segunda-feira, 17 de abril de 2017

Há 21 anos do massacre de Eldorado dos Carajás

Curva do S, Eldorado dos Carajás, local onde o governo Almir Gabriel determinou o massacre de 19 sem terras em 1996.

Semana passada estive na Curva do S, Eldorado dos Carajás, onde está montado esse acampamento do MTS (foto acima) e onde ocorreu há 21 anos o brutal massacre de 19 trabalhadores rurais sem terra.

De 17 de abril de 1996 pra cá nada mudou. Entramos no tão falado século XXI, mas as práticas das elites latifundiárias ainda são do tempo das Capitanias Hereditárias.

Direitos do povo são respondidos a bala. A justiça paraense segue sendo a mais injusta e impune do planeta. O governo, como o de Almir Gabriel (PSDB há época), mandante dessa chacina, segue ignorando as questões sociais e respondendo a Reforma Agrária com ferro e fogo.

Não a toa o Pará, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), permanece como o estado campeão em assassinatos de trabalhadores e lideranças rurais. Um quadro vergonhoso e de revolta, que mais uma vez nos faz homenagear e lutar pela memória dos que tombaram em Curumbiara, Eldorado dos Carajá, Anapu, Parauapebas.

Exigimos cadeia e punição exemplar para o oficiais e policiais da PM que cumpriram a ordem do governador Almir de desobstruir em abril de 1996 a PA 150! Exigimos o fim das mortes de trabalhadores no campo! Para isso, exigimos dos governos do estado e do governo ilegítimo de Michel Temer (PMDB) um ousado plano de Reforma Agrária neste país.

Só enfrentando a ganância e o ódio do latifúndio teremos justiça social, comida boa e barata na mesa dos brasileiros e a tão sonhada paz.

"MST, a luta é pra valer!
Reforma Agrária quando?
Já!"

domingo, 16 de abril de 2017

A Senhorita Andreza e nós


por Carlos Mendes

Nem heroína, nem mártir. Apenas uma jovem nascida num bairro pobre de Belém e igual a tantas outras que passou pela vida sem que a vida tivesse passado por ela. É fácil apontar o dedo falsamente moralista e dizer que ela não estudou porque não quis, que poderia ter se espelhado em alguém da vizinhança, focado em outro caminho na vida. 

Não falta quem diga também que estaria viva se não tivesse frequentado ambientes perigosos, onde as pessoas se drogam ou se reunem para praticar crimes. Andreza Ariani Castro, aos 22 anos, seguiu um caminho que poderia ter volta, mas não teve. Nessa idade, é mais fácil errar do que acertar e ela errou e pagou por isto, como dizem alguns donos da verdade, nas redes sociais. 

No Facebook, no Twitter, nos programas policialescos de rádio e de TV, a morte de Andreza é o assunto da hora. "Ela teve o que mereceu", sentenciou um desses julgadores cheio de virtudes e razões. "A senhorita Andreza levou o farelo", bradou outro moralista. Também há os que lamentam pelas duas crianças, filhas de Andreza, que agora não terão a mãe por perto, como antes já não tinham o pai, também assassinado.

Não importa se foi alguém de motocicleta, carro prata, carro cinza, carro preto, se foi milícia militar ou paramilitar, se foi "acerto de contas entre bandidos", o que importa é que a jovem da Cabanagem deixou de ser um problema, não se sabe se para a polícia, para o tráfico ou para os que comemoram a morte dela, inclusive compartilhando a fotografia com a cabeça coberta de sangue. Um sadismo escancarado.

Haverá inquérito ou investigação para saber quem matou Andreza? Parece que é pedir demais num Estado onde a impunidade de "justiceiros" mata jovens a toda hora, inocentes ou com ficha policial. Os governantes precisam dormir em paz, cercados de seguranças armados, cães de guarda e câmeras de vigilância. Isto é o bastante.

Nós, os que por omissão mantemos a inércia oficial, também corremos o risco de ser as próximas vítimas. Sem heroismo ou martírio. Aliás, nem precisamos de rótulos para virar estatística fúnebre. Afinal, já fizemos as nossas escolhas. Assim, podemos morrer de susto, de bala ou de vício, como na música de Caetano.

Pouco interessa que sejamos cidadãos "do bem", porque estudamos, temos profissão definida, a geladeira abastecida e bons amigos. Ou "do mal", porque somos iletrados, rebeldes, desempregados, com amigos "perdidos", a pele negra ou sexualidade diferente.

Somos iguais no abandono e na insegurança. Se culpados ou não por nossas escolhas, como Andreza Ariani Castro, pouco importa. Ela "pagou" pelo que fez ou deixou de fazer. 

E nós, também, devemos "pagar".
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Carlos Mendes é jornalista e editor do blog Ver-o-Fato.

domingo, 9 de abril de 2017

Revolução e contra-revolução na disputa do território sírio


por Tailson Silva

Há mais de 6 anos atrás, inspirados pela primavera árabe, onde os povos do norte da África e do oriente médio, lutaram contra governos ditatoriais e chegaram a derrubar Ben-Ali na Tunísia, Mubarak no Egito e Khadafi na Líbia que eram ditadores de décadas, os sírios saíram as ruas para protestar pela derrubada do "seu" ditador Bashar Al-Assad, que junto com o seu pai (Hafez Al-Assad), governam a Síria por cerca de 60 longos anos. Protestos que foram prontamente reprimidos por Assad e deram vazão a organização dos rebeldes sírios e sua justa luta pela derrubada de Assad. 

Para tentarmos entender o que se passa na Síria, podemos nos auxiliar pela discussão sobre o conceito de território e como esta categoria geográfica é disputada por diferentes atores, no caso sírio, os atores são diversos, regionais e mundiais.

Segundo alguns teóricos, como Claude Raffestin, a construção do território revela relações marcadas pelo poder. Para ele, faz-se necessário enfatizar, que é o poder exercido por pessoas ou grupos que definem o território. Onde poder e território, tem que ser enfocados conjuntamente para a consolidação do conceito de território. 

Marcelo Lopes de Souza afirma que todo espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder é um território, seja ele um quarteirão aterrorizado por uma gangue de jovens ou até o bloco constituído pelos países membros da OTAN. Sendo que os territórios podem ser: temporários ou permanentes.

Marcos Aurélio Saquet consolida a opinião de Souza, quando afirma que o território pode ser temporário ou permanente e que este efetiva-se em diferentes escalas, não apenas naquela convencionalmente conhecida como o “território nacional” sob gestão do Estado-Nação, podendo um Estado-Nação possuir diferentes territórios, controlados e disputado por diferentes atores e/ou grupos.

Em uma tentativa de síntese: O Estado nacional sírio e suas muitas regiões, estão desde 2011 sendo disputadas por muitos e diferentes atores, que temporariamente avançam em um sentido ou outro. Desenvolvendo e abrindo caminho ora para a revolução síria e ora para a contra-revolução, onde Assad e os demais atores envolvidos buscam consolidar suas relações de poder sobre determinados territórios dentro da Síria.

Na busca pela volta da dominação completa do território sírio, Assad nunca se pôs negociar, provocando o início da guerra civil síria. Em 6 anos, diferentes conjunturas sucederam-se nesta guerra, com Assad fortalecido no início, os rebeldes fortalecidos após 1 ano de conflitos quando chegaram as "portas" de Damasco e controlando grandes cidades como Aleppo, a entrada em cena do Estado Islâmico que se apossou de parte da síria em 2013 e 2014 e com a retomada da força de Assad no último ano, com a entrada pesada da Rússia e de outros aliados de Assad. 

A guerra civil síria é permeada por vários e distintos interesses políticos, militares e econômicos de diferentes atores, não sendo fácil nenhuma leitura deste conflito. 

O governo de Assad grande representante da contra-revolução está sufocando os rebeldes, colocando quase que um ponto final no conflito, como fez na brutal retomada de Aleppo e tenta se manter a ferro e fogo no poder, nem que pra isso seja usada armas químicas como foi feito esta semana em Idlib. Controla regiões do sul, oeste (litoral) e centro.

Os rebeldes sírios, apesar da posição política da direção do Exército Livre da Síria, são os grandes atores territoriais da revolução síria, tentam resistir e lutar pela derrubada do genocida Assad, buscando aliados que nem sempre os ajudaram de fato, como alguns governos árabes ou países imperialistas. Têm sua condição de luta atual, após fortes derrotas, recolocadas ao patamar da resistência, diferente do patamar inicial de avanço da revolução pelo território sírio. Estão no sul, centro e norte do país.

Os Estados Unidos querem voltar a saquear as riquezas da região com "normalidade", coisa que a guerra atrapalha, e é por isso que Trump tenta ser protagonistas para impor o fim da guerra, deixam de um tímido apoio logístico aos rebeldes e aos curdos e passam a uma intervenção mais direta, não se sabe quais seriam seus próximos passos depois do bombardeio a uma base militar síria na última quinta. Tentam forçar a saída de Assad na tentativa de formar um novo governo, nem que a fragmentação do território sírio seja a consequência disto tudo. Mesmo sendo contra Assad não representam nenhum avanço da revolução em território sírio, são parte da estratégia geral de derrota dos processos revolucionários da primavera árabe.

A Rússia quer manter Assad no poder, pelas relações políticas, militares e econômicas, que seu país possui com Assad, por isso "arrastaram" o Irã, milícias xiitas iraquianas e o Hezbollah para a guerra, no intuito de defender Assad e retomar posições chaves, como conseguiram fazer recentemente em Aleppo. Os aliados de Assad, como o Hezbollah estão no sudoeste da Síria.

O governo da Arábia Saudita e do Catar querem a derrota de Assad, financiando milícias jihadistas, para desestabilizar os governos aliados ao Irã, para tentar retomar o anterior grau de protagonismo regional perdido no último período. 

O Estado Islâmico e a Frente Al-Nusra que querem construir seus objetivos territoriais e jihadistas em meio ao pântano atual da Síria, como o proclamado califado do EI. Foram parcialmente derrotados com a diminuição de suas forças na Síria, mesmo assim são atores fortes neste conflito e são os elementos mais contra-revolucionários de todos. Controlam o leste e regiões do centro sul da Síria.

A Turquia quer derrotar os curdos também no território sírio, por isso ataca estes, sob a justificativa de ações de defesa do território turco na fronteira, para "impedir" a entrada de jihadistas do EI e o fortalecimento dos curdos. As oscilações de posições da Turquia, ora se comportando como "opositores" de Assad e ora como "aliados", foi vital para o recente fortalecimento territorial de Assad. Atuam no norte da Síria.

Os curdos que apesar de erros estratégicos compondo estranhas alianças, seguem sendo um dos principais elos territoriais da revolução síria, lutando pelo poder em seu território e por sua autodeterminação como nação, tanto contra Assad, o EI, a Turquia, o Irã, o Iraque, os Estados Unidos e a Rússia. Controlam regiões do norte sírio.

Mesmo de longe, podemos ter opinião e lado neste conflito: o lado da revolução. Que nos instáveis e temporários territórios sírios, tentam resistir e quem sabe poder derrotar os muitos e gigantes poderes contra-revolucionários de Assad e de tantos outros atores.

Em memória aos quase 500 mil mortos na guerra da Síria, das formas mais brutais possíveis, como nos bombardeios químicos. Em especial as crianças sírias e curdas que sonham com a vitória da revolução para terem o poder de viver em território de uma Síria livre e justa e na futura nação curda.
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Tailson Silva é professor de Geografia na rede pública de ensino do Pará e militante da Corrente Socialista dos Trabalhadores (CST-PSOL).
Fonte imagem: Folha.