Voz na Cena
por Bernard Freire
De
todas as histórias que modificavam o cotidiano da escola, me entreguei a uma
que refletia sobre o processo mais importante que fazia tudo funcionar: dirigir
um Centro Acadêmico com outros mobilizadores de ideias. Lá abríamos a porta
para o diferente: planejávamos a recepção dos calouros, as atividades de
consentimento artístico, as contribuições que mantinham em pé a nossa casa,
vivíamos de tudo. Junto com outros estudantes arrumávamos os quartos, limpávamos
a sala e montávamos a feira diante do público.
Desenvolvíamos
bem as atividades que exigiam nossa disciplina de discente dentro da academia.
Em alguns casos buscávamos concentrar um grande número de alunos para discuti
os problemas existentes em nossa instituição. Tínhamos dificuldade em nos
juntarmos com o curso de Dança e os cursos Técnicos que eram em horários
diferentes do Teatro. Nossa estratégia era reunir com os representantes de
turmas, mas isso complicava um pouco porque a dinâmica que planejávamos nem
sempre atingia a todos. Nos concentrávamos em nos politizar primeiramente.
Reunião
do CALT e CADAN, gestão Voz na Cena – 2013.
A
centralização de nossa categoria estudantil mostrava a nossa contribuição de
querer resolver os problemas que enfrentávamos na ETDUFPA. Através da nossa
mobilização conseguimos uma sala para o C.A, uma xerox, organizamos encontros
estudantis e debatíamos a implementação de um Restaurante Universitário que é o
maior problema enfrentado pelos estudantes da escola. Sempre levávamos
propostas de solução desse problema para uma direção maior que não abraçava a
causa dos estudantes; gritávamos sozinhos. Foi daí para as reuniões de conselho
que derramei o leite que trazia da cozinha. Na gestão que dirigi, não conseguir
junto aos estudantes, resolver essa parte do problema. Como
qualquer instituição, as ordens determinam até onde teus pés podem te levar; a
ETDUFPA é como uma segunda casa para os estudantes que passam o dia
desenvolvendo atividades que esgotam o corpo.
Nessa
vivência, fui compondo versos que dialogavam com os estudantes e passei do eu
para todas as outras extensões. Multipliquei fatos que conduzissem uma relação
aberta entre cada indivíduo, dando voz às paredes que apenas observavam as
histórias pertencentes ao universo da escola de teatro. Sentia-me bem em
caminhar pelos quatro cantos e usufruir de cada detalhe, transvendo cada parte
que atravessavam os meus sentidos. Ali me desqualifiquei. Parei no tempo e
minha energia se desfez pelas gotas que escorriam do teto. Fui buscando pontos
de fuga para desenvolver um novo raciocínio daquele espaço. Tudo gritava dentro
de mim e as aulas já não faziam mais sentido. A repetição do cotidiano me
desgastava e minha falta de paciência em compartilhar minhas noites me
bloqueava os pensamentos. Dentro da escola zerei as condições de sobrevivência,
fiquei no game over.[1]
O
estranho era ver que todos permaneciam de acordo com seus movimentos, porém com
a rotina de turmas antecedentes a minha. O espaço se fechou e escureceu as
minhas retinas, meus pés enraizavam-se sobre um grão de areia, o ar sufocava-me
como gás metano, explodia-me, ocupava-me do nada. Em outros momentos me
pertencia ao céu, aglutinando-me ao silêncio movente que desenhava o não visto.
Chegava à conclusão de ruptura, de desistência dos passos. Ficar preso trazia
um grande conforto de não mover-se, de estar ali apenas para cumprir minha
obrigação de discente. Mais que discente seria esse que não produz? Que não se
dá nem a intenção de alimentar-se do conhecimento? O teatro me dava mais sede
quando eu o descobri, mas a fonte já não me saciava e a ociosidade contemplava
meu desempenho durante os semestres. Mesmo tendo a ideia de explorar o vazio,
pra onde quer que eu corresse, me sentiria como se ainda estivesse a fazer o mesmo
de sempre, sem avançar a um outro entendimento do espaço daquela escola.
Precisava perfurar as camadas que encobriam a minha pele. Olhar além do olho da
máscara.
Eu
canso quando o som ao redor se expandi dentro de mim. Mostro ausência de
sensatez e me cubro de metáforas aglutinadas na minha imaginação. Busco um
revés que modifica os estreitos caminhos oblíquos da rotina. Paro. Sufoco em
pensamentos. Desabo em poeira soltas que invadem minha retina. São tempos
rápidos e o entendimento dessa situação gera um caos nos poros que aniquilam o
individuo. Tudo é confuso. Bagunça encaixotada. Energia esquálida derradeira.
Movo, prendo-me a mim mesmo. Observo o andamento das paredes e caio no chão que
sustenta o mundo. Tudo é frenético. Ausência de motivação. Grito escorado nas
cordas vocais. Vazio cintilante que acompanha a rotina. Circulação interrompida
pelo espaço. Olho de dentro e não enxergo nada. Tudo é fato. Choro trancado.
Batimentos que soltam os brilhos invisíveis. Palma. Estabilidade caminhante.
Encadeamento imóvel. Até aqui o silêncio busca um confronto com ele mesmo. Por
de trás, visões incandescentes que te sustentam
na linha cotidiana. Fluxo de sentimentos. Pedaços embrulhados num lencinho de
papel. Ar codificado de gases. Movimentação psicodélica. Tudo é misturado,
andamento retardado, choque de explosão do intestino. Postagem: Rosácea das forças[2]
(Blog Corpo Palavra, 01/09/2015 -
http://goo.gl/tqZnOe).
Desenvolver
atividades na escola se tornou mais contribuição coletiva junto aos estudantes do
que ter um bom desempenho. Mudar as rotinas me estabelecia certo tipo de
dedicação que se evaporava em mim tal qual algodão doce na água. Tinha que
escolher entre assistir aula ou me encantar com o mundo artístico oferecido
pelo outro lado do muro. Até ali eu só percebia a escola de teatro como
universidade. Nada além de um quadrado que me ensinava valores profissionais
que um artista deve ter na sua qualificação de cidadão. Eu rompia o elo que meu
cérebro desenvolvia com a realidade durante as disciplinas que me despertavam
um bom funcionamento das teorias teatrais. No terceiro céu[3]
sobrevoava na pequena janela para equilibrar o silêncio que escapava quando um
olhar me dirigia e me fazia buscar no ar uma explicação sobre aquele magnífico
espaço que tomou conta do meu ser durante esses anos de curso.
Como
um balão levantando voo, redobrava as voltas no quarteirão e desenvolvia um
novo olhar sobre o entendimento do espaço. O curso me ensinava formas de
sobreviver; de investir em conhecimento e desbravar as fronteiras que me
aglutinavam os pensamentos. A vontade de
sobreviver me distanciava do portão; caminhar acordavam meus pés e pude reler
em mim a extensão de um olhar que observava sem ser visto. Ultrapassei o muro
da escola, da universidade e fui produzindo novos registros de aprendizado:
Carrego a minha
mochila. Topo. Tudo bagunça. Volto e recomeço. Descanso o corpo para a mente
poder acompanhar. Respiro, solto sufoco. Amo, renasço. O teatro sempre me
mostra um bom ponto para recomeçar e descobrir como é que se conquista. Penso
muita coisa, quase tudo. E o que me sobra no pensamento compartilho para os
outros terem um pouco de mim. Postagem:
Congratulações (Blog Corpo Palavra
30/03/2015 - http://goo.gl/KWXpNt).
[1]
Game over significa fim de jogo, onde game
significa jogo e over fim. A expressão é muito utilizada para jogos de vídeo
game, computador, jogos online e etc., e aparece sempre que a pessoa chega ao
fim do jogo ou acabou de perder.
[2]
Rosácea das forças: "trata-se de um espaço
direcional adaptável a todos os movimentos do homem, sejam eles físicos ou
psicológicos, um simples movimento do braço ou uma paixão devoradora, um gesto
da cabeça ou desejo profundo, tudo nos leva ao 'empurrar / puxar'". (O
corpo poético - Jacques Lecoq, 2010).
[3]
Terceiro andar do prédio da ETDUFPA onde fica
localizada a sala da direção geral da escola.
Continue lendo no blog do autor: http://www.corpopalavra.com/2016/04/voz-na-cena.html
Bernard Freire é estudante de licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Pará.
Nenhum comentário:
Postar um comentário