segunda-feira, 29 de junho de 2009

Sobre o que está acontecendo no Irã

IRÃ: PROTESTO OU REVOLUÇÃO?
Por JOÃO CARLOS DA SILVA SANTIAGO

Patrick Cockburn, do jornal inglês The Independent, em artigo traduzido pela FSP neste dia 26.06, traz para o debate uma questão importante sobre o processo pós-eleitoral no Irã: está havendo uma revolução ou um simples protesto contra a fraude eleitoral? Ele se pergunta:“terá a revolução terminado antes de começar?”, “será que teria sido uma revolução?” Sua conclusão sobre os fatos é apenas uma: “Nunca chegou a ser provável que as manifestações de massa de iranianos -protestando contra os resultados da eleição presidencial... - se convertessem em uma situação revolucionária”.

O autor tenta fazer uma breve comparação com a “revolução de 1979” que derrubou o Xá Reza Pahlevi, dizendo que na revolução islâmica de 1979 as forças do Estado “foram superadas pelo número de pessoas “ dispostas a morrer, e que hoje o aparato repressivo do Estado iraniano tem os números, a disciplina e o engajamento a seu lado. E que àquela época havia uma rede de clérigos, partidos de esquerda, que podiam continuar promovendo as manifestações, mesmo diante da repressão do Xá Reza Pahlevi.

Em um primeiro momento temos que dar razão a Patrick Cockburn. De fato, entre janeiro de 1978 e fevereiro de 1979, o Irã foi sacudido por grandes manifestações de massas contra o regime do Xá Reza Pahlevi. Em janeiro de 1978 uma greve geral de 2 milhões de trabalhadores propagou-se para Ispahan, Shiraz e também para o santuário de Mashad. Em setembro de 1978, começaria a greve, que, segundo os historiadores Daniel Yergin e Oswaldo Coggiola, mudaria o rumo da historia do país: a greve dos trabalhadores do petróleo. Em 8 de setembro o exército do Xá havia assassinado milhares de manifestantes em Teerã; no dia seguinte os trabalhadores da refinaria petrolífera de Teerã iniciaram uma greve que durou 33 dias.

A greve provocava perdas diárias de 74 milhões de dólares. A greve se espalhou para outras refinarias e começaram as reivindicações políticas como “abaixo o Xá”, “abaixo a Savak”, a terrível polícia política. Novamente, no mês de novembro (25), a greve petroleira recomeçaria na refinaria de Chahr-Rey, perto de Teerã, o que provocaria uma greve geral em 4 de dezembro. Em 12 de dezembro, cerca de 2 milhões de pessoas tomaram as ruas de Teerã para protestar contra o Xá. Outra vez os petroleiros entraram em greve e deixaram de bombear cerca de 6,5 milhões de petróleo por dia. Eram os últimos dias do regime pró-americano.

Finalmente, com a chegada de Khomeini ao Irã em 1º de fevereiro de 1979, recepcionado por 5 milhões de pessoas, a “República Islâmica” será proclamada. A multidão gritava “Alá é grande” – o mesmo slogan adotado na revolução atual e que provoca a ira do regime dos aiatolás – e “Khomeini é nosso chefe”. Os combates finais se deram nos dias 10 e 11 de fevereiro, com a insurreição armada que tomou conta do país, o sangue espalhando-se nas capitais entre os partidários de Khomeini e o Exército imperial, que acabara se dividindo. O primeiro ministro Bakhtiar, alçado para substituir o Xá em 16 de janeiro, renunciava. Começava uma nova fase do desenvolvimento do país, tendo à frente os radicais xiitas, os clérigos da revolução islâmica.

Como vimos, o processo revolucionário, que culminou com a queda do Xá e da instauração da República Islâmica, durou mais de um ano, desde o início dos manifestações de massas em janeiro de 1978, até a derrubada da monarquia em 11 de fevereiro de 1979.A partir de então, perguntamo-nos: o que foi que gerou os protestos atuais, e como foi possível uma mobilização de massas com um milhão de pessoas no dia 17 de junho, a maior desde 1978-79? É aqui que passamos a discordar de Patrick Cockburn. O que Patrick Cockburn não leva em conta na sua caracterização, de que não houve uma revolução ou uma situação revolucionária, é o tempo histórico. Estamos há apenas duas semanas desde o começo das manifestações. Foi preciso um ano de manifestações e greves para derrubar a ditadura de 26 anos do Xá Reza Pahlevi.

Não é justo fechar o tempo histórico em apenas duas semanas, para uma ditadura teocrática dos aitolás que já dura 30 anos! Será necessário um tempo histórico maior para que esse processo de derrubada se consuma. Houve uma primeira manifestação no dia 15/06, com cem mil pessoas e outra no dia 17/06, com um milhão de manifestantes, e a ela se referiu Robert Fisk, do Independent, como “o dia do destino no Irã”. Há outras manifestações dispersas de mil pessoas, de 300, com jovens desafiando a poderosa e facínora Guarda Revolucionária, que conta hoje com 200 mil soldados, e os paramilitares islâmicos da Basij, que é um grupo voluntário paramilitar que está sob ordens da Guarda.

Aparentemente, a causa das mobilizações atuais que sacodem o Irã está no resultado das eleições presidenciais de 12 de junho. De acordo com os resultados oficiais, Ahmadinejad recebeu 24,5 milhões de votos, ou seja, 62,7% do total, contra 13,2 milhões, ou 33%, de Mousavi. A oposição, liderada por Mousavi e outros dois candidatos, se levantou contra a fraude, desencadeando os movimentos de rua. Entretanto, as causas são mais profundas, e tem a ver com a existência de um regime teocrático de 30 anos e a aprofunda crise econômica vivida pelo país, com uma inflação de 35% e mais de 25% da população vivendo abaixo da linha de pobreza, além de 12 milhões de jovens desempregados. Sem contar a privatização desenfreada dos serviços públicos levada a cabo por Ahmadinejad para favorecer seus aliados.

A questão é: seria um simples movimento de protesto à fraude eleitoral, admitida em parte pelo regime, ou o começo da revolução política contra o regime dos aiatolás, que já dura 30 anos? Estamos mais inclinados para a segunda opção. Em outras eleições já houve fraudes, e em 2004, antes da primeira vitória de Ahmadinejad, os conservadores saíram vitoriosos nas eleições depois que o Conselho de Guardiães barrou a candidatura de 2.500 reformistas. Por que as massas não explodiram como agora?É uma fato, maior do que uma montanha: a revolução política está nas ruas. Se vai ser vitoriosa neste momento não podemos prever. Dependerá dos passos que darão Mousavi, o ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani, aliado de Mousavi e chefe da Assembléia dos Especialistas, que tem o poder legal de depor o aiatolá e dos próprios manifestantes, se acatarão ou não as ordens de fazer manifestações pacíficas. Ao regime só resta a repressão e a censura, suas únicas defesas. Aconteça o que acontecer, a revolução mostrou sua cabeça.

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