Por Camila Pavanelli
O pacifismo e o amor à ordem por parte de certos governantes é realmente comovente. São muito pacifistas quando se trata de condenar danos infligidos a objetos, e consideram que até mesmo as críticas verbais que lhes são dirigidas primam pela violência – ou, para usar um termo que lhes é caro, pela “baderna”.
Para a Senadora Kátia Abreu, por exemplo, foram autoritárias e antidemocráticas as manifestações populares contra o Código Florestal e contra a presença da Polícia Militar na USP – tudo isso em 2011, bem antes de qualquer prenúncio de junho de 2013. (O pacifismo seletivo de nossos governantes vem de muito longe.)
O texto é revelador porque, quando a Senadora critica a depredação da Reitoria da USP, o leitor se vê obrigado a perguntar qual seria, então, uma forma pacífica e democrática de manifestação e reivindicação de direitos. Não é difícil concluir que, se os estudantes tivessem se limitado a expor verbalmente seu ponto de vista, sem quebrar coisa alguma, tal ação deveria necessariamente ser considerada pacífica.
Mas foi exatamente isso que fizeram os estudantes da UNB com relação ao Código Florestal: dirigiram-se ao Congresso e ergueram a voz contra Kátia Abreu. Não quebraram nada, mas não importa: para a Senadora, também eles foram violentos e baderneiros.
A baderna, portanto, não consiste propriamente na destruição de determinados objetos: a baderna, para certos governantes, consiste em toda e qualquer crítica à ordem vigente.
Para certos governantes, esta é a única paz e a única ordem possível: a paz e a ordem de quem não ousa discordar deles.
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Corta para 7 de dezembro de 2013. Um grupo de fazendeiros, apoiado por diversos deputados federais e senadores (dentre eles, Kátia Abreu), organiza um leilão em Mato Grosso do Sul e arrecada R$ 640.500,00.
Em um ano marcado pela emergência de manifestações populares reivindicando as mais diversas melhorias na administração pública, poderíamos imaginar que esse dinheiro, arrecadado por empresários com o apoio de políticos, seria destinado para investimentos em saúde, educação, saneamento básico, moradia, transporte…
Não: o leilão foi organizado para “arrecadar recursos contra ocupações indígenas”.
Em bom português, o dinheiro arrecadado será usado para comprar armas – que, por sua vez, serão usadas para atirar em índios.
A mensagem de Kátia Abreu e seus amigos é bem clara:
Quebrar vidraça – não pode, é vandalismo.
Criticar o governo sem quebrar vidraça – também não pode, é autoritarismo.
Atirar em índio – ah bom, aí pode sim.
Não é novidade que, em nosso país, certas vidas humanas valem menos do que vidraças.
O que é novo é a organização de um leilão que nem sequer disfarça seu objetivo último: atirar em índios.
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Se você ainda não compreendeu a gravidade disso, só tenho uma sugestão a lhe fazer: substitua “índios” por outro grupo étnico – leilão para atirar em negros, leilão para atirar em brancos – e veja como soa.
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