Estudantes e trabalhadores fizeram vários atos em outubro em Belém (foto) contra a PEC 241. Foto: Raphael Castro |
A Câmara dos Deputados passou em segunda votação [há cerca duas semanas] a proposta de emenda constitucional que cria uma teto para os gastos públicos, a PEC 241, que congela as despesas do Governo Federal, com cifras corrigidas pela inflação, por até 20 anos. Com as contas no vermelho, o presidente Michel Temer vê na medida, considerada umas das maiores mudanças fiscais em décadas, uma saída para sinalizar a contenção do rombo nas contas públicas e tentar superar a crise econômica. O mecanismo enfrenta severas críticas da nova oposição, liderada pelo PT, pelo PSOL e pelo PCdoB, mas também vindas de parte dos especialistas, que veem na fórmula um freio no investimento em saúde e educação previstos na Constituição. O texto da emenda, que precisa ser aprovado em mais duas votações no Senado, também tem potencial para afetar a regra de reajuste do salário mínimo oficial. Veja como foi a votação nesta segunda aqui. Entenda o que é a proposta e suas principais consequências.
por Gil Alessi, para o El País
O que é a PEC do teto de gastos?
A PEC, a iniciativa para modificar a Constituição proposta pelo Governo, tem como objetivo frear a trajetória de crescimento dos gastos públicos e tenta equilibrar as contas públicas. A ideia é fixar por até 20 anos, podendo ser revisado depois dos primeiros dez anos, um limite para as despesas: será o gasto realizado no ano anterior corrigido pela inflação (na prática, em termos reais - na comparação do que o dinheiro é capaz de comprar em dado momento - fica praticamente congelado). Se entrar em vigor em 2017, portanto, o Orçamento disponível para gastos será o mesmo de 2016, acrescido da inflação daquele ano. A medida irá valer para os três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário. Pela proposta atual, os limites em saúde e educação só começarão a valer em 2018.
Por que o Governo diz que ela é necessária?
O
ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, diz que "não há possibilidade
de prosseguir economicamente no Brasil gastando muito mais do que a
sociedade pode pagar. Este não é um plano meramente fiscal." Para a
equipe econômica, mesmo sem atacar frontalmente outros problemas
crônicos das contas, como a Previdência, o mecanismo vai ajudar "a
recuperar a confiança do mercado, a gerar emprego
e renda" ao mesmo tempo em que conterá os gastos públicos, que estão
crescendo ano a ano, sem serem acompanhados pela arrecadação de
impostos. Para uma parte dos especialistas, pela primeira vez o Governo
está atacando os gastos, e não apenas pensando em aumentar as receitas. O
Governo Temer não cogita, no momento, lançar mão de outras estratégias,
como aumento de impostos ou mesmo uma reforma tributária, para ajudar a
sanar o problema do aumento de gasto público no tempo.
O que dizem os críticos da PEC?
Do ponto de vista de atacar o problema do
aumento anual dos gastos públicos, uma das principais críticas é que uma
conta importante ficou de fora do pacote de congelamento: os gastos com
a Previdência. É um segmento que abocanha mais de 40% dos gastos públicos
obrigatórios. Logo, a PEC colocaria freios em pouco mais de 50% do
Orçamento, enquanto que o restante ficaria fora dos limites impostos -
só a regra sobre o salário mínimo tem consequências na questão da
Previdência. A Fazenda afirmou, de todo modo, que a questão da
Previdência será tratada de forma separada mais à frente. "Se não
aprovar mudanças na Previdência, um gasto que cresce acima da inflação
todos os anos, vai ter de cortar de outras áreas, como saúde e
educação", diz Márcio Holland, ex-secretário de política econômica da
Fazenda. "Nesse sentido, a PEC deixa para a sociedade, por meio do
Congresso, escolher com o que quer gastar", complementa. Há vários
especialistas que dizem que, na prática, o texto determina uma
diminuição de investimento em áreas como saúde e educação, para as quais
há regras constitucionais. Os críticos argumentam que, na melhor das
hipóteses, o teto cria um horizonte de tempo grande demais (ao menos dez
anos) para tomar decisões sobre toda a forma de gasto do Estado
brasileiro, ainda mais para um Governo que chegou ao poder sem
ratificação de seu programa nas urnas. Eles dizem ainda que, mesmo que a
economia volte a crescer, o Estado já vai ter decidido congelar a
aplicação de recursos em setores considerados críticos e que já não
atendem a população como deveriam e muito menos no nível dos países
desenvolvidos. Se a economia crescer, e o teto seguir corrigido apenas
de acordo com a inflação, na prática, o investido nestas áreas vai ser
menor em termos de porcentagem do PIB (toda a riqueza produzida pelo
país). O investimento em educação pública é tido como um dos motores
para diminuir a desigualdade brasileira.
Quando a PEC começa a valer?
Se aprovada na Câmara e no Senado, começa a
valer a partir de 2017. No caso das áreas de saúde e educação, as
mudanças só passariam a valer após 2018, quanto Temer não será mais o
presidente.
Qual o impacto da PEC no salário mínimo?
A proposta também inclui um mecanismo que
pode levar ao congelamento do valor do salário mínimo, que seria
reajustado apenas segundo a inflação. O texto prevê que, se o Estado não
cumprir o teto de gastos da PEC, fica vetado a dar aumento acima da
inflação com impacto nas despesas obrigatórias. Como o salário mínimo
está vinculado atualmente a benefícios da Previdência, o aumento real
ficaria proibido. O Governo tem dito que na prática nada deve mudar até
2019, data formal em que fica valendo a regra atual para o cálculo deste
valor, soma a inflação à variação (percentual de crescimento real) do
PIB de dois anos antes. A regra em vigor possibilitou aumento real (acima da inflação), um fator que ajudou a reduzir o nível de desigualdade dos últimos anos.
O que acontece se a PEC for aprovada e o teto de gastos não for cumprido?
Algumas das sanções previstas no texto da
PEC para o não cumprimento dos limites inclui o veto à realização de
concursos públicos, à criação de novos cargos e à contratação de
pessoal. Em outras palavras, pretende ser uma trava muito mais ampla que
a Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, que cria um teto de
gastos com pessoal (vários Estados e outros entes a burlam atualmente).
A PEC do teto vale para os Estados também?
A PEC se aplicará apenas aos gastos do
Governo Federal. No entanto, a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula
Vescovi, já sinalizou que o Planalto deve encaminhar em breve uma
segunda PEC que limita os gastos estaduais. Por enquanto não há consenso
entre o Executivo Federal e os governadores sobre o assunto.
Quais impactos a PEC pode ter nas áreas de educação e saúde?
Os críticos afirmam que a PEC irá colocar limites em gastos que historicamente crescem todos os anos em um ritmo acima da inflação, como educação e saúde. Além disso, gastos com programas sociais também podem ser afetados pelo congelamento. Segundo especialistas e entidades setoriais, esta medida prejudicaria o alcance e a qualidade dos serviços públicos oferecidos. Especialistas apontam problemas para cumprir mecanismos já em vigor, como os investimentos do Plano Nacional de Educação. Aprovado em 2014, o PNE tem metas de universalização da educação e cria um plano de carreira para professores da rede pública, uma das categorias mais mal pagas do país. "A população brasileira está envelhecendo. Deixar de investir na educação nos patamares necessários, como identificados no PNE, nos vinte anos de vigência da emenda proposta – tempo de dois PNEs -, é condenar as gerações que serão a população economicamente ativa daqui vinte anos, a terem uma baixa qualificação", disse o consultor legislativo da Câmara dos Deputados, Paulo Sena, ao site Anped, que reúne especialistas em educação.
Já o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que mais importante do que o valor despendido com áreas como saúde, educação e segurança, é a qualidade desses gastos. "Dados da educação e da saúde hoje mostram que a alocação de recursos não é o problema. É preciso melhorar a qualidade do serviço prestado à população", disse. "Teremos muito trabalho. O principal deles será o de mostrar que a saúde e educação não terão cortes, como a oposição tenta fazer a população acreditar", afirmou a líder do Governo no Congresso, a senadora Rose de Freitas (PMDB-ES).
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