Por Michelle Amaral, no jornal Brasil de Fato:
Atraídos pela chance do primeiro emprego, milhares de jovens brasileiros procuram a rede de restaurantes fast food McDonald´s para trabalhar. Eles buscam a oportunidade de iniciar a vida profissional e conquistar independência financeira. No entanto, pela pouca maturidade e falta de experiência, esses jovens se veem submetidos a condições irregulares de trabalho e têm usurpados seus direitos básicos.
“O McDonald´s tem essa imagem do primeiro emprego, [na contratação] eles passam uma coisa totalmente diferente do que é”, afirma Tatiana, que ingressou na rede de fast food com 16 anos e lá viveu uma das piores experiências de sua vida, que lhe traz consequências até hoje.
Aos 18 anos, Tatiana escorregou no refrigerante que havia escorrido de uma lixeira quebrada, caiu e sofreu uma séria lesão no joelho. Com fortes dores, a jovem foi levada para o gerente da loja. “Ele falou: ‘passa um Gelol e põe uma faixinha que sara’”, relata. Era final de ano, o restaurante estava lotado e Tatiana foi orientada a continuar trabalhando até o final do expediente. Após dois dias, sem conseguir andar, Tatiana procurou o médico, que diagnosticou o rompimento da rótula de seu joelho direito e indicou a necessidade de uma cirurgia.
Segundo ela, ao procurar o McDonald´s para informar as consequências da queda, nada foi feito pela empresa que, inclusive, se negou a emitir um Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT). “Eu fui ao INSS e perguntei como podia fazer esse CAT. Me deram o papel e mandaram eu ir até o McDonald´s”, conta a jovem, que afirma ter sido orientada pelo gerente a não informar a data correta do acidente para que não resultasse em multa para a loja. Ela ainda denuncia que a gerência sabia do defeito na lixeira, mas não a consertou para evitar gastos, resultando em seu acidente.
De lá para cá, a trabalhadora viveu sob intenso tratamento médico e teve que procurar reabilitação profissional por meios próprios, já que não podia exercer as mesmas funções e o McDonald´s se recusou a adaptá-la em outra área da empresa. Ela se formou em Direito e realizou estágio em um escritório de advocacia. Com isso, após 11 anos do acidente, Tatiana conseguiu a carta que a declara ser pessoa portadora de deficiência física e dá o reconhecimento de sua reabilitação pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
Hoje, aos 34 anos, Tatiana anda com o auxílio de uma muleta. Já passou por três cirurgias e necessita, ainda, realizar mais uma. No entanto, em março deste ano, ao tentar passar por uma consulta médica para agendar o procedimento, a trabalhadora foi informada do cancelamento de seu plano de saúde. O motivo foi a conclusão em janeiro da rescisão indireta do McDonald´s, solicitada pela trabalhadora em 2009. “O McDonald´s deveria ter comunicado ela [sobre o cancelamento da assistência médica], porque a lei diz isso, mas não comunicou, simplesmente cancelou”, protesta Patrícia Fratelli, advogada da trabalhadora.
De acordo com a Lei nº 9.656 de 1998, regulamentada pela Resolução Normativa nº 279 da Agência Nacional de Saúde (ANS), no caso de rescisão do vínculo empregatício é assegurado ao trabalhador “o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral”. “Eu tinha condição de pagar o meu convênio, o McDonald´s tinha que ter me dado essa opção, porque agora perdi a carência e nenhum convênio vai me aceitar”, desabafa Tatiana, que há quase 16 anos enfrenta uma batalha judicial contra o McDonald´s para ter seu dano reparado.
Armadilha
O caso de Tatiana não é isolado. Tramitam na Justiça do Trabalho na cidade de São Paulo e região metropolitana 1.790 ações contra o McDonald´s e a Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda., franqueadora master da multinacional no Brasil e na América Latina. Somente na capital paulista são 1.133 demandas judiciais ativas por conta das irregularidades trabalhistas e o tratamento inadequado dado pela empresa aos seus funcionários, conforme levantamento feito junto ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região.
Entre as falhas cometidas pelo McDonald´s estão o pagamento de remunerações abaixo do salário mínimo, utilização de jornada de trabalho ilegal, falta de comunicação dos acidentes de trabalho, fornecimento de alimentação inadequada, não concessão de intervalo intrajornada, ausência de condições mínimas de conforto para os trabalhadores, prolongamento da jornada de trabalho além do permitido por lei, assédio moral e sexual. Além disso, existem denúncias de jovens que trabalharam sem serem remunerados (leia matéria, clique aqui).
No Brasil, o McDonald´s emprega hoje 48 mil funcionários, de acordo com informações publicadas em seu site. Destes, 67% têm menos de 21 anos e 89% tiveram na rede de fast food a primeira oportunidade de emprego formal. Questionado pela reportagem sobre os processos movidos contra ele, o McDonald´s disse que “não comenta processos sub judice”.
Para Rodrigo Rodrigues, advogado do Sindicato dos Empregados em Hospedagem e Gastronomia de São Paulo e Região (Sinthoresp), a oferta do primeiro emprego a esses jovens é pensada pelo McDonald´s a fim criar nesses trabalhadores o sentimento de submissão incondicional, em que o contratado acata tudo o que lhe é imposto, pela gratidão da oportunidade de trabalho. “A pessoa fica com receio de se indispor contra o tratamento que é dado na empresa. Isso é sutilmente pensado para que se chegue a essas finalidades”, alega.
A mesma avaliação é feita pelo procurador Rafael Dias Marques, coordenador nacional da Coordenadoria de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) do Ministério Público do Trabalho (MPT). Segundo ele, a necessidade do primeiro emprego e a vontade de começar a vida profissional são vistas por alguns empregadores como uma possibilidade de fraudar direitos que são garantidos a esses trabalhadores por lei. “Muitas empresas preferem contratar os mais jovens para evitar problemas trabalhistas, para torná-los uma massa de manobra mais fácil para executar [o trabalho] sem direitos trabalhistas, sem qualquer questionamento ou um questionamento mais brando”, afirma.
O procurador explica, ainda, que a pouca maturidade torna a contratação desses jovens vantajosa para essas empresas. “São pessoas que, por ainda serem jovens, não tem o senso crítico do questionamento e de resistir a determinadas situações de lesões de direitos”, analisa.
Garantia de direitos
O advogado do Sinthoresp lembra que o jovem tem que ser visto como um ser em transformação, que necessita de cuidados que lhe assegurem uma boa formação para a vida. “O trabalho é uma condição necessária, mas deve ser implementado aos poucos, não pode ser do jeito que está, coloca o jovem lá e vamos ver o que vai dar”, pondera Rodrigues. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) permite a contratação de adolescentes a partir de 14 anos, na condição de aprendiz, e de 16 anos para o trabalho normal. No entanto, o estatuto estabelece que a eles deve ser observado “o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”.
Desta forma, Marques ressalta que a atividade profissional não pode ser prejudicial ao desenvolvimento físico e social destes adolescentes e jovens, seguindo o que estabelece o Decreto nº 6.481/2008. “Eles são pessoas peculiares em desenvolvimento, em fase de formação, por isso que o trabalho nessa fase da vida tem que ser diferenciado”, analisa.
O procurador alerta que, se não observados os cuidados com esses jovens, o trabalho pode lhes causar danos irreversíveis para a vida adulta. “O risco de lesão à saúde por uma situação do trabalho é muito mais evidente nessa parte da população, porque ainda que está em formação biológica”, observa. Segundo ele, “uma doença do trabalho nessa fase da vida é mais suscetível a ter continuidade, inclusive de levar ao quadro da invalidez”.
Foi o que aconteceu com Tatiana. Com o acidente ocasionado por uma negligência da empresa, teve sua vida completamente mudada. “ Tive que parar a minha vida. Fiquei um tempo sem estudar. Queria fazer enfermagem e o médico falou que eu nunca poderia ser enfermeira, porque não podia ficar em pé”, conta.
Atraídos pela chance do primeiro emprego, milhares de jovens brasileiros procuram a rede de restaurantes fast food McDonald´s para trabalhar. Eles buscam a oportunidade de iniciar a vida profissional e conquistar independência financeira. No entanto, pela pouca maturidade e falta de experiência, esses jovens se veem submetidos a condições irregulares de trabalho e têm usurpados seus direitos básicos.
“O McDonald´s tem essa imagem do primeiro emprego, [na contratação] eles passam uma coisa totalmente diferente do que é”, afirma Tatiana, que ingressou na rede de fast food com 16 anos e lá viveu uma das piores experiências de sua vida, que lhe traz consequências até hoje.
Aos 18 anos, Tatiana escorregou no refrigerante que havia escorrido de uma lixeira quebrada, caiu e sofreu uma séria lesão no joelho. Com fortes dores, a jovem foi levada para o gerente da loja. “Ele falou: ‘passa um Gelol e põe uma faixinha que sara’”, relata. Era final de ano, o restaurante estava lotado e Tatiana foi orientada a continuar trabalhando até o final do expediente. Após dois dias, sem conseguir andar, Tatiana procurou o médico, que diagnosticou o rompimento da rótula de seu joelho direito e indicou a necessidade de uma cirurgia.
Segundo ela, ao procurar o McDonald´s para informar as consequências da queda, nada foi feito pela empresa que, inclusive, se negou a emitir um Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT). “Eu fui ao INSS e perguntei como podia fazer esse CAT. Me deram o papel e mandaram eu ir até o McDonald´s”, conta a jovem, que afirma ter sido orientada pelo gerente a não informar a data correta do acidente para que não resultasse em multa para a loja. Ela ainda denuncia que a gerência sabia do defeito na lixeira, mas não a consertou para evitar gastos, resultando em seu acidente.
De lá para cá, a trabalhadora viveu sob intenso tratamento médico e teve que procurar reabilitação profissional por meios próprios, já que não podia exercer as mesmas funções e o McDonald´s se recusou a adaptá-la em outra área da empresa. Ela se formou em Direito e realizou estágio em um escritório de advocacia. Com isso, após 11 anos do acidente, Tatiana conseguiu a carta que a declara ser pessoa portadora de deficiência física e dá o reconhecimento de sua reabilitação pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
Hoje, aos 34 anos, Tatiana anda com o auxílio de uma muleta. Já passou por três cirurgias e necessita, ainda, realizar mais uma. No entanto, em março deste ano, ao tentar passar por uma consulta médica para agendar o procedimento, a trabalhadora foi informada do cancelamento de seu plano de saúde. O motivo foi a conclusão em janeiro da rescisão indireta do McDonald´s, solicitada pela trabalhadora em 2009. “O McDonald´s deveria ter comunicado ela [sobre o cancelamento da assistência médica], porque a lei diz isso, mas não comunicou, simplesmente cancelou”, protesta Patrícia Fratelli, advogada da trabalhadora.
De acordo com a Lei nº 9.656 de 1998, regulamentada pela Resolução Normativa nº 279 da Agência Nacional de Saúde (ANS), no caso de rescisão do vínculo empregatício é assegurado ao trabalhador “o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral”. “Eu tinha condição de pagar o meu convênio, o McDonald´s tinha que ter me dado essa opção, porque agora perdi a carência e nenhum convênio vai me aceitar”, desabafa Tatiana, que há quase 16 anos enfrenta uma batalha judicial contra o McDonald´s para ter seu dano reparado.
Armadilha
O caso de Tatiana não é isolado. Tramitam na Justiça do Trabalho na cidade de São Paulo e região metropolitana 1.790 ações contra o McDonald´s e a Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda., franqueadora master da multinacional no Brasil e na América Latina. Somente na capital paulista são 1.133 demandas judiciais ativas por conta das irregularidades trabalhistas e o tratamento inadequado dado pela empresa aos seus funcionários, conforme levantamento feito junto ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região.
Entre as falhas cometidas pelo McDonald´s estão o pagamento de remunerações abaixo do salário mínimo, utilização de jornada de trabalho ilegal, falta de comunicação dos acidentes de trabalho, fornecimento de alimentação inadequada, não concessão de intervalo intrajornada, ausência de condições mínimas de conforto para os trabalhadores, prolongamento da jornada de trabalho além do permitido por lei, assédio moral e sexual. Além disso, existem denúncias de jovens que trabalharam sem serem remunerados (leia matéria, clique aqui).
No Brasil, o McDonald´s emprega hoje 48 mil funcionários, de acordo com informações publicadas em seu site. Destes, 67% têm menos de 21 anos e 89% tiveram na rede de fast food a primeira oportunidade de emprego formal. Questionado pela reportagem sobre os processos movidos contra ele, o McDonald´s disse que “não comenta processos sub judice”.
Para Rodrigo Rodrigues, advogado do Sindicato dos Empregados em Hospedagem e Gastronomia de São Paulo e Região (Sinthoresp), a oferta do primeiro emprego a esses jovens é pensada pelo McDonald´s a fim criar nesses trabalhadores o sentimento de submissão incondicional, em que o contratado acata tudo o que lhe é imposto, pela gratidão da oportunidade de trabalho. “A pessoa fica com receio de se indispor contra o tratamento que é dado na empresa. Isso é sutilmente pensado para que se chegue a essas finalidades”, alega.
A mesma avaliação é feita pelo procurador Rafael Dias Marques, coordenador nacional da Coordenadoria de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) do Ministério Público do Trabalho (MPT). Segundo ele, a necessidade do primeiro emprego e a vontade de começar a vida profissional são vistas por alguns empregadores como uma possibilidade de fraudar direitos que são garantidos a esses trabalhadores por lei. “Muitas empresas preferem contratar os mais jovens para evitar problemas trabalhistas, para torná-los uma massa de manobra mais fácil para executar [o trabalho] sem direitos trabalhistas, sem qualquer questionamento ou um questionamento mais brando”, afirma.
O procurador explica, ainda, que a pouca maturidade torna a contratação desses jovens vantajosa para essas empresas. “São pessoas que, por ainda serem jovens, não tem o senso crítico do questionamento e de resistir a determinadas situações de lesões de direitos”, analisa.
Garantia de direitos
O advogado do Sinthoresp lembra que o jovem tem que ser visto como um ser em transformação, que necessita de cuidados que lhe assegurem uma boa formação para a vida. “O trabalho é uma condição necessária, mas deve ser implementado aos poucos, não pode ser do jeito que está, coloca o jovem lá e vamos ver o que vai dar”, pondera Rodrigues. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) permite a contratação de adolescentes a partir de 14 anos, na condição de aprendiz, e de 16 anos para o trabalho normal. No entanto, o estatuto estabelece que a eles deve ser observado “o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”.
Desta forma, Marques ressalta que a atividade profissional não pode ser prejudicial ao desenvolvimento físico e social destes adolescentes e jovens, seguindo o que estabelece o Decreto nº 6.481/2008. “Eles são pessoas peculiares em desenvolvimento, em fase de formação, por isso que o trabalho nessa fase da vida tem que ser diferenciado”, analisa.
O procurador alerta que, se não observados os cuidados com esses jovens, o trabalho pode lhes causar danos irreversíveis para a vida adulta. “O risco de lesão à saúde por uma situação do trabalho é muito mais evidente nessa parte da população, porque ainda que está em formação biológica”, observa. Segundo ele, “uma doença do trabalho nessa fase da vida é mais suscetível a ter continuidade, inclusive de levar ao quadro da invalidez”.
Foi o que aconteceu com Tatiana. Com o acidente ocasionado por uma negligência da empresa, teve sua vida completamente mudada. “ Tive que parar a minha vida. Fiquei um tempo sem estudar. Queria fazer enfermagem e o médico falou que eu nunca poderia ser enfermeira, porque não podia ficar em pé”, conta.
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