quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Amor e silêncio no velório de minha avó

por Ericson Aires

Eu nunca fui de não gostar das pessoas, mas quando eu morava em Igarapé-Miri, ainda adolescente, tinha uma senhora que eu não suportava, e ela,  idem.  Antes da minha vó morrer, descobrir que  ambas trabalharam juntas e, por um motivo qualquer, também não se davam bem.

No dia do velório da minha vó, essa senhora apareceu em casa, de longe eu fitava-a. Não a queria ali.

Em cidade pequena velório é aquela coisa, às vezes mais parece festa. Já vi vezes que se mata boi inteiro para dar de comer para os que vão chorar o morto. Lá em casa, enquanto todo mundo chorava a morta, essa senhora apenas  trabalhava.

Fez comida, café, arrumou a casa e tudo mais que ela podia fazer. Trabalhou por mais de dez. No decorrer do dia esqueci-me dela. Já na madrugada, quando as coisas estavam mais calmas, fui à cozinha e ela estava lá, exausta, dormindo em uma cadeira. 

Muitas das minhas lembranças viraram pó, mas essa, essa não. Aquilo ali, para mim, foi uma das coisas mais marcantes da minha vida.

Sem uma só palavra, aquela senhora, me diz até hoje: a voz do silêncio ainda é a melhor forma de falar de amor.
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Ericson Aires é livreiro, vive em Santarém, oeste do Pará e é idealizador de diversos projetos, como o Sebo Porão Cultural, que ajudam a despertar o interesse das pessoas pela leitura.

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