domingo, 16 de abril de 2017

A Senhorita Andreza e nós


por Carlos Mendes

Nem heroína, nem mártir. Apenas uma jovem nascida num bairro pobre de Belém e igual a tantas outras que passou pela vida sem que a vida tivesse passado por ela. É fácil apontar o dedo falsamente moralista e dizer que ela não estudou porque não quis, que poderia ter se espelhado em alguém da vizinhança, focado em outro caminho na vida. 

Não falta quem diga também que estaria viva se não tivesse frequentado ambientes perigosos, onde as pessoas se drogam ou se reunem para praticar crimes. Andreza Ariani Castro, aos 22 anos, seguiu um caminho que poderia ter volta, mas não teve. Nessa idade, é mais fácil errar do que acertar e ela errou e pagou por isto, como dizem alguns donos da verdade, nas redes sociais. 

No Facebook, no Twitter, nos programas policialescos de rádio e de TV, a morte de Andreza é o assunto da hora. "Ela teve o que mereceu", sentenciou um desses julgadores cheio de virtudes e razões. "A senhorita Andreza levou o farelo", bradou outro moralista. Também há os que lamentam pelas duas crianças, filhas de Andreza, que agora não terão a mãe por perto, como antes já não tinham o pai, também assassinado.

Não importa se foi alguém de motocicleta, carro prata, carro cinza, carro preto, se foi milícia militar ou paramilitar, se foi "acerto de contas entre bandidos", o que importa é que a jovem da Cabanagem deixou de ser um problema, não se sabe se para a polícia, para o tráfico ou para os que comemoram a morte dela, inclusive compartilhando a fotografia com a cabeça coberta de sangue. Um sadismo escancarado.

Haverá inquérito ou investigação para saber quem matou Andreza? Parece que é pedir demais num Estado onde a impunidade de "justiceiros" mata jovens a toda hora, inocentes ou com ficha policial. Os governantes precisam dormir em paz, cercados de seguranças armados, cães de guarda e câmeras de vigilância. Isto é o bastante.

Nós, os que por omissão mantemos a inércia oficial, também corremos o risco de ser as próximas vítimas. Sem heroismo ou martírio. Aliás, nem precisamos de rótulos para virar estatística fúnebre. Afinal, já fizemos as nossas escolhas. Assim, podemos morrer de susto, de bala ou de vício, como na música de Caetano.

Pouco interessa que sejamos cidadãos "do bem", porque estudamos, temos profissão definida, a geladeira abastecida e bons amigos. Ou "do mal", porque somos iletrados, rebeldes, desempregados, com amigos "perdidos", a pele negra ou sexualidade diferente.

Somos iguais no abandono e na insegurança. Se culpados ou não por nossas escolhas, como Andreza Ariani Castro, pouco importa. Ela "pagou" pelo que fez ou deixou de fazer. 

E nós, também, devemos "pagar".
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Carlos Mendes é jornalista e editor do blog Ver-o-Fato.

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