quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Famílias homenageiam vítimas de chacina durante marcha em Belém

pPor Alexandre Yuripor Alexandre Yuri
Onze pessoas foram assassinadas entre os dias 4 e 5 de novembro de 2014. Ato marcou um ano da data e cobrou esclarecimento de assassinatos.
por Alexandre Yuri, para o G1 PA
Ato 1 ano da chacina em Belém (Foto: Alexandre Yuri/ G1)Vanda Mendes perdeu o irmão na chacina e protestou contra a violência na capital. (Foto: Alexandre Yuri/ G1)
"Eduardo nunca deu trabalho no colégio, nunca teve problemas com ninguém, não tem nome sujo na polícia. Era morador de periferia, mas tinha tudo para ser feliz", lamentou, emocionada, a dona de casa Maria Auxiliadora Galúcio, durante o ato realizado na noite desta quarta-feira (4) em Belém para marcar um ano da chacina que vitimou 10 pessoas após o assassinato do cabo da Polícia Militar Antônio Marcos da Silva Figueiredo no bairro do Guamá. Entre as vítimas estava Eduardo Felipe Galúcio Chaves, neto criado como filho por Maria Auxiliadora.
A dona de casa conta que, na noite de 4 de novembro de 2014, estava no pátio de sua casa no bairro da Terra Firme e viu a chegada de motoqueiros encapuzados em sua rua, mas não imaginava que eles tirariam a vida de Eduardo. O jovem, com 16 anos na época, foi atingido por cinco tiros pouco antes das 22h e morreu no local, a metros de sua casa.
Ato 1 ano da chacina em Belém (Foto: Alexandre Yuri/ G1)Larissa Viana lamentou a perda do primo Eduardo.
(Foto: Alexandre Yuri/ G1)
"O meu primo perdeu a vida injustamente. Ele foi deixar a namorada a casa dela, pegaram meu primo no canto de casa como se ele fosse um bandido, um marginal, não deram nem chance de ele se defender. Dói muito lembrar dele porque o Eduardo era uma ótima pessoa. Meu primo faz muita falta para mim. ", conta Larissa Viana, prima da vítima.
Minutos depois da morte de Eduardo, ainda no bairro da Terra Firme, Bruno Barroso Gemaque também foi baleado nas proximidades de sua casa. Segundo Meire Gemaque, tia da vítima, o rapaz de 20 anos estava em uma bicicleta com a namorada e também foi abordado por homens encapuzados em motocicletas. "Era um rapaz muito família, trabalhava no transporte alternativo. Ceifaram a vida do meu sobrinho por nada", disse Meire.
Bruno levou quatro tiros e chegou a ser socorrido por amigos, mas Meire conta que viaturas da Polícia Militar fecharam as vias do bairro e o rapaz não conseguiu chegar no hospital a tempo. A namorada do jovem, que presenciou o baleamento, se isolou após o ocorrido. "Ela não quer falar, se distanciou da gente. Ela foi dar o depoimento na polícia e depois disso ela sumiu. Ficou com medo de represálias", conta Meire.
Ato 1 ano da chacina em Belém (Foto: Alexandre Yuri/ G1)Jessica Cabral homenageou o irmão Jeferson na
caminhada. (Foto: Alexandre Yuri/ G1)
Jeferson Cabral, de 27 anos, também foi homenageado por familiares durante a marcha. Ele foi atingido por três tiros durante a ação de motoqueiros encapuzados no bairro da Terra Firme. "Meu irmão era uma pessoa muito especial para mim. Me ajudava, ajudava a minha mãe, não tinha vícios. Minha mãe sofre muito, porque nada justifica o que aconteceu. Ele não era bandido, era um rapaz trabalhador", lamenta Jessica Cabral, irmã de Jeferson.
Uma das vítimas baleadas na noite do dia 4 chegou a ser socorrida, como Allersonvaldo Carvalho Mendes, atingido por cinco tiros no bairro da Terra Firme. "Allerson", como era chamado pelos amigos, ficou internado no Hospital Metropolitano, em Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém, mas não resistiu e morreu às 18h do dia 5.
"Ele tinha deficiência mental e o que ele gostava era de estar com os amigos e estar brincando, principalmente de pipa. Era uma pessoa alegre, amiga, carinhosa e perdeu a vida desse jeito. Sem fazer mal a ninguém, vieram e tiraram a vida dele. Ele nem sabia porque estava morrendo", conta a irmã de Allerson, Vanda Mendes.
Ato 1 ano da chacina em Belém (Foto: Alexandre Yuri/ G1)Ana Maria cobrou explicações para a morte do filho
Marcus Murilo. (Foto: Alexandre Yuri/ G1)
Ana Maria Ferreira Barbosa participou da caminhada trajando uma camisa em homenagem ao filho Marcus Murilo Ferreira Barbosa, de 20 anos. "Ele era muito prestativo, trabalhava e estudava, ganhava o dinheiro dele para se manter e não mexer nas coisas de ninguém. Ele atravessou a rua para comer um churrasco, os caras chegaram e deram seis tiros nele", diz a mãe da vítima, morto no bairro do Marco por volta de 22h30.
Alex dos Santos Viana, morto no bairro Parque Verde, e Jean Oscar Ferro dos Santos, assassinado no bairro do Jurunas, tiveram seus nomes lembrados em cartazes e palavras de ordem durante a caminhada, mas seus familiares não participaram das homenagens no ato. De acordo com a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), os familiares temiam represálias e alguns deles chegaram a se mudar da cidade.
Para Alberto Pimentel, da coordenação da SDDH, a resposta dada pelas autoridades de segurança pública do Estado ainda é insuficiente. "Ainda está muito aquém da resposta que os familiares precisavam, seja do ponto de vista da assistência que essas famílias precisam, seja do ponto de vista de dar uma resposta efetiva ao problema central que está colocado nesta questão, que é a atuação de grupos de extermínio na região", comenta Alberto.
Uma das participantes mais emocionadas do ato foi Liliane Araújo, irmã de Nadson Araújo, morto na madrugada do dia 5 no bairro do Jurunas. "No dia 3 ele tinha completado 18 anos, ele ia comemorar no sábado, estava tão feliz. Dia 4 mataram ele", lamentou Liliane. "Ele conversava com uma amiga. Pararam as motos e mandaram eles sentarem. Ele nem esperava o tiro, porque morreu de lado", relata a irmã.
Ato 1 ano chacina Belém (Foto: Alexandre Yuri/ G1)Ato foi encerrado em frente ao Mercado de São
Brás. (Foto: Alexandre Yuri/ G1)
Por volta de 2h da madrugada do dia 5, a última vítima da chacina foi registrada no bairro do Tapanã. Marcio Santos Rodrigues, de 22 anos, foi baleado quando chegava em casa após sair com amigos. "Ele era um rapaz muito tranquilo. Nós somos, sim, de família pobre, mas ele não tinha nenhum envolvimento com drogas, com roubo. É por isso que eu não consigo, até hoje, digerir essa história", diz Janete Rodrigues, irmã da vítima.
Janete conta que o caso abalou a família, principalmente os pais, já idosos. "Desde essa noite, infelizmente, nossas vidas não estão sendo mais as mesmas, e nunca mais vão ser. Nós temos que viver hoje com isso, com essa dor, esse vazio". O ato foi encerrado em frente ao Mercado de Brás, com uma mostra da exposição organizada por familiares com fotos e peças de roupas das vítimas.
Investigação
As mortes aconteceram depois do assassinato do cabo da PM Antônio Figueiredo, suspeito de liderar uma milícia no bairro da Terra Firme. Uma CPI criada para investigar os crimes concluiu que integrantes da Segurança Pública participam de grupos de extermínio no Pará. A Promotoria de Justiça Militar indiciou 14 PMs. A corporação abriu investigação contra nove policiais. Os processos também não foram concluídos.
"Não temos nenhuma dúvida que há um grupo de extermínio e eu me arriscaria a dizer que há um grupo de milícia sim no estado do Pará. E eu não só acompanho essa chacina que aconteceu aqui na área metropolitana, mas de vários outros casos que tenho monitorado e acompanhado pela ouvidoria em outros municípios e regionais”, afirmou a ouvidora da Secretaria de Segurança Pública, Eliana Fonseca.
Na manhã desta quarta, a Polícia Civil informou que concluiu apenas três inquéritos do total de 11 que foram abertos para investigar os assassinatos e a possível relação entre as mortes e o homicídio do cabo da PM Antônio Figueiredo.
"Pela complexidade da investigação, 11 homicídios, dos quais sete foram praticados em menos de uma hora, eu digo que na investigação nós estamos bastante avançados. Temos
três inquéritos com definição de autoria, ouvimos mais de 90 pessoas nesses inquéritos, requisitamos 31 perícias e conseguimos prender essas 8 pessoas", afirma Rilmar Firmino, delegado geral da Polícia Civil do Pará.
O caso corre em segredo de Justiça. Segundo o delegado geral, do total de oito presos, apenas um conseguiu a liberdade provisória e foi comprovada a ligação entre a morte do PM e alguns dos assassinatos.
"Nós podemos asseverar que existe ligação entre as três mortes, e dessas, duas mortes foram praticadas por pessoas ligadas ao cabo Figueiredo. Um é um policial militar da ativa que estava afastado para tratamento de saúde, o outro preso é um policial militar da reserva e dois são pessoas civis ligadas ao PM. Não podemos opinar em relação à investigação, temos que individualizar a conduta e apontar a materialidade, não podemos fazer ilações", esclareceu Firmino.
Ato 1 ano chacina Belém (Foto: Alexandre Yuri/ G1)Vítimas foram homenageadas na Praça do Perário ao final do ato. (Foto: Alexandre Yuri/ G1)
 Fonte: G1 PA.

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