31/05/2017
por Marcus Benedito
No Bar do Pedro. Rolando o DVD do Samba Social Clube.
Ensaiei meu samba o ano inteiro. Música linda de Benito Di Paula. Um grupo de barbudos representando. Som que
remete a muita coisa boa. Momentos únicos. Não tem como citar um sequer, porque
muitos. Me foge à lembrança, como já cantou outro poeta. Lugar relativamente
povoado. Espaço alternativo. Muito gostoso de estar. Com pessoas nunca antes
vistas. Numa cidade nunca antes vista e caminhada. O som e as cervejas
correntes te trazem pra perto. Gostoso para beber o gelado chopp artesanal do Pedro.
Segundo dia que estou na cidade. Que bom que não tardei a
conhecer aqui. Chama atenção um cartaz prestimosamente emoldurado do encontro
dos Povos do Xingu, realizado entre os dias 19 e 23 de maio (o
cartaz não diz. Vi depois que foi em 2008) em Altamira. Organizado pelo Movimento
Xingu Vivo para Sempre, resposta às agressões promovidas pelo governo Dilma
(PT-PMDB) e empreiteiras, no que ficou materializado como um dos maiores
atentados contra o meio ambiente e os povos da Amazônia: Usina Hidrelétrica de
Belo Monte, em Altamira, no coração do Xingu. Uma monstruosidade que só a sanha
e a corrupção seriam capazes de planejar e executar.
Mas bonitamente ornamentado e frequentado, o Bar do Pedro
não é o centro. O centro é o continente, claro, com seus belos e feios conteúdos:
Altamira. Altamira é uma cidade distinta de todos os outros lugares que vi e
sobre-vivi. Altamira é uma cidade surgida de um monte. Lugar pensado para que nele pudesse ser
feita uma boa fortificação (ou ponto de mira apenas). Uma visão
privilegiada que pudesse dar precisão às miras do canhão que levaria a pique
qualquer tentativa de invasão desta vasta e bela e rica região por qualquer
atrevido corsário ou estrangeiro no período do Grão Pará e Maranhão. Tudo ali. Uma mira alta. Só que o
jogo nunca inverteu e o canhão continua estourando do lado da maioria do povo.
Os canhões da destruição da maquinaria pesada, com o exército de 30 mil homens,
7 vezes e meia a mais do que foi empregado pelos faraós para a construção há
milênios, das curiosas pirâmides do Egito. Ou mais impressionantes ainda, as
que são encontradas espalhadas pela Amazônia e toda a América pré-colombiana.
Altamira, embaixo da mira, é uma cidade de gente fechada. Os canhões
da Norte Energia S/A, conglomerado de megas empreiteiras de propriedade
dos principais indiciados e presos pela Lava Jato, produziram e deixam marcas
muito marcantes, porque profundas. Chagas fortes em tudo que habita e ama por
essas paragens. Mais de R$ 30 bilhões de reais que nada produziram senão açoite
e escárnio.
Como em tudo, não é de cara que se conhecem as coisas e as
pessoas aqui. Altamira é muita superficialidade. Ainda que a morte seja
berrante. Recentemente reconhecida como a cidade mais violenta do país. Onde
mais se mata e morre. Não era por menos. Só o povo que vive e jazz aqui sabem a
dor e a delícia de ver o que era doce desaparecer. Adeus mais lindo estuário e
berçário das dezenas de espécies de peixes que tinha ali. Daqui da frente dava
pra ver a Ilha dos Papagaios. Que literalmente pegou fogo. Nem James Cameron,
que também esteve aqui, poderia conceber cenas mais cruéis e indecentes. Adeus
Volta Grande. O rio, que tinha cara e gosto de guaraná Xingu, agora está com os
olhos opacos, a cara própria e, portanto, também morada de peixe morto. Quem
depende do peixe adoece e morre igualmente. Gente que engole choro. Ouve-se
gritos de indignação, uhus, tormento, ilusão, tragédia.
Da orla a foto parece linda. Mas o rio Xingu é um rio que
padece, propriamente agoniza. Está parado, envenenado, assassinado. Não se
poderia esperar outro resultado para tamanho assombro. Empreendimento que fez
esse povo experienciar as formas mais sanguinárias e primitivas que o capitalismo
e a corrupção dos governos se utiliza para exterminar os povos. Os
movimentos sociais, os ambientalistas, os atores Sigourney Weaver e Leonardo Di Caprio, o cantor Sting, mais do que eles: Raoni, Megaron, Antônia Melo, a guerreira Tuíra, já
haviam denunciado aos quatros cantos do mundo a hecatombe que seria Belo
Monstro sobre a vida de tudo que se meche ou não, respira ou não, nessa mágica
região.
No DVD, Tereza Cristina e o grupo Semente (não deu tempo de ler o resto do nome),
interpreta aquela que diz que vai manter a tradição. Vai meu bloco, tristeza e
pé no chão. Recuso-me a pensar que esse será de fato o fim do Xingu e tudo que
depende desse ecossistema. Recuso-me a pensar que tudo será dores. É preciso
falar de flores. E depois dela Chico
Buarque de Holanda reforça que Vai Passar. Que embora a região e pátria estejam,
desde os tempos do invasor Cabral, a serem subtraídas, que teremos um dia,
alegria afinal.
Mas como essa tal felicidade, se o rio está morto? Se parentes
morrem todo dia? Sensação de que o que sobra é uma avenida na beira do rio que
foi enforcado. Lugar por onde passou a curumim e bailou um pajé, de sambas
imortais, cantados pelos índios no desfile da Imperatriz Leopoldinense no
Carnaval deste ano, povo que viveu milênios até ter que presenciar essa
ofegante epidemia chamada Belo Monte. O estandarte do Sanatório Geral vai
passar? Espero que sim. Embora tenhamos constatado que essas pessoas estejam doentes
do corpo, da mente e da alma.
A região que ouviu a promessa de que tudo seria festa,
obras, melhorias, empregos, vida boa, em suma, o paraíso, não sabia que em vida
seus povos conheceriam a verdadeira face do terrorismo de estado. O mesmo que
gera fel, inferno, invade favelas, expulsa quilombolas, mata sem terras e sem
tetos, promove dor, sofrimento, fome miséria, morte, inferno. Mas a revanche se
opera.
Queremos o Rio Xingu Vivo para Sempre! Alcione se despede: foi o fim, o sonho bonito de paz. As jornadas de lutas do primeiro semestre deste ano nos sugere que não. Não tocou, mas vale lembrar Cazuza: a história não acabou e ainda estão rolando os dados.
Queremos o Rio Xingu Vivo para Sempre! Alcione se despede: foi o fim, o sonho bonito de paz. As jornadas de lutas do primeiro semestre deste ano nos sugere que não. Não tocou, mas vale lembrar Cazuza: a história não acabou e ainda estão rolando os dados.
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