segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Belo Monte: história de destruição no tempo presente

O jornalista Ruy Sposati, na matéria a seguir, faz interessante paralelo entre o período da Belle Époque e o atual período de Belo Monte, onde mostra que tanto no início do século XX como XXI a Amazônia, principalmente o Estado do Pará, foi lugar de chegada de milhares de nordestinos trazidos de forma violenta à região por uma elite que mantém, guardadas as proporções, a mesma essência escravocrata, criminosa e predatória para homens, (de lá e daqui) e destruidora da Amazônia e seus organismos. 

Esta grande reportagem excelente foi publicada no dia 20 de dezembro de 2011 no site do jornal Brasil de Fato, que é ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra - MST e merece ser lida com acuidade:

Sob a pressão do patrão, sindicato e governo

Com crescente tensão, construtora demite e usa a PM para sufocar manifestações

Ruy Sposati,
de Altamira (PA)


No tempo em que Altamira do Pará tinha um dono, ele preferia recrutar seus homens no nordeste. Iam de navio negreiro até São Luiz do Maranhão; em um transporte menor até Belém do Pará; e em uma gaiola menor ainda até Vitória do Xingu. Para Altamira, os homens faziam o percurso a pé e crianças e mulheres no lombo de burros. Quando chegavam, já havia morrido a metade dos homens em brigas entre si ou estropiados pelos quase quatro dias de viagem.

Isto era no princípio de século vinte e o homem era Coronel José Porfírio, que convocava bravos para abrir estradas, rotas comerciais, roças e seringais. Belle Époque, é como se referem ao período alguns historiadores.  

O Consórcio Construtor Belo Monte tem muito em comum com os empreendimentos do século passado. E os nomes dos novos Josés Porfírios são os coronéis Andrade Guitierrez, Norberto Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, OAS, Cetenco, Galvão Engenharia, Serveng- Civilsan, Contern e J. Malucelli.
Os coronéis de Belo Monte também preferem recrutar seus homens no nordeste.

Em termos de beleza, o que chamam de Belo Monte também guarda semelhanças com o belo da Belle Époque. Chamam-na de bela todos os seus entusiastas remunerados: especialistas, acadêmicos da Unicamp, imprensa PiG e não-PiG, Estado.

E tem o ministro Edison Lobão – o jornalista de milico, mestre em interruptores, que tirou PhD em Minas e Energia só com leitura dinâmica. Este disse, recentemente, que os trabalhadores das hidrelétricas brasileiras são os mais bem tratados do mundo e não têm do que reclamar.
Acontece que, por aqui, as coisas não são bem assim. 

Demissões e escoltas
   
Operários aguardavam a chegada de representante do Consórcio
Construtor Belo Monte - Foto: Ruy Sposati/ Movimento Xingu Vivo
Demissões acontecem quase que diariamente nos canteiros de Belo Monte. As últimas aconteceram no dia 12 de dezembro, quando mais 80 trabalhadores foram demitidos depois de nova paralisação nos canteiros.

Eles protestavam contra o não-cumprimento de acordos feitos anteriormente com o Consórcio Construtor Belo Monte. “Prometeram o adiantamento do salário para o dia 20, antes do recesso. Agora eles dizem que não vão dar”, explica um trabalhador.

Os operários também reivindicavam que a baixada – ou seja, o retorno para a sua cidade de origem – ocorresse cada três meses e não a cada seis meses como atualmente.  “Nós queremos três meses, como em qualquer obra. Também queremos o salário igual das outras obras. Belo Monte não é o que eles vendem pra gente lá fora não”, diz um operário.

As demissões aconteceram mesmo com um acordo negociado no dia 25 de novembro, que garantia três meses de estabilidade para todos os funcionários da obra. Entre os demitidos, havia ao menos dois representantes da comissão que negociou a pauta de reivindicações.

Também a Polícia Militar foi chamada para fazer os afastamentos. “Quando chegamos no RH, a PM já estava lá esperando a gente. Chegaram lá com a lista, caçando a gente no canteiro. Teve bate-boca, porque ninguém esperava ser demitido, né? Aí a polícia apontou arma na nossa cara, tentou algemar um colega nosso”, contaram os demitidos. “Fomos humilhados que nem bandido, que nem vagabundo. Por quê?”

O histórico da luta em Altamira

Os atritos entre trabalhadores e a Consórcio Construtor Belo Monte se intensificaram desde o dia 11 de novembro. Quatro trabalhadores foram demitidos por se recusarem a realizar um trabalho que, além de estar fora de suas funções, era humanamente impossível de ser feito: retirar pranchões de madeira que pesam toneladas de um caminhão, serviço de guindaste. Um clima de revolta se instalou entre os operários, que, após o expediente de trabalho – era sexta-feira –, ameaçaram incendiar o canteiro caso as demissões não fossem revertidas.

Por sugestão da própria diretoria do consórcio, foi eleita uma comissão de quatro representantes dos trabalhadores, apontados em conjunto com os diretores do consórcio, para conduzir as rodadas de negociação. “Eles [os diretores] nos escolheram justamente porque a gente conseguiu acalmar a situação e abrir diálogo com a empresa”, explicou o pedreiro José Antônio Cardoso, um dos negociadores. O Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), propôs, então, uma reunião no sábado, 12 de novembro, com a participação do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada do Pará (Sintrapav-PA). 

Na manhã daquele sábado, os trabalhadores realizaram uma paralisação para pressionar a companhia e se reunir em assembleia para definir a pauta que seria entregue na negociação com a empresa, compondo uma lista com 16 reivindicações. Entre os pontos, destacavam-se a exigência do pagamento de horas-extras aos sábados, o cumprimento do acordo sobre as folgas de 90 dias, aumento do vale-alimentação e a instalação de telefones no canteiro. 

Os operários também pediam o aumento do contingente de fiscalização de seguranças do trabalho, que garantiria a coibição de desvio de função. “Lá tem cinco seguranças, pra umas 20 frentes de trabalho. Isso é um problema muito sério, que no próprio treinamento da empresa eles disseram que nós precisamos ajudar a evitar. E foi aí que todo esse problema começou”, explica o carpinteiro Walter Almeida, também do grupo negociador. 

Durante o encontro, a diretoria da empresa se comprometeu a encaminhar as propostas à superintendência de Belo Monte e não retaliar nenhum dos trabalhadores envolvidos nas ações e nas negociações. Assim, então a greve foi suspensa.

Na manhã de quarta-feira, 16 de novembro, mais de 300 trabalhadores que vivem no canteiro de Belo Monte foram acordados por quarenta policiais – e por uma lista barulhenta de 138 demitidos. Destes, 137 foram tirados ainda bocejando das “carpas” – alojamentos de tecido sintético branco -, receberam a rescisão do contrato de trabalho em dinheiro, foram colocados em quatro ônibus pela polícia e retirados do local de onde foram mandados direto para o Maranhão. O homem de número 138 foi agrupado com outros 3. Eram os quatro que faziam parte da comissão de negociação da greve.

Os quatro representantes dos trabalhadores receberam tratamento especial. Para evitar que buscassem em Altamira órgãos para denunciar os abusos, como o Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública, além da imprensa, eles foram escoltados pela polícia até Anapu, município a uma hora e meia do canteiro em terra batida, onde pegariam um ônibus para Marabá e, de lá, outro para Estreito (MA), seu município de origem, com a carteira de trabalho suja pelos 11 dias trabalhados na barragem. “Nós quatro fomos escolhidos pela empresa para ajudarmos nas negociações e evitar conflitos. E simplesmente fomos demitidos. A empresa usou a gente e jogou fora”, lamentou Walter. 

A escolta foi realizada pela Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (ROTAM), polícia de elite vinda de Belém e responsável por prevenir e reprimir situações de criminalidade violenta. De acordo com os trabalhadores, eles foram vigiados de perto e acompanhados por policiais até quando iam ao banheiro. Saíram vaiados do canteiro, pois, segundo eles, a chefia havia ventilado para os outros trabalhadores que a responsabilidade pelas demissões era deles.

Transamazônica   

O clima continuou quente nos canteiros. O prazo original do dia 24 de novembro, data prometida pelo CCBM para entregar uma resposta aos trabalhadores de suas 16 reivindicações que não foram cumpridas, esgotou-se. E foi assim que, no dia seguinte, cerca de dois mil trabalhadores cruzaram novamente os braços no canteiro uma greve no principal canteiro da obra Belo Monte. Foi a segunda paralisação no mês de novembro.

“A única resposta que tivemos foi a demissão dos maranhenses”, comenta M., um dos trabalhadores. “E pra piorar, tivemos a notícia de que nem recesso de natal nós teremos”, explica. Segundo os operários, durante o processo de contratação, a empresa havia acordado a realizar não só a liberação no final do ano, como também permitir a “baixada” – retorno dos trabalhadores a suas casas de origem – de três em três meses. No entanto, ao chegarem no canteiro, o CCBM os informou que a volta só aconteceria de seis em seis meses. Afora isso, desvios de função, assédio moral, más condições de trabalho e transporte, comida estragada e não-pagamento de horas extras estão entre as reclamações trabalhistas.  

Insalubridade   

“A água estava cinza”, relata N., “tanto que agora eles estão enchendo com galão de água mineral”. Segundo os trabalhadores, mais de 200 pessoas passaram mal por conta da água e do almoço estragado. “Também, eles colocam algum tipo de fermento ou salitre, pra gente comer pouco e ficar estufado”, conta J.
 Não foi possível para a reportagem entrar na área dos alojamentos onde, segundo os trabalhadores, haviam pessoas doentes. Tanto imprensa quanto operários foram ameaçados: “quem entrar lá sofrerá as consequências”, disse um homem sem identificação. 
“Foi difícil chamar vocês [da imprensa], mas dessa vez nós conseguimos”, explica A. “Na hora em que fomos usar o telefone que fica na área de lazer, as linhas foram cortadas. Conseguimos ir ao Santo Antônio [comunidade a 500 metros da obra, onde há um orelhão] e ligar pra vocês”.

Sob pressão, a empresa se comprometeu a receber os trabalhadores e a pauta de reivindicações na segunda-feira, dia 28. O Sintrapav garantiu que acompanharia o encontro.

Fechando caminhos

O Consórcio, que havia se comprometido a responder à pauta de reivindicações dos operários na manhã do dia 28, não apareceu até o final da jornada de trabalho para negociar. Ao contrário, a empresa evacuou o canteiro de todo e qualquer rastro de chefia ou de poder decisório. Apenas os trabalhadores permaneceram. No terceiro dia de greve os trabalhadores continuavam de braços cruzados.
Caminhão do Exército que fazia uma missão a pedido de Dilma atravessa
bloqueio da Transamazônica - Foto: Ruy Sposati/ Movimento Xingu Vivo

Diferentemente do que ocorreu na primeira paralisação do canteiro desta vez os trabalhadores não montaram uma comissão de negociação. “Da última vez que apontamos negociadores, tanto a comissão quanto os trabalhadores envolvidos na pauta foram todos demitidos”, explica um operário. “Agora, só conversamos em assembléia”.“Estão tentando nos ganhar pelo cansaço”, comentou um pedreiro da obra. Em protesto, os funcionários trancaram a rodovia Transamazônica, na altura do quilômetro 50, em Vitória do Xingu, Pará.  

Durante o “trancaço” da rodovia, os trabalhadores serviram almoço para os motoristas e passageiros dos ônibus do CCBM. O clima foi bastante tranquilo. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) apareceu para negociar o fim do bloqueio da estrada e se propôs a ir a Altamira trazer diretores da empresa para apresentar uma posição do consórcio aos grevistas. De uma colina próxima, era possível avistar uma guarnição da Rotam, a polícia de elite paraense, acompanhada de dois encarregados do Consórcio. Helicópteros sobrevoavam a área do canteiro. A direção e chefias do canteiro, no entanto, não estavam presentes desde o início do dia. A imprensa local não apareceu.  

Às cinco horas da tarde, a polícia retornou, mas no lugar do CCBM trouxeram dirigentes do Sintrapav vindos de Belém. Os sindicalistas conversaram rapidamente com os trabalhadores.
Segundo um diretor do sindicato, não houve reunião entre eles e a empresa, como estava previsto. O sindicato mediaria uma rodada de negociação naquela terça, às 14 horas, na Delegacia Regional do Trabalho (DRT) em Altamira, com a empresa e comissões que o sindicato organizaria em todos os canteiros de obras, para apresentar as reivindicações e negociar o acordo coletivo de trabalho. Alguns trabalhadores disseram não reconhecer o sindicato como entidade negociadora da categoria. O que não significou muita coisa, em termos práticos.

O fim da greve   

Se parecia perfeito o roteiro clássico de “abafa-o-caso do petardo trabalhista”, com silêncio midiático e tudo, a coisa ficou realmente impecável quando chegaram governo e sindicato para, definitivamente, interferir no processo de reivindicação dos barrageiros. E foi isto o que aconteceu: uma greve grande (e que crescia), abafada pela imprensa, negada pelo Consórcio e finalizada com ajuda do sindicato e do governo federal.

O panorama da greve nos canteiros de obra de Belo Monte ficou confuso. Segundo alguns trabalhadores, cerca de 800 operários voltaram ao trabalho na quarta, 30 de novembro, no canteiro Belo Monte. Outros diziam que ninguém havia embarcado.
Trabalhadores esperavam maior cobertura da imprensa
local e nacional - Foto: Ruy Sposati/ Movimento Xingu Vivo

A confusão é fruto de uma reunião que ocorreu na terça-feira, 29. No final da tarde daquele dia, um grupo de trabalhadores organizado pelo Sintrapav reuniu- se com o Consórcio Construtor Belo Monte na Superintendência Regional do Trabalho, em Altamira, para negociar a pauta de reivindicações dos operários.

Na reunião, que deveria ter acontecido na segunda-feira, 28, a empresa exigiu que a greve fosse suspensa para que as negociações pudessem ser feitas. Apenas a pauta foi protocolada pelo Delegado Regional do Trabalho. Um assessor da Secretaria de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República participou da negociação.

O Sintrapav é dirigido pela Força Sindical – grupo político do agora ex-Ministro do Trabalho Carlos Lupi (PDT). De acordo com os operários, o sindicato “costurou” o protocolo com o Consórcio e passou a tarde tentando convencer os grevistas de que a paralisação seria ilegal e ilegítima, e que deveria ser suspensa para permitir que a pauta fosse negociada.

Ao final da reunião, da qual participaram cinco trabalhadores, três dirigentes do Sintrapav, representantes do Consórcio, o delegado regional do trabalho e o assessor da Secretaria de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência, Avelino Ganzer, o sindicato informou que ficou acordada a suspensão da greve e que novas ações poderiam surgir a partir do teor da resposta do empreendimento.

No dia seguinte, uma nova rodada, agora tratando das questões econômicas, aconteceu. A greve foi suspensa, embora muitos trabalhadores ainda não tivessem tomado conhecimento disso. Os trabalhadores saíram da greve com a promessa de serem atendidas suas reivindicações, com exceção da “baixada”. No entanto, todos ganharam recesso de final de ano de 14 dias. “Vamos curtir o natal e o ano novo e quando voltarmos a gente vai ver a baixada”, disse um trabalhador na fila do banco para receber o salário e a parcela do décimo-terceiro.

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