pág. 153.



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* Laura Marrone é militante do partido de esquerda El Socialista da Argentina/UIT-QI.

Fonte: CST/PSOL

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