quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Belo monte de violências (III)


Artigos de Felício Pontes Jr., procurador da República no Pará e mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio.

Organizada em nove textos, a série de artigos está sendo publicada semanalmente pelo Diário do Pará aos domingos, no caderno Brasil.

Este é o terceiro texto da série de artigos “Belo Monte de Violências”, que pretende informar o porquê de o Ministério Público Federal (MPF) ter ingressado com nove ações judiciais contra o projeto de construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, no rio Xingu. Cada semana uma ação é comentada neste espaço.

Os dois primeiros artigos demonstraram que o licenciamento foi realizado sem que nenhuma comunidade indígena atingida fosse ouvida pelo Congresso Nacional, o que é contrário ao artigo 231 §3º Constituição do Brasil. Portanto, a UHE de Belo Monte passou pelo Congresso em tempo recorde, sem a realização do grande debate nacional.

Como as decisões favoráveis ao MPF estavam suspensas no ano de 2007, o Governo federal se apressa em licenciar a obra. Mas comete um grave erro. O Estudo de Impacto Ambiental estava sendo realizado sem o Termo de Referência.

O Termo de Referência é o documento expedido pelo licenciador (Ibama), onde constam as matérias que devem ser estudadas pela empresa responsável pela obra. É uma espécia de guia de estudo sobre o que deve constar no Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Por isso, sempre antecede o EIA.

Mas não apenas isso. O MPF descobre que a Eletrobras havia contratado uma sociedade de consultoria chamada “e.labore”. Esta produziu um documento chamando a atenção para este fato e dizendo que deveria haver cuidado com o discurso da Eletrobras na imprensa: “Mudar, devido às circunstâncias emergenciais, o escopo do nosso discurso estratégico, se provocados pela mídia e/ou sociedade, para explicar a realização dos atuais estudos, antes da consolidação do Termo de Referência.”

A mesma empresa sugeriu à Eletrobras algo que não tem previsão legal. Queria que o Ibama de Brasília autorizasse “que o escritório de Altamira tome as seguintes inciativas: expedir, em caráter emergencial, um termo de referência padrão/genérico...”

O pequeno escritório do Ibama em Altamira jamais poderia produzir tal documento. Não possui pessoal habilitado para dizer o que deveria ser estudado para medir o impacto ambiental da terceira maior hidrelétrica do mundo, como propaga o Governo.

Esse fato demonstra a forma descuidada com que a Eletrobras trata dos impactos ambientais sociais e ambientais da UHE Belo Monte. O licenciamento parece ser algo feito por mera formalidade. Pouco importa a qualidade da água que será utilizada pelos habitantes de Altamira, nem tampouco a falta de água no trecho de 100 quilômetros do Rio Xingu que atingirá em cheio as Terras Indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande. Isso para ficar apenas em dois exemplos.

Fato curioso nesse processo foi que o Diretor de Licenciamento Ambiental do Ibama, em 08 de fevereiro de 2007, declarou ao MPF que “em relação ao processo de licenciamento ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte... informo que o Termo de Referência... não foi elaborado pela equipe técnica em função de decisão liminar ter impedido a realização de vistoria técnica ao local.”

Porém, cerca de dez dias depois, quando a decisão favorável ao MPF deixou de valer, o Termo de Referência foi confeccionado pelo Ibama. É evidente que não houve tempo para qualquer vistoria no local.

Diante desses fatos, o MPF processa a Eletrobras, exigindo a paralisação imediata do EIA sem o Termo de Referência. Não consegue sucesso na Justiça Federal em Altamira, que extinguiu o processo em julgamento antecipado, sem permitir a colheita de mais provas. O MPF recorre ao Tribunal Regional Federal em Brasília, que até hoje não julgou o caso.

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