segunda-feira, 6 de abril de 2015

Jesus não ressuscitou

Impressiona o barbarismo. Impressiona porque a barbárie se expressa através da morte. O Rio de Janeiro já conta com mais mortos por "bala perdida" este ano, que durante todo o ano passado. Um verdadeiro rio de sangue.

No Facebook, com a seguinte frase: "Todos os partidos de viés religiosa, sem exceção, votaram a favor da redução da maioridade penal. Não é interessante? Fonte: Max Cavalera
por Marcus Benedito

O menino Jesus foi morto pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) na quinta-feira, 02, fruto de uma “guerra” nada santa. Ontem não teve Páscoa no Complexo de favelas do Alemão, pois nem Eduardo de Jesus, 10, e nenhum dos outros cerca de 50 assassinados pela polícia ressuscitaram, como aconteceu com o personagem do Novo Testamento há cerca de 2.015 anos.

O Estado, através do secretário de Segurança Pública, Beltrame, e de sua porta-voz oficial, as organizações Globo, falam que isso ou foi "probleminha que ainda ocorre" ou que foi resultado do "despreparo da polícia".

Os movimentos sociais, os de defesa dos direitos humanos e as organizações não governamentais dizem que "quem atira na cabeça não é despreparado".
Concordo em gênero, número e grau com estes.
O estado programou as polícias para matar
O programa Brasilianas.org da TV Brasil, apresentado por Luis Nassif, convidou para debater o ‘genocídio brasileiro’ em julho passado, o professor e jurista Luiz Flávio Gomes, presidente do Instituto Avante Brasil (que estuda a analisa a violência urbana) e a fundadora e coordenadora do Movimento Mães de Maio Débora Maria da Silva. 

Cabe destacar o que o renomado jurista disse nesse programa: “há um verdadeiro genocídio em curso no Brasil. É uma ação consciente dos governantes. Independe de partido. PT, PSDB, todos convergem para essa mesma política. Pela ação ou omissão, promovem um escancarado genocídio das camadas populares".

Gomes e Débora foram chamados para debater, à luz da recente publicação do Mapa da Violência de 2014, esse processo de higienização social que tem vitimados centenas de milhares de brasileiros em menos de 4 anos.
 
No site GGN, a chamada para o programa diz o seguinte: "Dados do Mapa da Violência de 2014 mostram um crescimento de 13,4% dos assassinatos no Brasil em comparação a 2002. As principais vítimas são jovens do sexo masculino e negros". 
Mãe de Jesus enfrenta policiais no Alemão
Apenas entre os anos de 2008 e 2011, foram mais de 200 mil pessoas assassinadas no Brasil. "Um volume muito maior do que qualquer outro registrado nas zonas de guerra mundo afora."

"O tema está sendo abordado pela criminologia de forma crítica, com destaque para os estudos abordados pelo filósofo do direito Wayne Morrison. Ele reivindica hoje ampliação do objeto de estudo da clássica criminologia para que se preste mais atenção aos massacres provocados por ação ou omissão do Estado."

Segundo o professor, nesse processo há várias implicações, uma para o estado e as outras para a sociedade. Uma de cunho jurídico e as outras sociológicas. 

No que se refere a sociedade, é o que todo mundo já está cansado e REVOLTADO de saber: a maioria das vítimas dessa guerra aos pobres, disfarçada de guerra às drogas, são negros, pobres, jovens de 13 a 29 anos, moradores das favelas, periferias e baixadas das grandes cidades. Os executores, ainda segundo Luiz Flávio Gomes, são os agentes de segurança pública. Já os responsáveis, são os governantes. Governantes cometendo, por "ação ou omissão", crimes contra a humanidade e "crimes contra a humanidade, não prescrevem, os seus responsáveis podem ser criminalizados a qualquer época", conclui Gomes.

Tem muita razão o jornalista e escritor Mário Magalhães, quando diz que "Se o menino Jesus, 10, fosse morto em Ipanema, haveria comoção nacional. Eduardo de Jesus não provocou uma comoção entre os brasileiros", tampouco na grande mídia. 

E não provocou porque a grande mídia é racista, fascista e apoia esse processo de genocídio. A Rede Globo, por exemplo, consegue se indignar mais com os paparazzi que não deixam a família real britânica em paz do que com a morte, por tiro de fuzil na cabeça, de uma criança. A TV Globo se indigna e faz campanha para salvar uma pessoa em situação de rua, apenas quando esta é branca e bonita. Aliás, o caso de uma “mendigata” e de  um "mendigato", receberam mais minutos nos telejornais e programas da família Marinho do que toda a cobertura das mortes "por bala perdida" no Complexo do Alemão este ano.

Contra esse processo de genocídio, sociedade e organizações já começaram a se organizar

Na sexta-feira houve protesto de familiares e moradores do Morro do Alemão pedindo o fora das Unidades de Polícia Pacificadora, assim como do Exército Brasileiro, que há meses, sitia, amedronta e ameaça os moradores da favela.

Sobre essa carnificina em geral e o assassinato de Eduardo em particular, o vereador da capital fluminense, Babá (PSOL-RJ) disse em sua página em uma rede social que "O povo trabalhador do Rio de Janeiro não vai mais aceitar calado que crimes hediondos como este sejam cometidos por agentes públicos fardados. Chega de abuso contra os moradores das favelas. Ser pobre não é crime".

Babá falou ainda que seu mandato, assim como os demais movimentos organizados, estarão "insistentemente defendendo a memória e a história do menino Eduardo. O discurso de ódio não vai vencer", fazendo referência à vergonhosa campanha que tentaram realizar contra a vítima, o associando ao perfil de um garoto segurando, não se sabe em que circunstâncias, uma arma. Diz que não aceitarão que desrespeitam "a memória do menino. Agora tentam difamar e caluniar o jovem de 10 anos para justificar a brutal e criminosa ação da PM no Complexo do Alemão".

Não passarão!

É preciso lutar e agir como fez bravamente a mãe de Eduardo, dona Maria de Jesus. É preciso enfrentar os governantes e sua polícia assassina. Se faz imperativo a desmilitarização das polícias e a pressão pela aprovação da proposta de emenda constitucional 51, que reestrutura as policiais. (Clique aqui para saber mais sobre a PEC-51).

Como prova o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa do Pará (ALEPA), desmilitarizar as Polícias Militares é uma questão de vida ou morte, pois, diz o texto, "a  cultura organizacional das PM's favorece a formação de organizações criminosas", as famigeradas milícias e grupos de extermínio.

Na busca de institucionalizar ainda mais o genocídio brasileiro, o Congresso Nacional discute uma sórdida proposta de redução da maioridade penal. A sanguinária bancada da bala tem a ousadia e desfaçatez de querer atacar o artigo 227 da Constituição Federal de 1998 e acabar com o mais avançado, copiado e premiado sistema protetivo e assistencial do mundo: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A frase do pai de Eduardo, ao desembarcar no Piauí para enterrar seu filho, é emblemática: "Nunca fomos ameaçados por bandidos, sempre pela polícia". O povo pobre e trabalhador precisa se organizar e fazer como os moradores do Alemão, que diariamente tem realizado protestos e exigido o fim da matança.

Nesse sentido é preciso que a juventude, os trabalhadores e o povo pobre do morro desça e ocupe as ruas. “Se a gente não tem paz, os governantes não vão dormir”, deve ser a palavra de ordem. Pois só com mobilização e luta, aliados aos movimentos sociais, entidades de defesa dos direitos humanos e partidos da oposição de esquerda, se poderá por fim ao plano de extermínio da população pobre encabeçada pelo governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) e pela presidenta Dilma Rousseff (PT) nas comunidades do Rio de Janeiro. Exemplo que serve para todo o Brasil.
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Última atualização: 20h57, 06/04/2014.

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