AS LIGAÇÕES DOS BOLSONARO COM AS MILÍCIAS
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Quanto mais se descobre, mais próxima fica a relação da família com milicianos do RJ. E ela vai bem além de medalhas e homenagens. Agif/Folhapress.
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“HOJE É NO
AMOR!”. A cena do miliciano Major
Rocha felizão em um churrasco, em que ele comemora com tiros para o alto os
quatro anos do centro comunitário em “Rio das Rochas”, no filme Tropa de Elite
2, é um bom retrato da realidade das milícias no Rio de Janeiro. “É tudo nosso!”,
ele grita. Mas um dia a casa cai. E foi o que aconteceu hoje, quando o
Ministério Público e a Polícia Civil anunciaram
a prisão de cinco milicianos acusados de grilagem de terras na
zona oeste do Rio de Janeiro. Não era a intenção – mas, por tabela, a operação,
batizada de Intocáveis, também esbarrou em dois suspeitos da execução de
Marielle Franco e Anderson Gomes.
Um deles, preso na operação, é o major
da PM Ronald Paulo Alves Pereira. Segundo a polícia, ele é grileiro nos bairros
de Vargem Grande e Vargem Pequena e chefe da milícia de Muzema, no bairro do
Itanhangá – de onde
o carro usado no assassinato de Marielle partiu. O outro é Adriano
Magalhães da Nóbrega, chefe
da milícia de Rio das Pedras e ex-policial do Batalhão de
Operações Especiais, o Bope, que está foragido. Expulso da PM por envolvimento
com um dos principais clãs da máfia do jogo do bicho no Rio, o ex-capitão investiu na carreira de mercenário,
trabalhando para bicheiros, políticos e para quem mais pagasse bem.
O
envolvimento do ex-caveira com o assassinato da vereadora e seu motorista foi revelado pelo Intercept na
semana passada. Ao menos seis testemunhas citam o policial como o assassino. A
escolha da arma, o uso de munição de uso restrito e a competência técnica na
execução do crime apontaram para o Bope ainda em maio de 2018.
Diga-me com quem andas e eu te
direi quem és
Devido ao
ótimo “perfil técnico”, em 2005 Adriano Magalhães da Nóbrega recebeu a medalha
Tiradentes, a mais alta honraria do Legislativo fluminense, por indicação do então deputado
estadual, hoje senador eleito, Flávio Bolsonaro, do PSL, o filho 02
de Jair Bolsonaro. O ex-caveira também recebeu outras duas honrarias, de louvor
e congratulações por serviços prestados à corporação, por atuar “direta e
indiretamente em ações promotoras de segurança e tranquilidade para a
sociedade”.
Flávio
Bolsonaro também condecorou o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, que
recebeu moção honrosa quando já era investigado como um dos autores de uma
chacina de cinco jovens na antiga boate Via Show, em 2003, na Baixada
Fluminense.
Quando estourou
o escândalo do Coaf, Queiroz – velho amigo da família Bolsonaro – se escondeu
em Rio das Pedras, reduto miliciano.
Os dois são suspeitos de integrar o
“Escritório do Crime”, um grupo de extermínio apontado como responsável pelo
assassinato da vereadora Marielle Franco. Quatro PMs ligados ao grupo já foram
presos. Pereira
será julgado em 10 de
abril deste ano. O grupo é acusado ainda de extorsão de moradores e
comerciantes, agiotagem e pagamento de propina.
Segundo o MP, o grupo de milicianos
presos na operação Intocáveis agia na região das comunidades de Rio das Pedras,
na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Foi justamente para lá que Fabrício Queiroz, o
ex-PM e ex-assessor do senador eleito do PSL Flávio Bolsonaro foi se esconder
depois que estourou o escândalo sobre sua movimentação financeira suspeita.
O Coaf detectou uma movimentação de R$ 7
milhões, incompatível com a renda do ex-assessor. O
dinheiro era depositado por outros assessores de Flávio Bolsonaro e de seu pai,
Jair Bolsonaro. A primeira-dama Michelle Bolsonaro chegou a receber um cheque
de R$ 24 mil de Queiroz. Já Flávio Bolsonaro recebeu 48 depósitos suspeitos no
valor de R$ 2 mil cada.
Família,
a sagrada base de tudo
A preocupação de Flávio Bolsonaro com a
família é tocante. Além de arranjar emprego para a esposa e filhas de Fabrício Queiroz –
uma delas como assessora fantasma de seu pai –, ele empregou também a mãe e a esposa do ex-Bope Adriano
Nóbrega. Sim, o mesmo que é apontado como um dos assassinos de Marielle Franco.
A mãe do ex-policial, Raimunda Veras
Magalhães, também é sócia de um restaurante que
fica longe da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, mas em frente à do
Banco Itaú onde foram feitos 17 depósitos em
dinheiro vivo na conta de Queiroz. A esposa de Adriano seguiu o fluxo da
família e também fez depósitos para o
ex-motorista. As duas são citadas nas movimentações suspeitas detectadas pelo
Coaf.
Flávio Bolsonaro segue a cartilha de dizer que “não sabia de nada”. Nem
do que faziam seus próprios funcionários.
Assim como “certos petistas”, Flávio
Bolsonaro disse em nota que não
sabia de nada e que, devido
às últimas notícias, se sente perseguido. “Quanto ao parentesco constatado da
funcionária, que é mãe de um foragido, já condenado pela Justiça, reafirmo que
é mais uma ilação irresponsável daqueles que pretendem me difamar”. O senador
eleito jogou no colo do ex-assessor Queiroz a responsabilidade pelas indicações
de seus assessores. Seu ex-funcionário aceitou de bom grado, enviando até uma nota à
imprensa esclarecendo que, de fato,
conhecida o ex-caveira Adriano e foi o responsável por indicar suas parentes
para trabalhar para Bolsonaro.
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Flávio ostenta no próprio Instagram sua foto com o pai, Jair Bolsonaro, e com os PMs Alan e Alex, presos na operação Quarto Elemento. Divulgação |
É possível que Flávio Bolsonaro também
não soubesse a ficha técnica de outros dois policiais que participaram de sua
campanha e foram presos na Operação Quarto Elemento,
também desencadeada pelo Ministério Público, que investigava uma quadrilha de
policiais especializada em extorsões. Pode ser que ele também não soubesse que,
de acordo com o MP, a milícia de São Gonçalo organizou um ato de campanha em favor
do Coronel Salema, seu colega de partido, eleito deputado estadual com quase
100 mil votos.
Ah, essa última é difícil de negar: além
dos dois terem feito campanha juntos, Flávio
Bolsonaro chegou a anunciar: “mais um guerreiro ao nosso lado!”. Parece que
agora está ficando claro a qual lado ele estava se referindo.
O
Mecanismo
Orgulhosa de ser militarista, a dinastia
Bolsonaro nunca escondeu seu apreço pela milícia, grupos de paramilitares
formados por ex-policiais, PMs, bombeiros e agentes penitenciários que torturam, roubam, traficame dominam economicamente, grande parte do Rio
de Janeiro.
Flávio Bolsonaro já propôs inclusive a
legalização desses grupos paramilitares. No início de seu segundo mandato na
Assembléia Legislativa do Rio, em 2007, ele votou contra a instalação da CPI das milícias,
que entrou em pauta após um grupo de milicianos torturar por horas a fio uma equipe de
jornalistas do jornal O Dia. A
justificativa? Milícias não eram tão ruins assim e as pessoas são muito felizes
em áreas dominadas por paramilitares.
“Sempre que ouço relatos de pessoas que
residem nessas comunidades, supostamente dominadas por milicianos, não raro é
constatada a felicidade dessas pessoas que antes tinham que se submeter à
escravidão, a uma imposição hedionda por parte dos traficantes e que agora pelo
menos dispõem dessa garantia, desse direito constitucional, que é a segurança
pública”, disse à época, na Alerj.
Em casa a banda toca nesse ritmo. Em 27
anos de discursos como deputado na Câmara, o pai Jair Bolsonaro defendeu
milicianos “do bem” e grupos de extermínio pelo menos quatro vezes. A primeira,
em 2003, ao defender grupos de extermínio:
“Enquanto o Estado não tiver coragem
de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito
bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de
Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu Estado só as
pessoas inocentes são dizimadas.”
Em 2008, ao criticar o relatório final
da CPI das Milícias, Bolsonaro disse que “não se pode generalizar” ao falar de
milicianos. Na época, a CPI pediu o indiciamento de 266 pessoas, entre elas
sete políticos, suspeitas de ligação com grupos paramilitares no
Rio.
“Querem atacar o miliciano, que passou a ser o
símbolo da maldade e pior do que os traficantes. Existe miliciano que não tem
nada a ver com “gatonet”, com venda de gás. Como ele ganha 850 reais por mês,
que é quanto ganha um soldado da PM ou do bombeiro, e tem a sua própria arma,
ele organiza a segurança na sua comunidade. Nada a ver com milícia ou
exploração de “gatonet”, venda de gás ou transporte alternativo. Então, Sr.
Presidente, não podemos generalizar.”
Quando foi relembrado sobre este apreço
pelas milícias durante a campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro fez a egípcia e
se disse desinteressado no tema. “Hoje em dia ninguém apoia milícia mais não.
Mas não me interessa mais discutir isso”, disse.
Jair Bolsonaro, vale lembrar, foi o
único presidenciável a não se
manifestar sobre a execução de Marielle Franco e Anderson
Gomes. E Flávio Bolsonaro foi o único deputado que votou
contra a vereadora assassinada receber a medalha Tiradentes
como uma homenagem póstuma.
No fim das contas, o brasileiro parece
ter eleito o Major Rocha achando que estava votando no Coronel Nascimento.
Talvez seus eleitores precisem assistir à Tropa de Elite de novo.
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Fonte: The Intercept BR.