quinta-feira, 15 de outubro de 2009
Saramago redime Caim em seu novo romance
Escritor ataca o catolicismo ao apontar Deus 'como autor intelectual do crime' cometido por Caim
EFE - José Saramago, o escritor português premiado com o Nobel de Literatura
MADRI - O escritor português José Saramago volta a atacar a religião em Caim, seu novo romance, que será publicado em outubro e no qual redime o protagonista do assassinato de Abel ao aponta Deus "como o autor intelectual do crime, ao desprezar o sacrifício que Caim Lhe havia oferecido".
O romance será levado à Feria do Livro de Frankfurt, que ocorre de 14 a 18 de outubro e no final do mesmo mês chegará às livrarias de Portugal, América Latina e Espanha.
Saramago vai falar pela primeira vez de seu novo livro no lançamento mundial, em Lisboa. Mas o escritor, que passa o verão em sua casa na ilha espanhola de Lanzarote e prepara as malas para voltar a Lisboa, falou à Efe por e-mail que o que pretende dizer com Caim é que "Deus não é de se fiar. Que diabo de Deus é esse que, para enaltecer Abel, despreza Caim?
Quase 20 anos depois de seu discutido livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, que foi vetado pelo governo português para competir pelo Prêmio Europeu de Literatura, o Nobel português faz uma irreverente, irônica e mordaz leitura por diversas passagens da Bíblia, mas não teme que voltem a crucificá-lo.
"Alguns talvez o façam - afirma Saramago - mas o espetáculo será menos interessante. O Deus dos cristãos não é esse Jeová. E mais, os católicos não leem o Antigo Testamento. Se os judeus reagirem não me surpreenderei. Já estou habituado."
No entanto, acrescentou: "Mas é difícil para mim compreender como o povo judeu fez do Antigo Testamento seu livro sagrado. Isso é uma enxurrada de absurdos que um homem só seria incapaz de inventar. Foram necessárias gerações e gerações para produzir esse texto".
José Saramago não considera esse romance seu particular e definitivo ajuste de contas com Deus, porque "as contas com Deus não são definitivas, mas sim com os homens que O inventaram", disse. "Deus, o demônio, o bem, o mal, tudo isso está em nossa cabeça, não no céu ou no inferno, que também inventamos. Não nos damos conta de que, tendo inventado Deus, imediatamente nos tornamos Seus escravos", assinalou o autor.
O escritor nega que o fato de ter chegado perto da morte há um ano, quando foi hospitalizado por conta de uma pneumonia, o tenha feito pensar mais em Deus. "Tenho assumido que Deus não existe, portanto não tive de chamá-Lo em uma situação gravíssima na qual me encontrava. Mas se eu o chamasse, e ele aparecesse, que poderia dizer ou pedir a Ele, que prolongasse minha vida?" Saramago diz ainda que "morreremos quando tivermos que morrer. E diz que quem o salvou foram os médicos, Pilar (sua esposa e tradutora) e o excelente coração que tenho, apesar da idade. O resto é literatura, da pior espécie".
Há um ano o escritor surpreendeu seus leitores pela ironia e humor que destilam as páginas de Viagem do Elefante, e agora volta com Caim. Para Saramago é um mistério. "Não foi deliberada nem premeditada, a ironia e o humor que aparecem nas primeiras linhas de ambos os livros. Poderia ter usado uma narrativa solene, mas seria uma estupidez rechaçar o que está sendo me oferecido numa bandeja de prata.
O escritor começou a pensar em Caim há muitos anos, mas começou a escrever o romance em dezembro de 2008, concluindo o texto em menos de quatro meses. "Estava em uma espécie de transe. Nunca havia me sucedido tal coisa, pelo menos com essa intensidade, com essa força", lembra.
Saramago, que uma vez escreveu que "somos contos de contos contando contos, nada" e assim continua. Escreve mais e mais rápido do que nunca (três livros em um ano), talvez a melhor maneira de continuar vivo.
"É verdade. Talvez a analogia perfeita seja a da vela que lança uma chama mais alta no momento em que vai se apagar. De toda maneira, não se preocupem, não penso em me apagar tão rapidamente", conclui.
Em seu blog aparece hoje o anúncio do novo romance e uma carta da presidente da Fundação Saramago, Pilar del Río, em que diz aos leitores do Nobel que este Caim não os deixará indiferentes.
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