domingo, 16 de janeiro de 2011

Imprensa rompe silêncio e começa a apontar responsáveis pelo caos na Região Serrana

A natureza da culpa
RICARDO MELO – FSP 14/01/11


SÃO PAULO - Autoridades adoram repetir que tragédias, assim como acidentes de avião, nunca têm uma única causa. Seriam resultado de uma soma inesperada de fatores.

Após cada temporal, os políticos, por motivos conhecidos, carregam nas tintas do imponderável. "Nunca choveu tanto", "a água dos rios atingiu volume recorde", "fomos pegos de surpresa": desculpas que tratam os cidadãos em pleno século 21 como se não passassem de reféns indefesos da natureza.

Mas mesmo grandes acidentes de avião, quando examinados em minúcias, mostram que defeitos menores não resolvidos desencadearam catástrofes. Uma peça mal projetada, um parafuso não apertado -várias vezes percebe-se que a negligência humana foi a principal razão de enormes desastres.

À custa de centenas de mortes e prejuízos incalculáveis, impõe-se outra vez a dura realidade: o descaso do poder público é o fator primordial a explicar a dimensão dos estragos causados pela chuva não apenas no Rio, mas também em São Paulo, Minas e país afora.

Isso é tão certo quanto é falacioso dizer que os danos atingiram indistintamente ricos e pobres. A dor de quem perdeu um parente sempre será lancinante e motivo de igual respeito de todos, mas o balanço geralmente indica que a maioria das vítimas é gente humilde.

A única diferença que verdadeiramente desaparece é entre os que governam o país no mínimo há quatro décadas. Foram eles que autorizaram e incentivaram ocupações desordenadas, viram proliferar áreas de riscos, desviaram ou deixaram de usar verbas de caráter preventivo e engavetaram promessas assim que as águas refluíram.

PT, PSDB, PMDB, DEM e os demais partidos são igualmente culpados por tragédias como a atual. Por ação, por omissão, quando não pela combinação de ambos. Enquanto inexistir punição para a cadeia de desmandos, é perda de tempo traçar prognósticos favoráveis.
Falta de planejamento fez chuva no Brasil matar mais que na Austrália, diz especialista da ONU

____________________________________________________

Falta de planejamento fez chuva no Brasil matar mais que na Austrália, diz especialista da ONU
Bianca Rothier
Da BBC Brasil
Em Genebra (Suíça)

Tragédia das chuvas no Rio de Janeiro

A falta de “comunicação” e de um plano de emergência fez com que as fortes chuvas na região serrana do Rio resultassem em uma tragédia maior do que a ocorrida em Queensland, na Austrália, também submersa recentemente pelas águas. A opinião é de Margareta Wahlström, subsecretária-geral da ONU para a Redução de Riscos de Desastres.

“Por causa da ocorrência de ciclones, a Austrália já tinha começado a se preparar para o imprevisível. As autoridades sabem como evacuar as áreas e a população escuta as orientações pelo rádio”, explicou à BBC Brasil.

No país da Oceania, inundações em três quartos do Estado de Queensland haviam provocado 13 mortes até a última quarta-feira. Na serra fluminense, o saldo de mortos passou de 500 na noite de quinta-feira.

Para Wahlström, o Brasil poderia ter evitado mortes se tivesse planos de emergência eficazes. Ela cita como exemplo iniciativas de outros países em desenvolvimento, como a Indonésia, que "apesar de ser uma nação pobre, têm planos de evacuação diante de ameaças de terremoto e de erupção de vulcão, por exemplo".

"São iniciativas que salvam vidas", diz ela.

Monitorar as áreas de risco e montar um sistema de alerta - com a designação de um líder para orientar a população e a criação de abrigos pré-definidos para receber moradores - são medidas consideradas básicas por Wahlström para evitar mortes como as ocorridas em Teresópolis, Petrópolis e Nova Friburgo.

“As pessoas precisam saber para onde ir e como ir, qual seria o caminho mais seguro. Uma solução comum são centros comunitários preparados para receber a população”, afirmou à BBC Brasil.

Wahlström tem mais de 25 anos de experiência em gestão de catástrofes e coordenou pelas Nações Unidas a assistência às comunidades atingidas pelo tsunami de 2004 na Ásia. Em 2010, viu de perto no Rio de Janeiro as consequências da chuva no início do ano. No mês passado, esteve em Queensland, no local que está sendo assolado pelas enchentes.


“No Brasil, ainda há muito a ser feito em termos de planejamento urbano. Os governos têm que trabalhar com a população e realmente proibir construções em áreas de risco. Muitas regulamentações existem, o problema é que nem sempre são cumpridas”, disse a subsubsecretária-geral da ONU para a Redução de Riscos de Desastres.

Segundo Wahlström, os desastres naturais nos últimos 10 anos provocaram prejuízos de quase US$ 1 trilhão na economia global. São perdas que poderiam ser em grande parte evitadas. Um estudo citado pela representante da ONU aponta que, para cada US$ 1 investido em prevenção, é possível economizar pelo menos US$ 7 em resgates e reconstrução.

“Não é necessário sofrer assim. Há uma escolha (a ser feita), e a escolha é planejar. O número de desastres vai continuar crescendo, e todo investimento em planejamento é um bom investimento”, opinou.
___________________________________

A maior tragédia

editoriais@uol.com.br

Embora superando recordes históricos, mortandade no Estado do Rio inscreve-se numa rotina de omissão e descaso das autoridades A calamidade que se abateu sobre a região serrana do Estado do Rio de Janeiro, na madrugada da quarta-feira, não se dimensiona apenas pelo número de mortos -passavam de 500 ao término desta edição- nem pelas imagens impressionantes do rastro de água e lama que, em poucas horas, transformou chalés turísticos e moradias simples num cenário de desespero e destruição.

No que tange ao cômputo das vítimas, Teresópolis, Petrópolis e Nova Friburgo já superam o recorde de meados dos anos 60, quando 300 pessoas morreram em temporais no Rio e mais de 400, estima-se, perderam a vida em Caraguatatuba (SP). Essas haviam sido as maiores catástrofes atribuídas a causas naturais no país.

Mas a expressão "causas naturais" é enganosa quando se fala em acontecimentos deste tipo. Se a violência das chuvas foi excepcional, não se deve a nenhum fenômeno atmosférico o fato de que encostas tenham sido ocupadas descontroladamente -a exemplo, aliás, do que acontece em muitas outras cidades do país.

Não depende da meteorologia a ausência de mapeamento adequado das áreas de risco. Não constitui, por fim, culpa de são Pedro (para usar o clichê das autoridades nesta época do ano) que menos da metade das verbas federais para prevenção de desastres tenha sido aplicada em 2010.

Segundo o Ministério das Cidades, de 99 municípios com histórico de tragédias apenas 45 apresentaram projeto que os habilitasse a receber dinheiro para obras de prevenção. Isso não justifica desvios políticos do governo federal, como os praticados pelo ex-ministro da Integração Nacional Geddel Vieira, que destinou metade das verbas a seu Estado, a Bahia, em 2009. Tampouco explica os atrasos ou a retenção de recursos -já escassos- prometidos quando ocorrem os desastres.

Não se trata apenas de incompetência técnica nem de falta de recursos. Por motivos políticos, autoridades nas mais diversas regiões do país não se dispõem a pagar o preço de remover os habitantes das áreas ameaçadas. Facilitaram, muitas vezes, a sua ocupação, criando redutos eleitorais em terrenos predestinados à tragédia. Ignoraram normas de edificação, consideraram dispensáveis os cuidados com a cobertura florestal e com a impermeabilização do solo.

Soluções técnicas podem ser diferentes, no vale do Itajaí (SC) ou na região metropolitana de São Paulo, em Pernambuco ou no Rio de Janeiro. Igual, entretanto, em toda parte, parece ser a omissão das autoridades -que só pode ser chamada de criminosa, quando suas vítimas, mais uma vez, se contam às centenas nestes dias.

Fonte: http://folha.com.br/

Nenhum comentário: